Café e Flores escrita por Nyuu D


Capítulo 1
único




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Ela era tão misteriosa.

Ace gostava de mistério. Ou achava que gostava. Talvez ele apenas gostasse do mistério que ela carrega. Ela, em especial.

Ela estava sempre naquele bar. Claro que estava— trabalhava lá, afinal. Dentro do bar. Mexia com as bebidas e servia os clientes. Ela brincava com as garrafas, fazendo malabarismos delicados e sempre tinha um sorriso misterioso nos lábios enquanto agitava as bebidas no alto.

E lá estava o mistério novamente.

Ace passou a ir ainda mais frequentemente naquele lugar, só para poder vê-la. Sequer sabia o nome daquela mulher. Talvez estivesse ficando obcecado demais com a ideia de conhecê-la. Vai saber qual o caráter dela?

– Nico Robin – ela respondeu quando lhe entregou a bebida. Mas não perguntou o nome dele.

– Portgas D. Ace – disse mesmo assim.

Robin deu uma risadinha e voltou a concentrar-se na mistura. Ace perguntou-se o porquê daquele riso, mas manteve a dúvida para si mesmo.

Será que ela já havia guardado seu rosto? Ace estava lá o tempo todo, afinal, mas talvez fosse difícil de lembrar. Havia tantos clientes que passavam por lá – e certamente muitos que a olhavam com outros olhos. Mas os olhos dele eram diferentes para com ela. Estava realmente interessado. Deus, que confusão. Até os pensamentos do rapaz estavam tornando-se misteriosos.

– Que horas você sai?

– Quando fechar – ela entregou uma bebida colorida para um homem ao lado dele. – E você?

– Quando fechar.

Robin sorriu e seus lindos cabelos negros moveram-se graciosamente. Ace achava ridículo como ela era tão alta, voluptuosa e tinha uma sensualidade carregada de... Mistério.

E lá estava ele novamente.

Ace queria saber a cor dos olhos dela, mas com aquela luminosidade era impossível. Deviam ser escuros, como os cabelos, ou o tom de pele bronzeado. Sim, olhos escuros combinam com o mistério.

– Não tem cara de bartender – disse de repente, um sorriso erguendo suas maçãs do rosto sardentas.

– Hum?

– Você.

– Eu não tenho cara de bartender? – Ele confirmou. – Bem – Robin atirou uma garrafa para cima, que rodou no ar e voltou à sua mão. – Eu trabalho aqui porque isso me sustenta. Eu estudo História.

Era mais uma informação para resolver o mistério que era aquela mulher.

Será que ela era solitária? “Me sustenta”, ela havia dito. Não havia alguém que fizesse isso por ela? Por Deus, uma mulher como aquela... Ace faria o impossível para sustentá-la.

Talvez esse fato tenha a ver com o tal mistério. E a vontade dele em resolvê-lo.

– Historiadores não ganham muito no início, mas somos felizes. – Ela chamou-lhe a atenção. Ace pensou que ela estava tentando criar algum vínculo. Não parecia muito o tipo que fala de sua vida. Robin ainda tinha aquele sorriso em seu rosto enquanto misturava as bebidas distraidamente.

Ace bebeu mais. Queria vê-la preparar os drinks. Ela não parecia se divertir, mas divertia a todos.

Ia preparando as bebidas e Ace apenas a olhava. Havia outras pessoas trabalhando no bar, mas ele só pedia as coisas a ela. Ela mesma parecia estar se divertindo com a forma como ele ia deixando claro que só tinha um interesse, e atendia pelo nome de Nico Robin.

Ace foi bebendo mais e mais até acabar dormindo debruçado no balcão.

Só foi acordar quando uma mão tocou-lhe o ombro. Virou a cabeça rapidamente, e percebeu que as luzes do lugar estavam todas acesas. Então seus olhos encontraram os orbes azul-escuros de Nico Robin, e seu sorriso fechado enigmático.

Ele sabia que aqueles olhos eram escuros! Aquele brilho azulado era um detalhe muito atraente.

– Ace-san – ela disse com sua voz macia. Era muito mais nítida agora, sem todo aquele barulho e agito do bar. Era tão perfeita, ele quase podia sentir o tom acariciar-lhe o rosto. Ace virou-se por completo para ela no banco, visto que a morena havia se postado atrás dele. – Você dormiu. Ficou até fechar mesmo. – Sorriu.

