Coração de Porcelana escrita por Monique Góes


Capítulo 22
Capítulo 21 - Alphonsus


Notas iniciais do capítulo

Gente, eu tô bombardeando vocês com capítulos do Jim, não tô?
Desculpa, é que ele é muito importante pro futuro dos outros dois livros, então... :v
E esse capítulo com mais de 9.500 palavras? Ops XD
Só avisando, há nomes nórdicos nesse capítulo, só uma ajudinha para pronunciá-los:
Brynjar - BRIN-yahr
Niflheim - NIF-el-hame
E ao capítulo!



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Capítulo 21 - Alphonsus

Quando Jim saiu da capela, quase caiu para trás.

Só não soube dizer pelo quê: Pelo tamanho do terreno, ou pelo fato de ter esquecido que René mencionara a existência de empregados na casa. Não esperava dar de cara com um grupo de cinco mulheres uniformizadas em vestidos pretos de golas brancas e os cabelos bem presos. Elas travaram quando o viram, e ele também.

No segundo seguinte uma começou a gritar, largando seu balde. Outras duas a acompanharam, antes de saírem gritando “Bonaccorso!”. Das outras duas, uma parecia em um estado de choque, enquanto a outra parecia ter sido a única a manter alguma compostura. Em compensação, ela olhou direto em seus olhos, como se tentasse se certificar de algo.

Ela ficou bem pálida.

Uma vozinha em sua cabeça dizia “vamos, faça alguma coisa, deixe tudo escuro como você fez na capela!”, mas não conseguiu dizer nada quando olhou um pouco além e viu finalmente a casa do lado de fora.

Conseguia ver aquela como um dos cinco primeiros lugares de “a casa mais luxuosa” numa edição da Forbes. Sem qualquer brincadeira.

Da capela, que se encontrava um pouco elevada, dava para ter uma boa vista do resto do terreno, e Jim ficou se perguntando quantos hectares aquele local possuía. Via a casa imensa - quantos quartos ela possuía? –. Era um palácio de madeira e telhado azulado de três andares na parte frontal, cinco na de trás, estando de frente para um lago comprido, onde haviam cisnes nadando tranquilamente. De sua entrada saiam literalmente caminhos para todo o terreno: para a capela, uma ponte sobre o lago que dava a uma casa menor, a um bosque (!) ao lado da construção principal, girando em um semicírculo ao redor da água. Não havia também nenhum sinal de muros a vista, apenas árvores e um caminho asfaltado que o levava a crer que a casa era uma propriedade rural – claro, pelo tamanho – afastada até mesmo da rodovia mais próxima.

Ficou tanto tempo tentando absorver as coisas que uma das empregadas voltou com um mordomo.

Ele era um homem de estatura média, nariz aquilino e cabelo preto penteado para trás com as regiões de suas têmporas já grisalhas, barba bem aparada e o visual clássico de casaca preta e luvas brancas. Ele travou quando o viu, os olhos negros se arregalando.

Jim realmente não sabia o que fazer, nem o que dizer. Havia descoberto que era um príncipe há o quê? Duas horas? Agora ficavam aparecendo pessoas que ficavam o encarando como se esperassem que ele começasse a soltar fogo pelas ventas.

— Você é... Príncipe Raphael?

Nossa, aquilo era ainda mais estranho de se escutar do que apenas pensar.

— Er... É, sou eu. – respondeu. Não se sentia muito principesco estando descalço, usando jeans e um moletom há sabe-se lá quanto tempo. E o mordomo pareceu notar, pois o olhou de cima a baixo, novamente parando em seus olhos, mas não fez nenhuma objeção. Ele estava... Surpreso? Chocado? Emocionado? Não conseguia ler muito bem suas emoções.

— Pela graça de Enguerrand... – uma das empregadas murmurou, tapando a boca com a mão no momento em que o mordomo a olhou, mas mesmo ele não parecia saber o que fazer.

— Como... – ele olhou para a capela, e então de volta para a mansão. – Vossa Alteza, eu creio que é melhor irmos para dentro.

