Apreciável escrita por Lostanny


Capítulo 1
Único — Russia em verão.




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O planeta girava ignorante e inalterado como sempre.

Isso aborrecia Ivan de sobremaneira. Ele mesmo via que muito sangue teria de ser derramado para que conseguisse entender alguma coisa. A situação com sua irmã mais velha era incerta assim como parecia longe o dia em que se entenderia com Alfred. Os outros países cada vez mais mantinham certa distância de si devido ao receio de contrair problemas com seu rival.

Qual era o problema de querer fazer sua irmã se tornar uma só com ele assim como os demais? Ivan cansava de todo aquele isolamento mesmo que não admitisse para si em voz alta; até mesmo para si era um esforço tremendo.

Era verão ainda que sentisse frio.

A qualquer momento o coração de veias roxas de exaustão explodiria. Não seria nada demais; o bastante para desacordar Ivan o dia inteiro; estava acostumado. Ivan sorriria porque “amigos e família também se desentendiam”.

Acordaria na manhã seguinte com mais cicatrizes que seriam escondidas.

Mesmo com tais preocupações tinha bobagens interessantes para que pudesse perder a atenção, e esquecer de tais amarguras. Essa bobagem interessante era o que conseguia acender no coração doente de Ivan um pouco de calor; tinha o rosto de um homem, mas não era exatamente um; uma personificação como Ivan. Da antiga Prússia para ser mais exato.

Gilbert não devia saber a respeito da fonte de vida que despertava em Ivan. Afinal era da natureza de Gilbert pensar apenas em si mesmo. E mesmo que ouvisse sobre isso, uma obra criada não tinha a possibilidade de alterar seu próprio conteúdo sozinha. Por isso Ivan tinha que alertá-la de forma que pelo menos por meio dela mesma conseguisse enxergá-lo:

— Gilbert-kun, você é mesmo muito bonito. — Ivan disse com uma voz doce.

Ivan olhava para a pessoa refletida no espelho. Ivan abraçava Gilbert como se fosse um bem precioso. E realmente era algo similar; não por ser algo não humano, mas de conter um estimado valor para si. Não haveria espaço em seu coração para um segundo mesmo que quisesse. O coração já estava entulhado de escuridão para isso. Não havia espaço em Ivan nem para si mesmo.

Era algo que rendia a Ivan dores de cabeça. Ivan se sentia atraído por Gilbert a ponto de querer esquecer Rússia. E isso era inadmissível para o russo. Queria ter amigos, os sorrisos do prussiano e ser ele mesmo. Não era possível, não mesmo, e sabia que não podia ser mais idealista. Já havia passado o tempo em que Yekaterina estava ao seu lado para animá-lo com histórias mágicas sem sentido.

Nesse turbilhão Ivan queria torcer o pescoço da beleza que o cegava com a intensidade de querer beijá-la. Entretanto Ivan apenas se manteve apoiado na peça carismática que iludia até a si mesma:

— Claro que eu sou! — Gilbert disse nem um pouco modesto. — E até quando vai ficar pendurado em mim? Tenho coisas para fazer.

Ivan se lembrou de imediato no quanto Gilbert no dia anterior havia insistido para que pudesse passar a noite em sua casa por ser mais cômodo.

“Você não é mais nada que um pedaço do passado” Uma parte maldosa de Ivan disse sem receio. Só que era algo que seria meramente um eco. Ivan não deixaria escapar as palavras, pelo menos uma boa parte delas. Ivan queria imaginar que mudou com as emoções que ainda podia experimentar; que podia amar Gilbert sem perigo de torná-lo apenas mais uma peça para que a Rússia se torne única.

Só que tantos países como pessoas demoravam em tal objetivo de mudança. Isso se realmente a alteração fosse possível. O mal estava inalterado; as garras a mostra para uma oportunidade de retalhar.

Ivan queria aqueles sorrisos de Gilbert para si a ponto de ser desesperador. Ivan chegava ao nível de arrancar um cano da cozinha e destruir um boneco de neve inteiro feito com cuidado sem remorso. Ivan descontaria a raiva assim ou Gilbert que sofreria as consequências do mal humor.