– Por que não me acordaram antes? – Bocejou, coçando o olho. Nem imaginava por quanto tempo havia dormido.

– Até tentaram, mas ninguém conseguiu – riu baixinho. Ela tinha razão, ninguém conseguiria. Ace se lembrou disso agora que pensou melhor no que perguntou. – Só eu, agora que tentei, mas também achei que ia falhar.

Era incrível. Ninguém conseguia acordar Ace. Ninguém. Só ele mesmo, quando queria. E talvez seu avô, quando lhe dava uns cascudos. Mas Robin o havia despertado só por ter lhe tocado. Aquilo era verdade mesmo? Seria seu subconsciente dizendo que a mulher estava o chamando a atenção, de alguma forma? Ergueu as sobrancelhas, impressionado. Respirou fundo.

– Obrigado, Robin – bocejou novamente.

Robin ia se afastando e Ace ficou olhando para a mulher, enquanto ela caminhava para a saída.

Aquele corpo era tão perfeitamente marcado e lindo, com curvas precisas e pernas perfeitas atrás da meia arrastão preta, com botas pretas de salto. Ele estava tão absorto com aquela visão que quase a deixou ir embora sem ele. – Robin! – Chamou rapidamente.

A mulher virou-se com uma expressão serena. Ace correu na direção dela e percebeu que havia a diferença de alguns centímetros entre eles e ela era mais alta. Sem falar que estava de salto alto, e isso a fazia olhar um tantinho para baixo para encará-lo.

Sentiu-se esquisito, mas não viu um problema muito grande nisso.

– Aonde vai agora?

Ela piscou os olhos e curvou os lábios num sorriso pequeno. – E você?

Ace franziu as sobrancelhas. – Não sei.

Robin deu uma risadinha. – Que bom. Sugiro que pague o bar antes de sair – ela indicou um dos seguranças enormes que se postavam na saída. – É o mais correto a fazer, né, Ace-san?

Ele estava pensando em sair sem pagar, mas diante daquela frase, ele não poderia negar. Suspirou ruidosamente e coçou o alto da cabeça morena, olhando para a mulher com um sorriso constrangido nos lábios. – Sim, tem razão.

A expressão da mulher retomou a serenidade e ela virou-se de costas, encaminhando-se para a saída. Ace queria pedir a ela para que esperasse, mas de nada adiantaria. Suspirou. Era melhor pagar e ir embora logo.

---

E lá estava ele novamente.

– Não tem uma folga? – Ele indagou, sentado de qualquer jeito no banquinho.

– Tenho sim. – Sorriu Robin enquanto preparava um combinado que envolvia rum. – Quando preciso ir ao banheiro. – Completou com um humor estranho e Ace soltou os ombros, derrotado.

– Quer ir no banheiro agora? – Ace apoiou o queixo na mão e fez um bico.

Robin riu. – Agora não, mas daqui a pouco sim. – Fez uma pausa. – Assim que eu terminar isso aqui. – Indicou com o polegar. As mãos dela eram lindas. Os dedos finos e delicados, de unhas não muito compridas, mas salientes e quadradas, pintadas num tom de roxo escuro.

Cada detalhe dela era fantástico.

Ela entregou a bebida a uma moça, limpou as mãos numa toalhinha e olhou para Ace. – Vou ao banheiro agora.

Ele bateu as mãos. – Ótimo! – Saltou do banquinho. Robin deu um pequeno sorriso e saiu de dentro do “quiosque” onde estava. Caminhou pelo bar e Ace foi logo atrás dela, mas a uma distância não muito próxima para evitar constrangimentos. Ele sabia que estava ansioso, mas não era para tanto.

Hoje ela estava sem salto. Havia combinado o justo vestido do uniforme de bartender com uma sapatilha. Ele se perguntou se havia sido por causa dele...

Robin apressou o passo para o banheiro, entrou lá e a porta sacolejou e parou fechada bem na cara dele.

