Peaceland escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 1
Ato Único


Notas iniciais do capítulo

Estamos considerando um mundo onde as pessoas que morrem ou são mordidas por zumbis viram zumbis. Não há infecção por toque. Zumbis sentem dor e morrem.
Os palavrões do início são atribuídos às personalidades fortes dos personagens que as pronunciam.



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1 EXT. CEMITÉRIO PEACELAND, NOITE 1

[Scott está sentado sobre um dos túmulos. O personagem é um zumbi infantil, aparentemente 8 anos se fosse humano. Ouve-se conversa ao redor, mas Scott permanece sentado segurando um pequeno objeto. É uma foto velha e amassada que apresenta uma menina sorridente de cabelos castanhos, curtos e cacheados, usando uniforme escolar antigo. Ouve-se um barulho próximo a Scott. Ele olha para a origem do som e esconde a foto sob ele, deixando uma ponta aparente. O zumbi Ryan aparece. Ele aparenta ser um adolescente, se aproxima de Scott.]

RYAN (rindo) – Scott, amigão, como vai?

SCOTT – [Suspiro] Como sempre, Ryan. Nós não mudamos nunca.

RYAN – Nós não precisamos. Você está sumido, o que está acontecendo, hein?

SCOTT – Não é nada.

Scott desvia o olhar para o outro lado. Ryan olha para onde a ponta aparente da foto se encontra. Ele a pega rapidamente e Scott tenta pegar de volta, sem obter sucesso.

SCOTT (Gritando) – Ryan! Me devolve isso! É meu!

RYAN – Não acredito que está assim por causa de uma humana!

SCOTT – E o que você tem a ver com isso?

RYAN – Eu só quero te ajudar, parceiro. Esquece essa menina! Vem cá, vem. [Se aproxima de Scott e pega-o pelo braço. Conduz Scott para um ponto atrás da tumba, onde outros quatro zumbis adolescentes conversam]

VINI – Quem é esse?

RYAN – É meu amigão Scott. Ele tá com problema.

LUCA – Que é que tá pegando? Pode falar pra gente, irmãozinho!

SCOTT (nervoso) – Falar? Eu não tenho nada pra falar.

CARL – Claro que tem! Conta pra gente. Você morreu de quê?

[Scott dá um passo atrás. Os zumbis se entreolham]

HARRY – Acho que ele não quer falar.

VINI – Pode crer. Deve ser desses que não gosta de falar do passado.

RYAN – Não gosta, mas vive nele. [Ryan dobra a foto e guarda em seu bolso, e os outros não notam]

LUCA – Pode falar, irmãozinho. Ninguém aqui guarda rancor, não. Apesar de ter feito muita merda na curta vida. Eu, por exemplo, morri de Aids.

VINI – Cirrose!

CARL – Overdose!

HARRY – Câncer no pulmão! De tanto fumar!

RYAN – Briga de rua. Por causa de droga, sabe?

VINI – E você, irmão? Se meteu com o quê?

SCOTT – Não me meti com nenhuma dessas coisas.

CARL – Mas você é tão pequeno! Tem cara de que se meteu.

SCOTT – Não me meti com nada!

HARRY – E morreu de quê?

SCOTT (pós-pausa) – Tuberculose.

HARRY (pós-pausa) – Ao menos não tem do que se arrepender.

SCOTT – Como assim?

RYAN – Fizemos muita coisa ruim em nossas vidas, Scott. Fumamos, bebemos, nos drogamos, nos envolvemos com pessoas erradas. E por isso morremos. Foi uma escolha nossa. Já você, não teve culpa do que te aconteceu.

CARL – Quantos anos você tinha?

SCOTT – Nove. Escutem, mesmo que eu não me arrependa de ter causado minha morte, arrependo-me de outras coisas. É difícil morrer sem se arrepender de algo que não foi feito.

LUCA – Do que se arrepende, Scott?

SCOTT – São coisas meio... pessoais.

VINI – Já dissemos, irmão, pode se abrir com a gente.

SCOTT – Eu prefiro manter isso comigo.

RYAN – Ele provavelmente se arrepende de não ter fodido a garota dos sonhos dele.

