Meu nome é Beatrice Prior, tenho 14 anos e moro em Chicago. Nossa cidade é a única que restou após uma guerra que ocorreu há 100 anos. Hoje somos organizados através de facções, cinco para ser exata. Abnegação, Erudição, Franqueza, Amizade e Audácia. E de acordo com nossas facções somos rotulados caretas, sabichões, sem filtro, hippies ou loucos.


Moro em uma casa simples com meu pai Andrew, minha mãe Natalie e meu irmão gêmeo, Caleb. Aqui em casa não temos nenhum tipo de luxo, isso é um traço de egoísmo, o que não podemos ter de jeito nenhum. Vivemos apenas com o básico para sobreviver, sem vaidade ou conforto e nos dedicamos a ajudar o próximo, sejam as outras facções, quando precisam de algum trabalho que ninguém quer fazer. Ou os sem facção, aqueles que não conseguiram se encaixar em nenhum lugar ou que escolheram viver livres apesar da pobreza.


Eu nasci na Abnegação, mas isso só diz de onde eu venho e não quem eu sou, pois me sinto reprimida, limitada, presa. Não pertenço a esse lugar, mas também não me vejo em nenhuma outra facção, tenho vontade de ir além dos muros, saber se é verdade o que dizem, que não existe vida lá fora. Mas se não existe, por que a cerca?


Minha única alegria, a que não podem me tirar, por enquanto, é meu melhor amigo, Tobias, ele é filho de Marcus, líder da nossa facção e do conselho governante de nossa cidade. Nos conhecemos quando eu tinha 8 anos e ele 10, a mãe dele tinha acabado de falecer e eu estive no enterro com a minha família. Enquanto todos estavam velando o corpo, ele se escondeu atrás de um dos túmulos e eu o encontrei chorando baixinho suplicando pela volta da mãe. Senti imediatamente uma enorme vontade de consolá-lo e acho que meu único traço da Abnegação falou mais alto, o abracei e ele chorou muito, desde então nos tornamos muito amigos.


Crescemos juntos, ele, Caleb e eu. Estudando na mesma escola, Tobias sempre me fez companhia e até me defendia dos garotos eruditos que pegavam no meu pé, no nosso pé, apenas por sermos “caretas”. Brincávamos juntos quando nossos pais se reuniam, meu pai faz parte do conselho, ele ajuda o Marcus.


E assim se passaram 6 anos da minha vida. Eu cresci, Caleb e Tobias também. Nós nos fechamos um pouco com o passar do tempo, Caleb sempre quieto em seu quarto e Tobias passou a não vir muito a minha casa, não acompanhava mais o pai dele, não sei por que, mas ele parou de me contar as coisas, sei que ele me esconde algo, eu quase sempre o vejo sério na escola e quando eu consigo fugir e ir até a casa dele eu sempre o encontro com os olhos inchados, acho que ele ainda chora pela morte da mãe.


—Tobias! O que aconteceu? – Perguntei assim que entrei no seu quarto, ele estava sentado em sua cama encostado na parede, apoiando os braços nos joelhos.


—Beatrice o que você faz aqui?


—Eu vim saber o porquê você não foi à aula hoje. Você andou chorando de novo né?


—Não, eu só estou com sono.


—Sei – Ele sorriu. Me sentei ao seu lado e ficamos conversando sobre coisas bobas da escola.

Nossa facção não permite muita conversa, nem muita proximidade, mas eu não gosto de viver cheia de privações, por isso sempre que posso fujo até a casa do Tobias, fazemos isso há anos, ele também aparece em casa do nada quando quer conversar, ou pelo menos aparecia.


—Acho que esta na hora de você ir embora Beatrice.

—Está me expulsando já?

—Não, mas daqui a pouco meu pai vai chegar e não será bom ele te pegar aqui.


—Trancamos a porta né, como sempre fazemos – Eu disse sorrindo e ele torceu a boca.


—Acho melhor você ir mesmo.


—Está bem Tobias, pelo visto você resolveu que não quer mais minha amizade. Faz tempo que você esta estranho e eu estou tentando entender, mas se você quer me ver longe, que seja! – Saí brava, nem me preocupei se ia dar de cara com o Marcus ou não, só saí batendo a porta e sem tomar nenhum cuidado para não ser vista.

Cheguei em casa e meu pai estava descendo as escadas.