Ace olhou indignado para a bonequinha na porta que indicava ser o banheiro feminino. Colocou as mãos no flanco e ficou parado ali feito um poste enquanto ela não saía. Imaginou que ela devia estar rindo para si mesma olhando no espelho.

Algumas mulheres pediam licença para ele a fim de entrarem no banheiro e ainda soltavam uns desaforos, afinal, que tipo de idiota ficaria parado na frente da porta do banheiro feminino daquela maneira?

Depois de alguns minutos, Robin puxou a porta e olhou para Ace, que permanecia ali.

Deu um sorriso.

– Já foi ao banheiro? – Perguntou ele com um bico de irritação.

– Já... Obrigada por me acompanhar – riu ela.

– Não está falando sério – Ace sacudiu a cabeça em negação. – Sua ida ao banheiro vai se estender um pouco mais.

Ela caminhou um tantinho, deu a volta nele e fez com que ambos liberassem a passagem pela porta do banheiro feminino. Ace a seguiu e eles pararam no corredor. Ele sentiu-se melhor por não estar tão menor que ela.

– Que quer de mim, Ace-san?

– Quero te conhecer. Só isso.

– “Só?” – Indagou Robin, erguendo levemente as sobrancelhas.

– Sim. Quero que me dê essa oportunidade.

– Você já me conhece – ela retrucou.

– Não como eu quero conhecer.

– Receio que isso não seja possível – Robin disse num tom de polidez que deixou sua face mais séria do que antes. Ace franziu as sobrancelhas.

– Não me leve a mal, Robin. – Ele disse educadamente.

A mulher manteve sua expressão no rosto e ela logo ficou serena. Ace sentiu seu corpo relaxar quando ela deixou escapar um pequeno sorriso.

– Vou ter a oportunidade?

Robin respirou fundo, curvou o canto dos lábios, virou as costas e caminhou de volta para o bar.

Ace tomaria isso como um sim.

---

– Por que decidiu fazer História?

– Eu me interesso pelo passado. É impossível esperar pelo futuro ignorando o passado. – Dizia enquanto limpava a pia do bar com um pano branco. Ace estava debruçado no balcão, com um copo de alguma bebida qualquer, girando o canudo enquanto olhava fixamente para ela. – Eu valorizo muito isso. É meu sonho. Quero saber tudo sobre o passado.

Ele a olhou encantado.

Como poderia existir tal criatura? Linda e inteligente. Ela tinha que ter algum defeito. Não que ele quisesse saber, agora. Mas perguntava-se se havia um.

Era mais um mistério. Ace sorriu, e ela sorriu de volta.

– Que interessante – disse ele. – Não estou sendo irônico – completou em seguida quando ela o olhou por alguns instantes. A morena mexeu a cabeça.

Hoje, ela estava com parte do cabelo preso na parte de trás e mechas rebelavam-se na parte da frente.

– Você não faz nada, Ace-san?

– Como assim?

– Não trabalha? – Ela virou o rosto para atender uma pessoa que havia feito um pedido e ele aguardou até que começasse a preparar.

– Eu trabalho durante o dia.

– Você não dorme? – Riu baixinho.

– Sim, muito, durante o expediente – Ace gargalhou e Robin riu novamente, sacudindo de leve a cabeça.

– E o que você faz?

Ah. Ele achou que ela não perguntaria. Por um momento, ela ponderou a possibilidade. – Eu sou estudante de arquitetura e trabalho com isso, também – explicou. Robin mexeu as sobrancelhas, parecendo impressionada e interessada no assunto.

Houve um tempo em que eles ficaram em silêncio.

Ou mais ou menos, visto que Robin tinha que atender diversos clientes e para isso, por vezes, tinha que falar com eles. Ace não conversava com qualquer uma das pessoas que eventualmente paravam ao lado dele. Ele não tirava o traseiro daquele banquinho; estava começando a virar lugar marcado.

Havia momentos em que eles ficavam assim. Robin trabalhava e Ace apenas a observava.

Não a conhecia muito, ainda. Sabia que ela gostava de história, de café e livros. Um dia ela o disse que poderia passar horas lendo, e já havia relido algumas obras mais de duas vezes, por serem suas favoritas.

“Os livros me fazem companhia”, ela disse, na ocasião. “Minha casa é forrada deles.”