[Scott se enconlhe]

HARRY – Ryan! Para de falar merda, caralho! O menino tinha nove anos! Não dê ouvidos ao Ryan, Scott. Ele é um babaca.

SCOTT – Tá tudo bem.

RYAN – É isso aí. Meu amigão Scott não liga pra isso. Ele sabe que eu estou só brincando, apesar de ter uma foto bem interessante.

VINI – Que foto?

SCOTT – Ryan, não ouse! Isso é meu!

[Ryan tira a foto do bolso e a ergue no ar]

RYAN (debochando) – Você quer? Vem pegar!

[Scott pula várias vezes para tentar pegar a foto, sem conseguir. Os outros tentam não rir, mas acabam rindo].

RYAN – Que tal pedir com educação pro seu amigão Ryan, hein?

SCOTT – Me dá essa droga antes que eu te mate de novo, idiota!

[Ryan semicerra os olhos].

RYAN – Me chamou de quê? [Ryan empurra Scott e rasga a foto em duas partes e joga no chão. Scott grita e começa a chorar] Isso é pra você aprender a me respeitar! Eu sou autoridade nesse cemitério, ouviu? E saia daqui antes que eu perca a paciência! Anda!

[Scott sai correndo com aparente desespero]

HARRY – Ryan! Por que fez isso? Ele tava chorando, cara!

RYAN – Deixa ele chorar, igual um bebê! É isso que ele é! Da próxima vez que encontrarem esse garoto, quero que deixem claro quem manda em Peaceland! Agora vamos, eu tô cheio de fome!

Todos – Cérebros!

2 EXT. RUA DA CIDADE – PRÓXIMO À CASA DE MARISA 2

[Scott corre pela rua, chorando. Ele parece desnorteado e procura algum lugar para onde possa correr. De repente, para e observa uma casa grande e iluminada no fim da rua. Ele anda devagar até lá, e para em frente ao portão de grades douradas. A casa tem um jardim bem cuidado e cercado por um muro alto de chapisco. Próxima à casa está uma árvore grande com um balanço. Scott hesita por alguns instantes, e finalmente respira e escala o portão. Quando ele pula para o outro lado, parte de seu braço fica pendurada na parte superior da parede. Ele demora alguns segundos resgatando o pedaço e recolocando-o no lugar. Com passos cuidadosos, ele segue para perto da casa. Passa a observar o que acontece na casa pelas janelas. A primeira retrata um escritório, onde um homem parece ocupado. Scott observa por alguns segundos com curiosidade]

GEORGE (Gritando) – Marisa! (Com mais intensidade) Marisa!

[Pouco depois, uma mulher entra na sala. A expressão de Scott se torna emocionada. A mulher tem os cabelos presos e usa um vestido rosa-bebê. Se parece com a menina da foto]

MARISA – Francamente, George, você não tem paciência?

GEORGE – Eu tenho coisas mais importantes para me preocupar do que com minha paciência. Onde estão os contratos de ontem?

[Impaciente, Marisa caminha para um arquivo e pega um maço de papéis dentro de uma gaveta]

MARISA – Você está cansado de saber. Sempre os guardo aqui.

[Marisa joga o maço sobre a mesa e George ergue os olhos]

GEORGE – O que há com você, mulher?

MARISA – Eu é que pergunto. Você não vem jantar?

GEORGE – Tenho prioridades aqui.

MARISA – Faz três noites que você não janta direito.

GEORGE – Eu não me incomodo. Não tenho fome.

MARISA – As crianças estão preocupadas. E eu também.

GEORGE – Com o quê? Com o fato de que não vou ter tudo pronto amanhã?

MARISA – Com o fato de que o pai está se ausentando. George, nós precisamos de você.

GEORGE – Hoje não dá, Marisa. Não consegue compreender? Sei que estou deixando vocês de lado, mas é necessário. Ao menos por enquanto. Diga às crianças para não se preocuparem. Logo estarei livre para lidar melhor com eles.

MARISA (Caminhando para a porta) – Você é quem sabe. Não me culpe se as crianças odiarem o pai daqui a algum tempo.

[Marisa sai e fecha a porta. Do lado de fora, Scott sorri]

SCOTT (Sussurrando) – Marisa e seu jeitinho. Continua linda. E ela... Tem filhos. Uau.