Veja, Ivan sabia que Gilbert não tinha que ser cobrado. Os dois nunca tinham acordado um relacionamento, apesar de que já terem tocado os lábios um do outro. Ivan teve muitos problemas; as condições nunca chegavam para dizer o que realmente queria. Quando conseguiu ser independente o suficiente para poder segurar uma mão, a história havia prosseguido sem que percebesse. Não havia como Gilbert querer segurá-la. Seus sentimentos eram inúteis quando todos já estavam tão cheios deles. O mundo era caótico ainda que houvesse luz.

— Não quero. Gilbert-kun vai me fazer companhia até o amanhecer. — Ivan disse mantendo um tom de voz mais animado.

Era notável, entretanto, que não estava brincando.

— Mas ainda são sete horas! — Gilbert disse aborrecido. — O West vai ficar preocupado se não me apressar, afinal minha presença é muito importante!

Ivan continuou apoiado sobre Gilbert; tinha que admitir que fosse um pedido egoísta; tanto para Gilbert quanto para o país que estava encarregado. Não havia melhor motivo para deixar as coisas ainda mais difíceis para a Rússia com isso. A reunião em que o prussiano substituiria Ludwig não deixava de ser importante. Esperou mais revolta.

Ivan se surpreendeu duplamente quando Gilbert não tentou se soltar; não havia nenhum esforço brusco da parte prussiana. O silêncio reinou por alguns instantes; algo espantoso para a personificação da extroversão. Ivan não era odiado? Ou era a nova forma de Gilbert de demonstrar seu ódio? Ainda havia a possibilidade de Ivan estar pesado para o corpo decadente.

— Está tudo bem, Gil-kun? — Ivan disse em tom hesitante.

Ivan se permitia aquela intimidade apenas naqueles instantes críticos; e não menos preciosos.

— Não... Não mesmo. — Gilbert disse e balançou a cabeça em negativa como se tentasse se esquecer de algum pensamento desagradável.

Ivan não entendeu o que Gilbert queria quando pousou uma das mãos sobre os braços que enlaçavam. Gilbert ainda não pareceu ter intenção de se afastar; nem se virou de frente de Ivan; com a outra Gilbert conduziu o rosto próximo ao seu e fez um contato leve com seus lábios.

Gilbert o beijou mesmo que fosse uma das representações que mais odiava de um jeito que só um amante poderia ser tratado.

— Gilbert-kun! O que está querendo provar? — Ivan disse com as mãos sobre os lábios.

Não queria ter esperança; Ivan soltou Gilbert inconscientemente e deu dois passos para trás. Era a sua casa. Não haveria motivo para correr; apesar do sentimento independente da pátria, do próprio Ivan, ter querido.

Era difícil para Ivan se encontrar nesse tipo de situação para lidar com clareza. As maçãs do rosto tinham esquentado. As palavras apenas fluíram sem controle; tal falta de razão o amedrontava. Lembrava-lhe de seu tempo de criança desprotegida.

Não havia sombra de hesitação ou mal-estar no rosto de Gilbert.

— Não foi tão ruim tinha que ser eu mesmo — Gilbert disse cruzando os braços e esboçando um sorriso convencido.

Uma aura escura envolveu Ivan.

— Entendo... Então Gilbert-kun mentiu para mim quando disse que não estava bem? Que feio. — Ivan disse com um sorriso doce.

Seu lado maldoso emergiu e Ivan jurou que não deixaria Gilbert voltar para casa a salvo ou tão cedo. Detestava ser enganado mais do que qualquer outra coisa.

Rússia iria adorar se utilizar daquele espécime em particular para afiar sua picareta, melhor que um boneco de neve. Talvez estivesse se precipitando demais? Gilbert ainda falava alguma coisa. Os ouvidos bloqueados pela loucura não tinham captado anteriormente.

—... ainda havia essa forma! Você poderia retribuir... aí ficamos quites... não que eu esteja com medo, claro que não! Kesesese. — Gilbert disse só que estava visivelmente aflito.