Ace pegou-se pensando se um dia conheceria a casa dela, lembrando daquela revelação. E se ela era tão sozinha assim.

Ele certamente amaria fazer companhia para ela. Mesmo que fosse apenas para ficar assim, como estava naquele momento. Só olhando para a imagem de Robin enquanto ela fazia qualquer coisa.

– Será que eu posso pagar um café pra você? – Perguntou de repente, após os longos minutos sem conversar.

– Não vendemos café aqui – disse com um tom divertido.

– Eu sei, mas digo, antes do seu expediente.

Robin mexeu as belas íris azul-escuras na direção de Ace visto que antes estava olhando para a bebida que misturava. O rapaz ajeitou-se na cadeira, com uma expectativa muito alta. Não sabia se o convite era válido.

Sabia que o mistério estava naquele bar. Era o vínculo deles.

Mas ele queria tanto vê-la fora dali. Passar umas horinhas com ela, tendo a atenção de Robin toda para si.

– Hum, parece bom.

Ace poderia dar socos no ar, mas conteve os ímpetos. Era melhor.

De repente bateu um sono...

---

– Quero um café preto sem açúcar, por favor – pediu Robin com sua voz doce. Ace havia acabado de sair do trabalho e foi encontrá-la numa confeitaria no centro da cidade. Ele estreitou os olhos. Café sem açúcar era horrível.

– Pode ser um suco de limão pra mim – pediu ele. – Mas traga bastante açúcar – completou em seguida, sorrindo para a mulher que os atendeu.

Voltou sua atenção para a morena à sua frente.

Robin estava apoiada no encosto da cadeira, com os braços cruzados abaixo dos seios. Uma das pernas cruzada sobre a outra, e o pé balançava num movimento suave. Era tão... Tão linda.

Ela baixou a cabeça para olhar seu próprio colo e os cabelos negros escorregaram pelo ombro.

Ace apoiou o cotovelo com displicência na mesa e ficou observando Robin com seus olhos escuros e pequenos. Ela o olhou e sorriu, refletindo num sorriso dele.

Era muito melhor olhar para ela quando estava num ambiente mais iluminado. Conseguia vê-la com perfeição.

– Prefiro sabores amargos – ela disse de repente, curvando um pouco as costas. Apoiou o cotovelo na mesa e o queixo nos nós dos dedos, num gesto delicado e interessado, os olhos percorrendo o rosto de Ace atentamente.

O mistério ia aos poucos se dissipando.

– Por quê?

– São mais realistas. – Robin voltou a encostar-se à cadeira e mudou o curso do olhar. – Gosto de apreciar os sabores doces apenas em momentos onde me sinto da mesma forma.

– Você pediu café sem açúcar – observou o rapaz. – Não se sente bem agora?

Robin não respondeu. Pelo jeito ela gostava de manter o mistério. Ou talvez a pergunta tenha sido mal colocada, Ace não sabia. Mas o assunto morreu ali.

O suco e o café chegaram. O rapaz pegou o açucareiro e derrubou vários cubinhos de açúcar lá dentro, mexendo em seguida com o canudo. Robin apenas pegou a xícara e bebeu um gole.

– Me diz algum momento em que você sentiu vontade de comer um doce? – Perguntou ele sem pressa, a fim de fazê-la entender que poderia optar por não responder aquela pergunta. Robin certamente compreendeu. Ela ficou em silêncio por alguns instantes e Ace cogitou a possibilidade de ela ter escolhido omitir aquela resposta, mas de repente, ela começou a falar.

– No dia em que fui pedida em casamento.

Os olhos do rapaz abriram-se um tanto além do normal.

– V-você é casada?

– Não – ela respondeu com um risinho. – Eu não cheguei a casar. Nos separamos antes.

– Por quê?

Robin piscou os olhos com ceticismo. – Ele me trocou por um homem.

O queixo de Ace caiu. – Tá brincando?!

– Não – a morena passou os dedos pelas mechas escuras do lado esquerdo da cabeça. – Ele realmente me trocou por um homem.

– Quem em sã consciência faria algo do tipo?

Ela mexeu os ombros como quem não sabe e Ace tapou a boca com o intuito de fechá-la de uma vez por todas. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Como alguém tinha coragem de trocar uma criatura magnífica como Nico Robin por um... Homem?! O rapaz ficava atordoado só de tentar digerir aquela informação.