[Scott vai para a outra janela, pertencente ao cômodo para onde Marisa passou. É uma sala de jantar, onde dois meninos e uma menina correm. A menina é exatamente igual à da foto]

MARISA – Andy! Sam! Lyz! Parem de correr, por favor! Vamos jantar.

[Rapidamente, as crianças se sentam em suas cadeiras.]

ANDY – Cadê o papai?

MARISA – O papai não jantará conosco hoje. Amanhã, talvez. [As crianças se entreolham, entristecidas] Crianças, preciso que entendam o papai. Ele está trabalhando muito.

LIZ – Tudo bem, mãe. Nós sabemos disso.

MARISA – Então vamos orar aO Senhor. Liz, nos dá essa honra?

[Liz assente. Todos fecham os olhos e cruzam as mãos sobre a mesa]

LIZ – Senhor, abençõe nosso alimento. Obrigada por ajudar a mamãe a preparar essa mesa farta. Que ela sempre esteja cheia. Senhor, abençõe a mamãe, o papai, o Andy e o Sam. Que sejamos felizes. E por favor, Senhor, ajude o papai a acabar logo o trabalho. Amém.

MARISA, ANDY, SAM – Amém.

[Scott observa a família jantar com expressão feliz. Instantes depois, Liz olha para a janela, na direção de Scott]

LIZ – Um menino na janela, mãe.

[Rápido, Scott se abaixa e se espreme contra a parede. Todos olham para a janela vazia]

LIZ – Estava ali agora mesmo.

MARISA – Que curioso! Vamos procurar de manhã, está bem?

[Scott inclina a cabeça, como se estivesse tentando ouvir alguma coisa]

SAM – Mãe, o papai não jantou conosco... Mas ele vai com a gente na festa amanhã, não vai?

[Marisa encara Sam]

MARISA – Espero que sim, querido. Vou falar com ele. Afinal, não é uma festa qualquer, é o casamento da tia Estela.

ANDY – A tia Estela é tão legal! Estou muito feliz que ela vai casar, ainda mais com tio Rudolf.

MARISA – Sim. Todos nós estamos.

SAM – Será uma festa linda. A mais linda que a Igreja Eastglory já teve.

LIZ – Mamãe, terminei. Posso olhar a janela?

MARISA – Quer achar seu amigo? Pode sim, querida.

[Liz desce da cadeira. Abaixado, Scott se esgueira de volta para o portão da frente e o escala. Em seguida, anda pelo caminho de onde veio.]

SCOTT – Estela... Nossa, era só um bebê. Já vai casar. [Ele olha para trás] Igreja Eastglory. Isso pode ser interessante.

3 INT. IGREJA EASTGLORY, NOITE SEGUINTE 3

PADRE – E pelo poder em mim investido, eu os declaro marido e esposa. Pode beijar a noiva.

[O casal que está se casando se beija, e todas as pessoas na Igreja aplaudem. Os noivos saem da Igreja, seguidos pelos padrinhos e outros convidados. A festa acontece do lado de fora, o jardim é bem iluminado por várias lâmpadas. Uma orquestra toca e as crianças começam a correr. Liz, Sam e Andy juntam-se à correria]

MENINA – Está com você, Andy!

ANDY – Ai, que saco! Vamos logo com isso. [Andy se vira para a parede externa da Igreja e esconde o rosto] Um, dois, três...

[As crianças correm]

MULHER – Onde está George, Marisa?

MARISA – Infelizmente ele não pôde vir. Estava ocupado com o trabalho.

MULHER – Entendo.

[Scott está atrás de algumas árvores que cercam o jardim. Ele sorri ao observar as crianças correrem. Seu sorriso se fecha. Liz corre para onde ele está. Com desespero, Scott se esconde alguns metros à direita. Liz penetra nas árvores, e Scott a perde de vista. Scott observa enquanto Andy procura pelas outras crianças e encontra Sam debaixo de uma mesa. Ouve-se um pequeno grito abafado, na voz de Liz. Scott vira-se para o ponto onde a menina entrou nas árvores e corre para lá. Ele retira algumas folhas do caminho, e aparece em uma clareira. Ryan segura Liz, prendendo seus braços e sua boca. Liz chora e se contorce]

RYAN – Temos algo bom para jantar!