Odiando ou não sua pessoa, Gilbert visitava Ivan com mais frequência desde que se mudou para a casa do irmão. Mesmo com as turbulências que estavam o mundo. Também, oficialmente não era mais uma nação. Podia “fazer o que bem entendesse” usando as palavras do próprio Gilbert, sabendo que isso não poderia ser verdade. Era mais provável que sentisse pressões para que não o fizesse.

Não eram amigos declarados.

Entretanto Gilbert cozinhava para si quando tinha que chegar tarde do trabalho e ele mesmo se via tentando fazer algum agrado à visita. Tentar fazer algo manual... ainda que se saísse melhor se limitando as Matryoshkas.

Gilbert o concedia a beijá-lo. O mundo realmente estaria em seu fim?

— Gilbert-kun... se tiver valor a sua vida explique com todas as letras o que está tramando senão...

Ivan, tomado de seu lado insano, fechou a mão em punho com exceção do polegar e simulou um corte na garganta. Claro que sorriria amigavelmente enquanto o dizia. Declarados ou não eram amigos, pelo menos no pensamento de Ivan. E amigos “são gentis mesmo zangados”. Ali estava um exemplo de como um gesto poderia ser bem explicativo; nem todos poderiam ser é claro. Assim como nem todas as palavras conseguiam ser satisfatórias.

— É simples assim: Eu te quero. — Gilbert disse.

Parecia uma criança que tinha se decidido do que pedir de aniversário. Os olhos de Gilbert brilhavam diferentes, muito vivos, e seu corpo dava sinais de expectativa.

— Eu não entendo Gilbert-kun. — Ivan disse sem se aproximar um milímetro — Amigos “não querem” outros da forma como você fez.

Ainda que Ivan soubesse bem que também não queria o prussiano dessa maneira “limitada”.

Gilbert deu um passo pelo chão do quarto; Ivan permaneceu onde estava, próximo de uma porta a qual teria como aliada a qualquer momento. O prussiano deu um último passo para que estivessem próximos. Provavelmente sabia que Ivan não quereria demonstrar nenhum gesto que mostrasse fraqueza.

Gilbert suspirou e foi uma das poucas vezes que Ivan viu nele uma expressão decepcionada:

— Está muito longe. — Gilbert disse com uma mão apoiada sobre o suéter que o russo usava — Deveria saber que não quero ser seu amigo Ivan. Eu sou incrível demais para isso.

O russo poderia se sentir chateado pela afirmação. Mas estava ocupado em sentir seu corpo formigar pelo caminho que aqueles dedos seguiam pela sua roupa ao dizê-lo. Seguiram retos até seu pescoço. A região foi segurada delicadamente. Sobressaltou-se com o rosto bem próximo ao seu, bochecha contra bochecha, e as palavras em tom carinhoso inédito:

— Quero ser “mais que um amigo” para que só minha incrível pessoa possa te tocar assim... Entendeu agora? Eu quero te beijar. Pode me bater se não quiser.

Ivan sentiu que a realidade lhe fugia pelos dedos. Estava sonhando? Gilbert, a pessoa que há tanto tempo lhe tirava o sossego, encostava os lábios em sua bochecha por vontade mais racional que um desejo momentâneo; que reverberava infinitamente por ele. A realização chegou fazendo as bochechas de Ivan se avermelharem uma vez mais; sua voz tratou de se esconder bem no fundo de sua garganta, o impossibilitando de falar.

Ivan sempre quis que alguém o amasse. Tão desesperado a ponto de não conseguir abrir mão das distorções dos fatos para conseguir pegar no sono. “Tinha alguém naquele vasto mundo que deveria amá-lo”. Tentava se convencer disso. Isso não era nada bom. Se fosse uma mentira definitivamente iria apodrecê-lo sem volta. Só que não se perdoaria se não contatasse aquela luz brilhante demais para que pudesse ignorar.

— Se isso for uma mentira, não importa como, vou exterminá-lo Gil. — Ivan disse com o seu sorriso mais insano.

Os olhos estavam mais úmidos que o habitual.


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Notas finais do capítulo

:3