– Então eu fiquei com vontade de mastigar grãos de café – completou Robin com uma risadinha de conformação. Ace meneou a cabeça, ainda sem acreditar.

Perguntou-se se ela havia ficado ainda mais solitária depois disso. Ou se já era assim antes. Quem seria esse homem que tivera o poder de conquistar seu coração?

Ele havia conquistado mesmo, ou ela estava com ele por conveniência?

Eram tantas perguntas sem respostas.

Ace queria saber tudo. Tudo.

Então aos poucos foi perguntando. E ela lhe contou, em curtas palavras, que até gostava do rapaz com quem ia casar, mas o relacionamento deles começou a ficar distante demais... Até ela ficar sabendo do outro homem com quem ele havia se envolvido. Então tudo acabou. Sem drama e cena.

Robin não parecia o tipo de mulher que implorava e chorava. Ela tinha uma expressão tão impassível e controlada...

Ele ficou admirado com a força daquela mulher. Ela sequer suspirava ao lembrar, embora tenha brincado que sentiu vontade de mastigar café.

Perguntou-se se os lábios dela tinham gosto de café.

---

– Olá, Ace-san – ela curvou os lábios. – O que vai querer hoje?

– O que quiser preparar, Robin. – Ace sentou-se num banquinho que não era o seu costumeiro porque aquele estava ocupado. Ajeitou-se e ficou observando Robin atirar as garrafas para cima enquanto despejava conteúdos coloridos no misturador.

– Sabe – começou a mulher enquanto sacudia o misturador. – Hoje eu saio mais cedo.

O rapaz se mexeu no banco e debruçou o corpo sobre o balcão. – Vai? – Ela confirmou com a cabeça. – Então hoje eu saio mais cedo também.

Ela riu.

Aquela noite no bar não rendeu conversas. Ace passou a maior parte do tempo calado, observando-a enquanto bebia o que ela lhe preparava eventualmente.

A madrugada já estava presente há algum tempo, mas o bar estava longe de fechar. Entretanto, Robin já havia encerrado o expediente e outra pessoa foi substituí-la naquela noite. Ele perguntou-se o motivo para isso, mas não quis questioná-la.

Ela novamente não estava de saltos.

Caminharam lado a lado pela calçada enquanto dirigiam-se até um ponto de táxi que havia a umas quadras dali. Ace não dirigia quando bebia e Robin havia ido de carona para o trabalho naquela noite.

Parecia que era tudo cuidadosamente premeditado.

– Para onde vamos? – Perguntou Ace quando Robin dirigia-se para abrir a porta traseira do automóvel.

– Não sei, tem alguma sugestão? – Ela sorriu.

– Hum...

Ela apoiou-se com o cotovelo na lataria do carro e olhou para ele serenamente. – Quer conhecer minha casa?

Ace ergueu as sobrancelhas. – Achei que isso estava fora de cogitação.

– Estou te convidando para conhecer minha casa – ela disse com a sobrancelha franzida. – Não pense o que quiser.

– Não pensei – ele ergueu a mão inocentando-se. Robin o encarou, estreitando os olhos. Ele sorriu e a morena afastou-se do táxi, abriu a porta e entrou lá. Deixou a porta aberta e Ace entrou em seguida.

Eles se encararam e Robin deu um sorriso pequenino. E então deu as coordenadas para o taxista.

E eles fizeram o caminho em silêncio.

---

Robin empurrou a porta do apartamento e só de espiar pelo lado, Ace via que não era muito grande.

– Hum – ele cheirou o ar quando entrou na sala. – Cheira a café.

Ela deu uma risadinha. – Eu deixo grãos de café num pote – apontou o vidro na estante, que por acaso estava abarrotada de tantos livros. – Para ficar o cheiro. Eu adoro cheiro de café. – Completou enquanto fechava a porta. Ace percebeu que a casa não só cheirava a café, mas tinha um aroma floral gostoso. Não daqueles enjoativos. Era apenas... Um cheiro muito agradável.

– Está com fome, Ace-san?

– Não – ele respondeu com um sorriso. – Mas eu adoraria experimentar seu café.