Vossa Alteza. Nossa. Não fez nenhuma objeção, mas acatou o pedido e o seguiu, enquanto parecia que as empregadas atrás de si se seguravam para não correr para algum outro lugar.

Agradeceu que os caminhos fossem de pedra, não cascalho. Na frente da casa havia um círculo entalhado na pedra, extremamente intricado, mas percebeu que era a espada que também estava entalhada em sua caixa.

Limpou os pés no tapete na frente da porta, e quase caiu para trás - de novo – quando o mordomo abriu a porta. Nem parecia mais a casa mal assombrada que fora jogado há... Dois dias? Mesmo que fosse apenas o hall de entrada, era de certa forma impressionante. O chão parecia um espelho, de tão polido. Parecia ter sido feito de um único pedaço de porcelanato, já que não era possível ver nenhuma divisória, e havia uma auréola que tomava todo recinto, a escada de corrimãos dourados ficava de costas para a porta, indo quase num giro para o andar superior, sua abertura em formato circular da qual pediam cinco lustres relativamente pequenos, no centro do teto do segundo andar pendendo um relativamente maior. As paredes eram de madeira, e havia cinco portas visíveis.

— Bonaccorso! – uma mulher de cabelos brancos puxados num coque saiu da segunda porta a esquerda em passos largos, usando uma blusa de botões branca e uma saia preta milimetricamente arrumada. – Chamei os diretores, parece que os delinquentes que invadiram eram...

A voz dela morreu quando viu Jim. Ótimo, mais uma para ficar o encarando.

— Delinquentes? Os outros adolescentes? – perguntou e Bonaccorso olhou-o surpreso.

— Os encontramos presos pela casa. Você veio com eles?

— Eles não invadiram, nós fomos arrastados para cá. – Os dois o encararam com uma expressão estranha. – Onde eles estão?

— Pela sabedoria de Alim, príncipe... – A mulher começou, mas o mordomo interrompeu sua frase emocionada.

— Eles estão presos em várias localizações pelo terreno, e precisamos de um Rockstone para soltá-los, por isso...

— Eu sou um Rockstone, eu posso fazer isso.

Sua voz saiu com uma firmeza que assustou até a si mesmo. O mordomo não fez objeção, e o guiou pela casa, enquanto a governanta – foi o que ela deu a entender ser – começou a questionar sobre onde ele esteve e sua situação, mas logo saíram de perto dela. Primeiro foram numa sala de alquimia onde havia um enorme quadro de sua avó – rainha Tempesta – que os levou para uma sala totalmente fechada, e com tanta luz que Jim sentiu os olhos claros doerem.

As armadilhas eram projetadas para neutralizar absolutamente os tipos de magia dos invasores. A luz parecia vir do teto, paredes e chão, aparentemente impossibilitando qualquer tipo de sombra. Já sabia que era Anastasiya Tenova que estava ali. Foi preciso só um pedido para que toda aquela luz fosse embora, mas a pobre garota teve que ser carregada para fora, totalmente grogue.

Bonaccorso depois o levou para uma sala sem nada também, onde havia dois rapazes. Jim primeiro reconheceu René porque, obviamente fora ele quem lhe dera toda aquela linda explicação sobre bruxos. Percebeu pouco depois que o outro rapaz era idêntico a ele. Gêmeos, maravilha. Nenhum dos dois parecia muito feliz, mas estavam bem melhores que Anastasiya.

Se ela estava numa sala totalmente iluminada, havia uma sala completamente escura onde estava Alasie. A garota estava quase tendo um ataque de nervos naquela escuridão.

Depois saíram. O lago cuspiu Akihito e Akihime para fora quando pediu, e os dois começaram a falar algo em japonês que pelo tom, Jim não precisou de nenhuma tradução para saber que eles estavam xingando – o quê, exatamente, não precisava saber. -, mas percebeu que o rapaz trazia o pescoço totalmente vermelho, como uma imensa queimadura de gelo.