—Beatrice, está tudo bem? – Ele perguntou, provavelmente percebendo minha cara de poucos amigos, literalmente, por que Tobias e Caleb resolveram me ignorar agora.


—Estou bem pai, só estou com um pouco de dor de cabeça.


—Ah tudo bem. Temos um jantar na casa do Marcus hoje, suba para se arrumar.


—Pai, será que o senhor se importa se eu ficar? Gostaria de dormir cedo, eu não estou mesmo me sentindo bem – Não gostava de mentir para o meu pai, mas eu não queria ver o Tobias. Meu pai pareceu pensar e depois suavizou o rosto.


—Acho que não terá problemas filha, vou avisar a sua mãe, mas descanse, tome um copo de leite para não ficar com fome.


—Tudo bem pai – Ele me deu um beijo na testa e se afastou.

Quando estava chegando no meu quarto encontrei Caleb.


—Eu ouvi você e papai conversando, você não está com dor de cabeça. Brigou com o Tobias de novo não é?


—Caleb você não tem mais nada para fazer? – Ele sorriu.


—Tudo bem – Ele riu baixo – Bom descanso Beatrice.

Depois de tomar banho eu resolvi fazer meu dever de casa, mas não consegui me concentrar em muita coisa, só na minha irritação pela mudança repentina do Tobias e o afastamento dele.

Resolvi fazer algo que me relaxa. Subi no telhado para observar as estrelas. A noite estava bonita e a lua brilhava no céu, fazendo com que a noite ficasse iluminada.

Fechei meus olhos e inspirei o cheiro de terra molhada que vinha do gramado em frente a minha casa, era um cheiro de paz, puro. Me permiti sonhar, venho sonhando com o dia da minha escolha a muito tempo, o dia em que eu vou escolher qualquer facção, apenas para sair de casa e pensar em um jeito de sair fora da cerca, e ver se realmente estamos sozinhos.

Eu e Tobias planejamos isso por anos, pretendemos ir para a amizade, já que eles ficam fora da cerca ficará mais fácil para nós passarmos despercebidos, ou fugirmos. O pior é que a essa altura eu não sei se ele ainda vai querer fugir, meu melhor amigo agora está tão distante de mim.

Ouvi passos e quando me inclinei um pouco para olhar para baixo vi meus pais e Caleb voltando para casa, em silêncio como sempre. Me escondi para que não me vissem, esse costume de subir no telhado era algo que eu não queria que eles soubessem, certamente iriam me repreender por ser egoísta o suficiente para querer um tempo só meu.

Ainda bem que tranquei meu quarto antes de sair, assim eles vão pensar que eu já dormir. Resolvo ficar mais algum tempo e quando penso que já é o suficiente para eles terem dormido eu volto para o meu quarto, mas assim que entro levo o maior susto, Tobias está sentado em minha cama olhando para a janela. Ele arregala os olhos ao me ver entrar.


—O que você veio fazer aqui Tobias?


—Eu vim saber se você está bem. Seus pais disseram que você estava doente, por isso não foi ao jantar em minha casa.


—Eu estou bem, só quis facilitar para você, já que você não quer mais ser meu amigo.


—Não é isso Beatrice... Você não entende.


—Não entendo mesmo, você não me conta!


—Eu estou confuso é só isso, a cerimônia de escolha acontece em duas semanas e eu ainda não sei o que fazer.


—Claro que você sabe! Planejamos isso a muito tempo, você vai para a amizade e me espera lá, quando eu fizer minha escolha eu te encontro, enquanto isso você pensa em um jeito de sair despercebido, trama rotas de fuga e investiga se existe mais alguma coisa lá fora.


—Não sei se esse nosso plano vai dar certo, não sabemos o que esperar, podemos morrer de fome.


—Então é isso, você desistiu? Ok, você pode fazer como quiser, mas eu vou, daqui a dois anos eu vou embora, é minha vida, não vou continuar vivendo presa aqui – Senti raiva, as lágrimas já estavam molhando minhas bochechas. Como ele pode me deixar sozinha nessa?


—Calma Beatrice, vamos pensar em um jeito, não vou deixar você sozinha – Ele disse me abraçando forte – Você e eu – Ele se afastou encarando meu rosto –Sempre juntos, ok?

Apenas assenti com a cabeça e voltei a abraça-lo.