Robin curvou os lábios e deu alguns passos na direção da cozinha. Ace permaneceu olhando os infinitos livros que se amontoavam na estante, e só depois disso que a seguiu para o outro cômodo.

Ficou de pé na frente da geladeira, observando-a pegar o café e o coador para fazer a bebida à moda antiga. Quer dizer, sem usar cafeteira.

Eles ficaram em silêncio e logo o cheiro de café inundava a casa ainda mais. Ace cheirou o ar e fez um som prazeroso com a garganta. Robin espiou por cima do ombro e voltou o olhar para frente, despejando o café numa garrafa térmica. Eles sentaram-se na pequena mesa de dois lugares do cômodo, que ficava grudada na parede. Havia uma bandeja pequena e redonda no centro do móvel, com louça limpa, açúcar e leite em pó.

A morena serviu uma xícara de café para ele. Ace jogou umas colheradas de açúcar. Robin sentou-se na cadeira diante dele e colocou café na própria xícara.

E então ela pôs duas colheres de açúcar na bebida.

As sobrancelhas do rapaz ergueram-se consideravelmente enquanto ela mexia o café, despreocupada.

– Ficou com vontade de doce? – Ace perguntou de repente e Robin ergueu os olhos azul-escuros para ele.

Ela franziu a sobrancelha como se nem tivesse percebido o que estava fazendo. – Oh... Ah. Sim, fiquei – ela apertou os lábios, e ele pôde perceber que era para conter um sorriso.

Já Ace nem evitou um largo sorriso que mais uma vez ergueu suas maçãs do rosto sardentas.

Todo o mistério de repente parecia clarear muito. Ele havia cativado aquela mulher. E não podia estar mais contente consigo mesmo por isso. Manteve um sorriso abestalhado no rosto e levou a xícara à boca, assoprando um pouco e bebericando com um barulho borbulhante.

– Você tem alguma namorada, Ace-san?

Ele riu como se fosse óbvio. – Não.

Devia ter sido. Ele não insistiria tanto nela caso tivesse uma namorada. Ou ao menos esse era o senso-comum.

Robin pousou a xícara no pires e pôs-se a olhar para ele com seus trejeitos extremamente femininos e delicados. Ace retribuiu o olhar ao passo em que apoiou os cotovelos na mesa, cruzando os braços sobre o móvel.

– Por que tudo isso, Ace-san?

– Isso o quê?

– Isso. – Ela mexeu os ombros de leve. – Você estar sempre no bar, sentado por ali... Me perguntando coisas.

– Porque você me instiga. – Respondeu imediatamente. – E não é fácil isso acontecer.

– Me sinto lisonjeada. – Robin falou num tom divertido, mas não pareceu estar sendo irônica. Ace sorriu e terminou o café. Era uma delícia mesmo. A morena bebia o último gole quando o moreno levantou-se para pôr a xícara na pia e começar a revirar as coisas displicentemente para lavar a louça. – Não precisa se preocupar com isso Ace-san, tem uma máquina de lavar louça ali embaixo – ela indicou com o dedo. – Além do mais, não é educado fazer uma visita limpar as coisas.

O rapaz acabou por deixar a louça de lado na pia.

Moveu-se pela cozinha e deu alguns passos, parando de pé ao lado da cadeira dela. Apoiou-se no encosto da cadeira e na beiradinha da mesa, encurralando-a sentada. Curvou um pouco as costas.

Robin ergueu o olhar e o encarou com uma expressão impassível, como se ele sequer estivesse tão perto.

Ela fez um trejeito dos lábios quando Ace mexeu a cabeça para aproximar-se da dela.

A morena virou o rosto pouquíssimos centímetros e isso o fez roçar o rosto no dela e chegar com os lábios perto de seu ouvido, sendo que seu nariz foi completamente mergulhado naqueles cabelos.

Agora ele percebia que o cheiro de flores não vinha da casa, mas dela.

Ficou quase tonto com aquela sensação e ergueu-se rapidamente, respirando fundo. Robin deu uma risadinha e encolheu um dos ombros, empilhando a louça que havia usado.

– Com licença, Ace-san? – Ela pediu educadamente e Ace afastou-se, escorando-se na mesa.