Ameen e Victoria estavam no jardim. Ele, num enorme buraco no chão que trazia uma abertura para que ele pudesse respirar – além de seu alcance -, e ela estava numa gaiola de ferro bem longe de qualquer planta. A gaiola foi um tanto bruta, abrindo sua parte inferior e fazendo a garota despencar de cinco metros de altura, Ameen que conseguiu fazê-la levitar antes de bater no chão. Fingiu que não viu nada que não deveria com aquilo.

Quando voltaram para a mansão, Elysandra e Seth já estavam lá.

Elysandra era uma mulher alta e pálida, de cabelo preto que lhe caía liso, cacheando nas pontas como os de seu pai e olhos castanhos que ressaltavam a coroa dourada envolta de sua pupila. Usava um vestido comprido de cetim branco e estampas de rosas lilases e rosa que marcava a cintura quase bizarramente fina, como se houvesse usado corpete por tempo o suficiente para que seu corpo assumisse aquele formato. Mesmo totalmente arrumada e com uma maquiagem leve – mas caprichada -, ela estava com uma aparência cansada, como se houvesse passado a noite em claro. Talvez até mesmo meio verde, como se estivesse passando mal do estômago.

Seth era diferente. Também alto, ele era muito loiro. Seu cabelo quase parecia branco, e ele não era tão pálido quanto Jim ou Elysandra – talvez porque percebesse que ficaria desagradavelmente branco -, na verdade, sua pele era de um tom saudável, até ligeiramente bronzeado, porém suas feições eram indubitavelmente semelhantes. Seus olhos eram verdes, e de novo havia aquela coroa. Usava uma camisa polo e calças brancas. Percebeu que tanto com Richard quanto Elysandra, diria que eles estavam em algum lugar entre seus vinte e cinco a trinta anos, mas Seth parecia estar no começo dos vinte, e algo afirmava fortemente a Jim que ele era provavelmente o mais novo.

E ele parecia cansado também.

Vendo aquelas marcas nos olhos dos dois, questionou-se se era aquilo que as pessoas tanto procuravam em seus olhos.

— Diretor?! – Ameen exclamou.

— Diretora?! – Victoria exclamou ao mesmo tempo.

—... E estes dois. – A velha de mais cedo finalizou. Certamente estava contando sobre os “delinquentes” que “invadiram” a casa. Mas assim como todos os outros até então, a atenção dos dois voltou-se diretamente a Jim.

— Ótimo. – gemeu.

Nenhum deles disse nada, mas a mulher se moveu tão rápido que quando percebeu, ela já tomava seu rosto em mãos, examinando-o. Jim ficou até sem jeito, mas decidiu não reclamar. Eles eram os irmãos de seu pai, então deveriam ter ficado preocupados naqueles anos que passara desaparecido.

— É você... Meu Deus, você é a cara do Richard...

Não sabia o que responder, mas Seth pareceu perceber sua situação. Ele pigarreou.

— Irmã, acho que você não deveria...

— Ah sim, sinto muito. – ela o soltou, afastando-se ligeiramente, mas ainda assim olhando-o de cima a baixo. Não fez nenhuma objeção quanto ao estado de Jim, mas ele ainda sentia-se sem jeito com o modo que os olhos dela brilhavam.

— E eu acho que devemos entrar para ao menos tentar entender como vocês vieram aparar aqui, não? – Tanto Ameen quanto Victoria pareceram se encolher, o que não passou despercebido para Jim. – Aalis diz que vocês são delinquentes que tentaram entrar na casa, mas esta história me soa estranha.

— Ainda bem. – Ameen murmurou, parecendo realmente aliviado. Victoria continuava a parecer nervosa. Diretores... A informação dançou em sua mente: Instituto Lord Alphonsus e Instituto Lady Enguerrand. Os dez nobres eram de lá.

É, “invadir” a casa dos ancestrais dos diretores não parecia muito bom.

Seguiram para a sala de estar, que estava totalmente diferente. Ela dava uma ampla visão para o segundo andar, e uma das paredes, além de portas de vidro, possuía janelas maiores que Jim. As outras eram placas de madeiras com entalhes elegantes, assim como o teto de onde despontavam mais lustres. Havia um grupo de sofás perto da lareira – havia uma estatueta de dragão negra sobre ela -, e outro na outra extremidade da sala, assim como o piano branco próximo à janela, próximo também a quatro poltronas dispostas envolta de uma mesinha de centro. Havia vasos de plantas por toda parte, dispostos estrategicamente.