[Vini, Carl, Harry e Luca aparecem por entre as árvores]

VINI – Que delícia!

HARRY – Vocês tẽm certeza? Ela é só uma criança!

CARL – Harry, defensor das criancinhas oprimidas! Vai ficar comendo cérebro de cachorro morto, igual àquele manteiga derretida do Scott?

HARRY – Vamos acabar logo com isso.

[Scott sai do esconderijo]

SCOTT (Gritando) – Parem! Deixem-na em paz!

LUCA – Falando nele, olha quem aparece!

RYAN – Eu disse pra você não me atrapalhar mais, idiota! Você conhece essa menina, é? Porque ela é igualzinha a uma foto que eu rasguei ontem.

SCOTT – Não ouse atacá-la, Ryan. Meta-se com gente do seu tamanho.

RYAN – Me meto com quem se mete comigo! Agora que eu sei o quanto essa fedelha é importante pra você, fico muito mais feliz em comer esse cérebrozinho! Bom, talvez não só o cérebro.

[Ryan ri. Carl, Vini e Luca o acompanham]

SCOTT – Você não sabe com quem está se metendo, meu amigo. É sua última chance.

RYAN – Última chance pra você meter o pé!

SCOTT – Você é quem sabe.

[Scott dá um passo para ir até Ryan]

RYAN – Se der mais um passo, é o fim dela.

[Scott hesita]

SCOTT – Por que quer fazer isso? Por que não a deixa em paz?

RYAN – Primeiro, porque eu estou com fome. Segundo, porque eu não esqueci o que você fez ontem. E a melhor maneira de te atingir é essa. Agora, se me dá licença...

[Ryan abre a boca para morder Liz. Liz usa a perna direita para chutar a virilha de Ryan. Ele grita, se contorce e cai no chão, soltando Liz. Ela começa a chutar Ryan no chão. Os outros zumbis ficam boquiabertos]

SCOTT – Igualzinha à mãe.

[Scott pega um galho grande no chão e acerta Vini, que estava ao seu lado, distraído. Vini cai no chão, e Scott o acerta outra vez. Scott anda até Luca]

LUCA – Vai encarar, é?

[Luca desfere um soco em Scott. Ele cai no chão. Luca pega o galho e o levanta para acertar Scott. Harry acerta outro galho na cabeça de Luca, que cai. Harry estende a mão para Scott e o levanta]

SCOTT – Obrigado, Harry.

HARRY – Tava mais que te devendo essa.

[Liz continua chutando Ryan com muita raiva, embora o zumbi já tenha morrido]

SCOTT – Liz. Liz! [Ele anda até a garota e a segura pelo braço] Já chega, Liz, ele está morto.

[Liz se vira para Scott. Após alguns segundos, o abraça, chorando]

LIZ – Obrigada, Scott. Muito obrigada. Eu não teria conseguido sozinha.

SCOTT – Você... Você sabe meu nome?

[Liz solta Scott e enxuga uma lágrima]

LIZ – Claro que sei. Minha mãe sempre falou de você. Ela nos mostrou fotos de quando ela era pequena, essas coisas.

SCOTT – Marisa se lembra de mim?

LIZ – Diz que você é o melhor amigo que ela já teve. Ontem à noite, eu... Bem, contei a ela que te vi. Claro que ela não acreditou.

SCOTT – O que ela falou sobre mim?

LIZ – Ela contou sobre a amizade de vocês. As brincadeiras. O beijo no natal. E contou sobre sua doença. Disse que, se não fosse por ela, você seria meu pai.

[Scott fica sem reação por alguns segundos]

SCOTT – Ela disse isso?

LIZ – Sim.

SCOTT – O que você e seus irmãos acham disso?

LIZ – Bom, embora eu ame meu pai, acho que seria legal. Talvez fosse nos desse mais atenção que ele, sabe?

SCOTT – Eu não largaria vocês por nenhum minuto. Marisa foi... Muito especial para mim.

LIZ – Sei disso. E ela também sabe. Mas... Quanto a mim?

SCOTT – Você é uma menina incrível, Liz. Igualzinha à sua mãe.

HARRY – Gente, sem querer interromper, mas... Temos um problema.

