Nuances de um criminoso escrita por Riniyaresu Kaio


Capítulo 1
Passando a gilete




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Num movimento preciso passo a navalha suavemente. Não percebem o que está acontecendo. Nunca percebem antes que seja tarde demais. A fina lâmina continua seu caminho. Uma. Duas. Três vezes. Desprovidos de qualquer proteção finalmente alcanço a epiderme. Lisa em sua maioria, mas alguns apresentam um aspecto aspero asqueroso. Aumento levemente a pressão e a navalha continua seu caminho. Alguns finalmente percebem, o horror em seus rostos como prova da tragédia eminente. Sinto meu ritmo cardíaco acelerar. Um sensação calorosa me toma de assalto. Normalmente faria um golpe rápido e preciso, mas hoje não. Hoje continuo lentamente até que um filete de sangue brote como uma mina em meio à pele árida. Sangue escorre enquanto suas esperanças se esvaem. Gritos nascem nas gargantas ressecadas. Gritos roucos e agudos se misturam. Gritos que rasgam os tímpanos e rompem as cordas vocais. Alguns se controlam, como se gritar significasse abrir mão dos resquícios de humanidade que lhe restam. Rebaixa-los ao nível animalesco que realmente lhes convém. Mas não adianta, eles vão gritar. Eles sempre gritam antes do momento derradeiro. Quando a vida os abandona e suas tristes carcaças caem pelo chão. Uma súplica ou grito de agonia? Não sei dizer e não me importo se existe uma diferença.

Estar em minha posição requer uma dosagem de coragem, covardia e sadismo difícil de encontrar nas massas criadas presas ao antagonismo da religião. Mesmo que tivesse preces para serem feitas em meu leito de sono elas seriam feitas, única e exclusivamente, para o vazio. Um deus que escutasse e permitisse que continuasse com meus atos estaria cometendo crimes muito piores que os meus. Em último caso, prefiro acreditar na inexistência do que na conivência ou descaso.

Como tudo nessa vida foi preciso aprender o oficio. Minhas primeiras ações, baseadas em observações anteriores e em pura intuição, foram desastrosas. A muito custo a eliminação dessa escória foi alcançada, mas minha estafa, tanto física como mental, depois do serviço era absurda. Sentia meu ritmo cardíaco irregular pelas injeções inconstantes de adrenalina. Era uma sensação horrível, diametralmente oposta ao prazer que passei a sentir ao cumprir o serviço com maestria.

Depois de mais algumas tentativas já executava meus cárceres com perfeição, mas sentia que não era o bastante. A simples dor e desespero pela morte iminente já não me saciavam mais. Passei a deixar uma pequena parte deles viva. A dor pela morte do próximo e a felicidade mesquinha por estar vivo. Esse conflito entre minhas vítimas, me deixava em êxtase. A certeza da morte nem se compara à dúvida da vida.

Parecia que havia encontrado a solução para aumentar os estímulos que busco desempenhando meu papel, mas algo curioso aconteceu. Os sobreviventes passaram a apresentar sintomas da síndrome de Estocolmo e a medida que os sintomas se tornavam mais evidentes a empatia e preocupação pelos mortos diminuía.

Descobri depois que esse comportamento já era esperado. Depois do choque inicial, percebem que os mortos não eram tão estimados ou importantes para suas vidas. É esse instinto mesquinho que permitem que continuem vivos, ao menos por alguns instantes mais.

Me peguei desanimado por alguns dias. Não sabia como solucionar essa situação. Me foram indicadas as mais variadas ações. Resolvi então pedir ajuda profissional. Ele foi indicado como o melhor nisso que fazemos. Um verdadeiro mestre.

Os boatos eram verdadeiros. Fazendo uso de máquinas e ferramentas, que até então desconhecia, destreza e habilidades surpreendentes desempenhava suas ações com extrema rapidez. Nenhum ato ou movimento desnecessário, apenas rapidez por parte dele e dor extrema dos seres que parecem ter encontrado o verdadeiro horror. Ve-ló trabalhar fazia que todas minhas ações e aprendizado, do qual tanto me orgulhava, não passassem de tolices de alguém inexperiente.

Mas aquilo ainda não era o que eu buscava. Entendam que em nenhum momento questionei a capacidade dele de desempenhar as funções a qual fomos designados. Devo admitir que, mesmo agora depois de anos de prática, minhas habilidades ainda não se equiparam às dele. Mas há algo no qual sou melhor que ele: eu realmente sinto prazer desempenhando minhas funções.

Ele me confidenciou que era igual a mim quando iniciou mas que com o tempo, com a carnificina e com a dor diárias passou a trabalhar mecanicamente. Nada mais o satisfazia, o máximo que conseguia era um pouco de satisfação ao ser admirado por suas habilidades exemplares.

Sendo assim, agradeci seus ensinamentos e retomei minhas ações. Agora poderia mata-los, estripa-los e manipula-los a meu bel prazer, sem dar chances que o mínimo de compaixão brote nesses seres desprezíveis. A adrenalina voltou a correr nas minhas velhas enquanto operava aquelas novas máquinas e me deliciava com os gritos dos mortos e feridos.

Isso aconteceu a muito tempo. Dias de glória. Mas agora, o que eu mais temia aconteceu. O prazer que senti hoje foi menor que ontem. O de amanhã será menor que o de hoje. Sinto tudo que fiz se esvair entre meus dedos até que não reste nada. Chegará o dia que o sangue derramado não significará nada pra mim. Os gritos continuaram ecoando, mas não farei questão de ouvi-los. Chegará o dia que não saberei mais o motivo por trás dos meus atos. Talvez nunca tenha sabido realmente. Continuarei os matando pois é o que sei fazer. Talvez passe meus conhecimentos para aqueles dispostos a continuar essa carnificina.

A sina do aluno é virar um mestre algum dia.


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Notas finais do capítulo

Antes que alguém chame a polícia saibam que o texto foi baseado na minha barba e meu trabalho de acabar com ela.



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