Os outros adolescentes encontravam-se nos sofás próximos à lareira. Estavam discutindo, mas se calaram quando viram os diretores. Anastasiya não estava lá, já que Bonaccorso mencionara que era melhor deixa-la num quarto escuro para se recuperar.

Contando com os que estavam com ele... Havia sete.

— Estão faltando três... – murmurou, o que chamou a atenção de Seth.

— Onde está o meu irmão? – Alasie questionou.

— A Stephania não está aqui também. – Akihito disse logo após.

— Cadê a Akinyi? – Victoria perguntou depois de perceber o fato.

— Certo, se acalmem. – Seth disse. Sua voz não era exatamente autoritária, ela era firme, o que realmente causou a todos se calarem. Os dois que estavam com Jim foram se sentar, mas ele não se sentia muito a vontade de fazer o mesmo, já que não conhecia ninguém – falar duas ou três vezes com Victoria não contava. – O que aconteceu, e o que vocês estão fazendo aqui?

Depois de vários “eu não sei”, finalmente conseguiram estabelecer uma narrativa. Cada uma mudava, pois a casa separara a todos e acabaram sendo aprisionados de alguma maneira. Era até interessante ouvir aquilo.

— E você? – Se assustou quando Elysandra lhe questionou. Não estava exatamente esperando aquilo.

Começou a contar sobre como simplesmente começaram a bater em sua porta, e ele e Michael foram parar ali, além de seu quase enforcamento.

— E quando eu percebi, estava na capela... – Hesitou, não sabendo mais o que deveria contar. Seu pai morto, as estátuas brilhantes, ou ainda o plano cheio de dúvidas que lhe fora posto na cabeça. Planejá-lo com Richard era uma coisa, conta-lo a um grupo de estranhos era outra.

O silêncio que fizeram, esperando-o continuar também não foi muito animador. Os nobres eram todos da sua idade, mas lhe olhavam de uma forma esquisita. Não o olhar esquisito que lhe dirigiam na escola, que lhe chamavam de “gótico”, “esquisitão”, ou “o cara que bateu em seis jogadores do time de futebol” – longa história. Mas como era relativamente franzino, as pessoas não levavam aquela história a sério, apesar de verídica. -, era... Uma quase admiração? Como se estivessem vendo algo que tecnicamente estava fora de alcance.

Um dos príncipes.

Atlanta? Vocês estiveram em Atlanta esse...

— Alguma coisa aconteceu na capela, não foi? – Elysandra cortou seu irmão.

— Bom, sim, mas... Explicar é difícil. – Respirou fundo. – Algo nos trouxe aqui. A questão é: não foi algo exatamente leviano. Na capela, eu tive uma... Conversa? Não sei explicar, com Ailith. Ela me mostrou que dois dos dez que vieram parar aqui estão “possuídos”, por assim dizer, junto com o meu irmão. Agora, há três faltando, e eu não sei por que. Eles estão tentando chegar a algo...

— Você “falou” com Ailith. – o tom de Ameen era descrença. E concordava com ele, não era algo comum. – Um anjo.

— Sim. Até mais cedo eu não sabia magia. – ergueu a manga do moletom, e literalmente ouviu as respirações sendo presas e alguns até se empurrando para trás. – Digamos que... Bem, é estranho falar, mas acho que o termo certo é dizer que ela me ensinou.

— Essa marca... – Elysandra se esticou para pegar seu braço e acabou o puxando no processo. – O que você faz?

— Eu mexi com escuridão quando tentei...

— Existe magia da escuridão. – Seth interveio calmamente.

— Não, realmente, escuridão. – Como se para frisar suas palavras, a falta de iluminação veio de novo, o que não foi intenção de Jim e que também não pareceu ser bem recebido pelos outros. Rolou os olhos e anotou mentalmente que precisaria se controlar melhor, fazendo a iluminação voltar. – Ok, isso foi sem querer. Desculpem-me.