[Liz e Scott se viram para Harry]

SCOTT – O que foi, Harry?

HARRY – Senhorita... Eu sinto muito, mas... Eu acho que você foi mordida.

[Liz levanta a mão esquerda, que tem uma mordida bem no dorso e já começa a apodrecer]

SCOTT – Ah, não... Não, não, não, não, não! Droga! Quando foi isso, Liz?

LIZ – No começo. Quando ele... Me puxou. Acho que ele queria garantir que eu não sairia... Ilesa.

SCOTT – Droga... O que vamos fazer?

HARRY – Venham comigo.

LIZ – Para onde?

HARRY – Peaceland. Temos que amputar isso. Rápido.

4 EXT. CEMITÉRIO PEACELAND, NOITE 4

[Harry, Scott e Liz correm para dentro do cemitério e passam entre os túmulos de pedra. Harry para em frente a um deles]

HARRY – Aqui. [Harry usa uma pequena pedra para bater como se batesse em uma porta] Doutor Muylaert?

[A tampa do túmulo se move, dando espaço para que o Doutor Muylaert suba]

MUYLAERT – Harry. A que devo a honra?

HARRY – Um pequeno probleminha.

[Harry aponta para Liz. Muylaert fica chocado]

MUYLAERT – Uma humana em Peaceland? A essa hora?

SCOTT – É uma emergência. Ryan a mordeu. Temos que amputar.

MUYLAERT – Deixe-me ver isso. [Liz estende a mão mordida. Muylaert a examina] Na mão, demora a apodrecer. Mas vai ser logo, logo. Filha, vai ter que perder essa mãozinha.

[Muylaert volta para o túmulo e pega uma caixa branca e vermelha. Liz se vira para Scott]

LIZ – Não há outro jeito?

SCOTT – Não. Se deixarmos apodrecer, você vira zumbi.

HARRY – A maioria das pessoas teria medo de nós. Você não, Liz?

LIZ – Nem um pouco. Gosto de vocês, desde que não queiram comer meu cérebro.

MUYLAERT – Não é o que pretendemos. Ande, filha, deite aqui.

[Liz deita sobre o túmulo. Muylaert prepara para a operação. Do outro lado, Scott permanece junto a Liz. Harry está perto dele]

SCOTT – Tem ideia do que vai dizer à sua mãe?

[Liz balança a cabeça negativamente]

LIZ – Eu tenho medo, Scott. Eu não quero isso. Não quero ficar sem braço.

[Uma lágrima escorre pelo rosto de Liz. Scott a enxuga com a mão, e faz carinho no rosto dela]

SCOTT – É necessário.

LIZ – Não é não. Você sabe que não.

SCOTT – Pare. Não considere essa possibilidade.

HARRY – Scott, deixe que ela se decida. Se é o que ela prefere...

SCOTT – Ai, ai, Liz... Você só pode ser maluca para preferir virar zumbi.

[Com a mão livre, Liz segura a mão de Scott que está sobre seu rosto]

LIZ – Ah, Scott... Eu vou virar zumbi de qualquer jeito. No fim das contas, serei um zumbi sem braço. Não vejo por que não adiantar isso.

SCOTT – Simples. Você tem família. Tem tanto pra viver...

LIZ – Não me importo. No fim das contas, serão apenas lembranças.

SCOTT – Liz, aqui é tão chato. Não há nada para fazer, não há aventuras.

LIZ – Podemos ter aventuras. Eu e você. Aposto que comigo aqui, você não ficará tão sozinho.

[Scott sorri]

SCOTT – Obrigado pela preocupação. Mas eu morri na sua idade, e não pretendo deixar que você faça isso tendo outra opção.

LIZ – É o que eu quero, Scott. É a minha escolha.

SCOTT – Vai se arrepender de tê-la feito.

MUYLAERT – Posso começar?

[Muylaert segura uma pequena serra, pronta para começar a cortar o braço anestesiado de Liz. Scott o encara]

SCOTT – Não. Obrigado pela boa vontade, doutor. Mas Liz tomou outra decisão.

MUYLAERT – Mesmo? Então bem-vinda ao...

HARRY – Ainda não. Liz, você não está completa. Tem chance de se despedir de sua família.

[Liz olha para Scott]

LIZ – Venha comigo.