Ela pôs-se em pé e pôs as coisas dentro da pia. Em seguida, girou nos calcanhares e apoiou o bumbum no balcão.

Robin tinha uma rasteira nos pés e as longas pernas estavam expostas, visto que ainda estava com o uniforme do bar. Eles se encararam por longos instantes até a morena cruzar os braços no abdômen e apertar os lábios um contra o outro antes de soltar uma risadinha.

– Você é um rapaz muito interessante – disse. – Me pergunto o que se passa na sua cabeça.

– Que quer dizer?

– Seu interesse por mim – ela continuou num tom de humildade. Ace percebeu que ela parecia não muito confortável com o assunto. Ou crente no que ele realmente esperava dela, ou quais eram suas intenções e pensamentos a respeito da mulher. – Não entendo.

O rapaz não conseguiu entender como ela falava naquele tom. Como não entender um interesse tão óbvio? Quem não se interessaria por ela?

– Não entendo como você não entende – respondeu com um sorriso esperto. Robin não mudou sua expressão; aparentemente estava falando sério mesmo. Mas ele não podia opinar realmente, quer dizer, se ela não entendia, devia haver um motivo. Porém, Ace não sabia qual era esse motivo.

Talvez viesse a saber um dia, mas o mistério continuava. E ele que achou que estava começando a decifrá-la.

– Existe uma escuridão no meu coração que você não compreenderia.

Ace emudeceu.

---

Decifra-me ou te devoro.

Ace começava a pensar que aquela frase se aplicava a Robin de uma forma diferente da Esfinge.

Robin não o devoraria realmente. Mas ele acabaria sendo devorado e engolido por sua própria obsessão em desvendá-la. Compreender o que aquela mulher carregava no peito. Que tipo de escuridão habitaria aquele coração.

Bateu na porta dela e escondeu as mãos atrás das costas. Segunda-feira o bar não abriria e ele não poderia vê-la. Então decidiu visitá-la.

Ela abriu a porta e seu corpo estava coberto por roupas folgadas e confortáveis, mas que não a deixavam perder a feminilidade e aquela beleza estonteante; Ace perdeu o fôlego por um segundo ao olhar para ela.

– Ace-san – ela olhou, surpresa, para ele. – O que faz aqui?

– Encontrei isso – Ace tirou as mãos de trás do corpo e estendeu a ela um ramo de cerejeira que havia roubado em uma árvore no parque da cidade. – E quis trazer a você.

Os olhos azul-escuros da mulher piscaram rapidamente, como se ela mal acreditasse no que estava vendo. O rapaz achou engraçado visto que era somente um ramo de cerejeira – bem florido, é verdade –, mas era algo simplório. Simples demais para alguém tão complexa como ela.

Mas era o que ele havia achado que o fazia lembrar-se dela. E do cheiro que ela tinha.

– Isso foi muito doce, Ace-san – ela disse baixinho, abrindo espaço para que ele entrasse. – Obrigada.

Ace entrou no apartamento dela e esperou que ela fechasse a porta. A cabeça morena estava baixa enquanto ela olhava o ramo de cerejeira preso em suas mãos.

– O que houve, Robin? – Franziu as sobrancelhas. Os olhos dela haviam sido ocultados pela franja, dado a forma como havia baixado o rosto.

Ele aproximou-se e tocou o ombro dela com a mão, sentindo uma corrente elétrica violenta arrepiar todo e qualquer ínfimo canto de sua pele.

– Eu nunca... – Ela iniciou com a voz embargada. – Havia recebido flores antes.

Como é?

– Você? – Perguntou com um tom descrente. – Como isso é possível?

Ela deu uma risadinha sem humor. – Você acredita que seja impossível eu jamais ter recebido flores apenas por eu ser bonita – concluiu a morena com um suspiro, erguendo o rosto finalmente para Ace e só então ele viu que os olhos azul-escuros marejavam e adquiriam um tom mais claro. – Mas quando alguém não quer receber flores, Ace-san, ninguém dá.

Ele franziu as sobrancelhas novamente.

– O que eu quero dizer é que você ignorou o fato de eu não te dar muitas aberturas e me trouxe uma flor mesmo assim. – Suspirou, abrindo um pequeno sorriso. – Eu acabei ficando curiosa com até onde você iria sem receber uma brecha de volta.