SCOTT – O quê?

LIZ – Venha comigo ver a minha mãe.

SCOTT – Não, Liz, eu não posso.

LIZ – Ela é boa com segredos. É sua última chance de vê-la pela última vez.

[Scott olha para Harry, que dá de ombros. Em seguida, olha novamente para Liz]

SCOTT – Você é mesmo igual a ela. Teimosa. Corajosa. E muito linda.

[Liz sorri]

LIZ – Vamos?

[Scott revira os olhos]

SCOTT – Vamos.

5 EXT. IGREJA EASTGLORY, NOITE 5

MARISA – Onde esteve, menina? E que luva é essa?

LIZ – Não posso explicar aqui. Venha comigo, rápido.

[Liz conduz Marisa para a frente da Igreja, onde não há ninguém]

LIZ – Não vou fazer rodeios.

[Liz tira a luva. Marisa se espanta]

MARISA – Pelo amor de Deus, Liz, o que é isso?

LIZ – É complicado. Eu fui atacada por zumbis, e eles me morderam. Estou me transformando agora.

MARISA – De novo essa história de zumbi?

LIZ – Quer prova melhor do que minha mão apodrecendo? Eu estou dizendo a verdade.

MARISA – Isso... É impossível.

LIZ - Eu vim me despedir de você. Estou indo para o cemitério. Você não pode contar isso a ninguém.

MARISA – Filha... Ah, céus, por quê?

LIZ – Mãe, pare de se lamentar, por favor. Eu vou voltar e me despedir de Andy e Sam. Mas não direi a eles. E você também não. Eu sei que é muito para entender agora, mas... Tenho que ser rápida. Logo, essa luva não será suficiente. Você me entende, mãe?

MARISA – Eu.. Entendo. Embora seja difícil.

LIZ – Isso é ótimo. Enquanto eu me despeço deles, alguém deseja ver você.

MARISA – Alguém quer me ver? Quer dizer... Alguém como você?

LIZ – Alguém como o que vou me tornar. Acho que é fácil de deduzir. Ele está te esperando lá dentro.

[Liz aponta para a Igreja. Marisa abraça Liz e vai até a porta entreaberta. Scott está de costas no altar. Marisa anda com passos lentos até ele]

MARISA – Scott?

[Scott se vira, segurando uma flor do cemitério. Ele sorri, Marisa corresponde]

SCOTT – Há quanto tempo, minha menina.

[Scott desce os degraus. Marisa anda mais um pouco]

MARISA – É você mesmo?

SCOTT – Sim. Desculpe-me por tê-la abandonado.

MARISA – Não foi culpa sua. Eu nunca o culpei por nada.

[Eles chegam perto um do outro. Scott entrega a flor, e Marisa aceita]

MARISA – Passei tanto tempo pensando no que diria se pudesse. E agora nem sei o que dizer.

SCOTT – Mas eu sei. Eu nunca deixei de te amar, minha querida. Mas você seguiu em frente com sua vida. E agora, tem três filhos lindos.

MARISA – Me desculpe.

SCOTT – Não se desculpe. Você agiu como deveria agir. É assim que as coisas funcionam.

MARISA – Eu segui minha vida, mas nunca te esqueci, Scott.

SCOTT – Eu sei disso. Eu sei. A morte separou nossos caminhos. Mas eles partiram do mesmo ponto. Somos eternamente ligados um ao outro, apesar de tudo.

MARISA – Isso.

SCOTT – Queria ter tempo para conversar mais, meu anjo. Mas tenho que ir agora. Adeus.

[Scott passa por Marisa]

MARISA – Scott.

[Ele para]

SCOTT – O que foi?

MARISA – O que houve com Liz?

SCOTT – Ela foi atacada. Eu a ajudei a escapar.

MARISA – Obrigada.

[Scott sorri]

SCOTT – Eu é que agradeço.

MARISA – Pelo quê?

SCOTT (Andando) – Por tudo que vivemos. [Pausa. Scott chega na porta] Até breve, Marisa.

MARISA – Até.

6 EXT. CEMITÉRIO PEACELAND, NOITE 6

SCOTT – Agora sim. Senhorita Liz, bem-vinda ao Cemitério Peaceland.


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