Ele realmente havia passado muitos e muitos dias indo para o bar apenas para ficar perto dela.

– Por isso eu não entendo. – Continuou. – O que eu posso ter de especial que—

A fala de Robin foi interrompida pelos lábios do rapaz, que suavemente tocou-os nos dela. Abraçou-a fracamente pela cintura. Ele sentiu o úmido da lágrima que escapou dos olhos dela escorrer pela bochecha e tocar seus próprios lábios assim que as bocas se juntaram.

Os olhos ainda estavam abertos e eles se olhavam muito de perto.

Ace percebeu que a cor azulada das íris de Robin havia ficado leitosa como se ele pudesse mergulhar lá dentro.

Só então é que fechou os olhos e deixou-se mergulhar.

O beijo ainda estava de lábios fechados, mas para ele era a coisa mais importante que já havia acontecido entre eles. Porque Robin havia esboçado reações que jamais, em todas essas semanas, deixou transparecer.

Por um simples gesto. Bobo até.

Aquele ramo de flores que ele roubou do parque.

Ace não fazia ideia de como as pessoas poderiam se comover com algo tão singelo. Ou melhor— que Nico Robin poderia comover-se com algo tão singelo, sendo que sua existência era tão magnífica.

Só então a morena passou os braços em torno do pescoço do rapaz. E então deixaram que as línguas se encontrassem no beijo, mas não deixou que eles perdessem o controle do que estavam fazendo. Ace não a estava apertando contra si com violência. Apenas a segurava gentilmente. E Robin parecia temer encostar muito os braços nele.

Ainda havia muitas coisas às quais ele tinha que decifrar. Era verdade.

Quando se afastaram, Ace ergueu a mão e tocou o rosto dela, passando o polegar pela bochecha que tinha uma marca da lágrima que escapou.

– Eu só quero estar ao seu lado. – Ele disse num tom despreocupado. – Não conheço sua escuridão – ele começou com a voz baixa. – E se você não quiser, eu nunca precisarei conhecer.

Mas eu quero arrancar essa escuridão de você, foi o que ele pensou. Mas não completou. E se arrependeu na hora, mas não conseguiu corrigir. Um dia diria isso a ela, definitivamente diria.

E talvez ele até tivesse compreendido aquela escuridão e quem sabe até havia decifrado Nico Robin.

Era a solidão.

A primeira coisa que ele pensou quando começaram a conversar realmente. Que ela era sozinha. Ace não entendia por que ela era solitária, ou por que não tentava mudar esse quadro em sua vida... E não queria forçá-la a dizer.

É. Tinha (quase) certeza que a havia decifrado.

Agora conhecia o estado bruto do mistério, mas ainda não conseguira compreendê-lo perfeitamente. Quer dizer: por quê?

Isso viria com o tempo, talvez.

– Acho melhor que não conheça – apertou os lábios. – É melhor que fique assim. Como está.

– Parece perfeito. – Sorriu.

Os olhos de Robin mudaram de direção e ela olhou para o lado da cabeça dela. Ace espiou por cima do ombro e reparou que a mulher olhava o ramo de cerejeira que ainda estava em suas mãos.

– Ace-san – chamou ela, sem tirar os olhos da flor. Já o rapaz virou o rosto para olhá-la. – Vou passar um café para nós.

Ele suspirou com um sorriso, claramente feliz.

– Espero que você coloque bastante açúcar na sua xícara.

Robin riu, tocou-lhe o rosto com a mão delicada e, em seguida, quebrou todo o contato entre o corpo deles, virando-se de costas para ir à cozinha.

Ace demorou-se uns instantes na sala antes de segui-la.

Só conseguia pensar que todo seu sacrifício certamente havia sido a melhor escolha que ele fez em anos. E que ia acabar viciando em cafeína.

Mas isso não era importante. Já havia adquirido uma dependência psicológica por ela desde o início e a partir daquele momento – daquele beijo, por mais pueril que houvesse sido – ele estava oficialmente dependente fisicamente dela. De Nico Robin.

E esperava vê-la colocando açúcar em seu café com mais frequência, agora.


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