Alasie parecia estar tendo um ataque de nervos. Algo lhe disse que sua escuridão era demais para a luz dela, que era seu elemento natural.

— Certo, você se deu a convencer. – Elysandra continuava composta, o que de certa forma tranquilizou Jim. – Mas há mais, não é?

— Sim eu... Eu tenho que ir ao Santuário de Alim.

Silêncio.

— E eu preciso da ajuda de vocês. – apontou para os adolescentes.

—... Quê? – o irmão de René disse depois de mais um silêncio incrédulo.

— Certo, isso já se tornou informação demais. – Victoria falou logo após.

— Antes que vocês comessem a bombardeá-lo, deixe-me perguntar algo. – seu tio interveio novamente, absolutamente sério. – Por que exatamente você precisa ir a esse santuário?

— Porque eu preciso falar com os mortos.

— Quê?! – Os nobres exclamaram em uníssono, porém, ao invés da descrença, a expressão do rosto dos dois diretores se tornou grave, e se possível, ainda mais séria.

— Para...?

— Eles sabem para onde estão tentando ir. E a forma mais fácil de descobrir seria...

— Isso é loucura, como assim falar com os... – Akihime começou, e algo em seu tom de voz fez com que Jim absolutamente não gostasse dela.

— Certo. – De novo, Seth interrompeu, se levantando. – Vamos ligar para os pais de todos.

Quê?! – Novamente, o coro.

Dessa vez Jim quase riu.

— Precisamos avisar o que aconteceu com vocês, e não podemos jogar um grupo num Santuário de Alim sem os seus pais saberem. – Elysandra continuou calmamente. – E também, como vocês disseram, Anyu, Akinyi e Stephania não estão aqui. Isso é perigoso. Temos que avisar os pais deles também.

Nossa...

— Bonaccorso, arranje quartos onde eles possam se limpar e roupas. E peça para fazer um café da manhã.

— Sim senhor. – o mordomo se curvou rapidamente e saiu primeiramente a passos largos pela porta. Não contou até dez, e algumas empregadas vieram para guiar cada um para um quarto.

Ele retornou para levar Jim, que quase precisou correr para acompanhar seu passo.

— Seu quarto não mudou muito desde que tinha dois anos, Vossa Alteza.

Um formigamento esquisito passou por sua nuca.

— Então... Há uma cama minúscula, bichinhos de pelúcia e Lego?

— Também. – ele admitiu. – Mas é só pedir que a casa lhe atenderá. – sua voz então baixou. – Meu príncipe, você realmente tem a intenção de entrar no Santuário?

Com o que Richard lhe contara sobre o lugar, não se surpreendia de falarem como se fosse loucura. Provavelmente era.

— Mi... Christian está com eles. Eu preciso acha-lo. – respondeu. – E algo me diz que o que quer que eles estejam procurando, é... Ruim. Algo que deve ser impedido.

O mordomo o olhou. Seus olhos eram muito negros, e não conseguia exatamente dizer o que se passavam neles. Mas percebeu então o quão velho ele era: Seu pai nascera em 1515, mas Bonaccorso já estava com eles antes. Talvez ele estivesse antes até mesmo de seu avô, que nascera no século 12. Eram os olhos de alguém que literalmente vira gerações de uma família e se tornara afeiçoado a ela.

— Se for assim... Além do tamanho de suas roupas, precisarei tirar algumas medidas.

— Para...?

— O local é grande. O suficiente para normalmente precisar de um veículo, porém... – viraram um corredor. – Qualquer coisa a base de tecnologia enlouquece lá. É magia demais, então seria preciso algo orgânico.

— Como um cavalo?

— Sim. Há um estábulo aqui, porém será preciso escolher um cavalo resistente e que aguente longas distâncias.

Sentiu-se quase eufórico. Não pôde se reprimir. Amava cavalos e fizera aulas de equitação em algumas das cidades que vivera – e que ofereciam o curso. -. Obviamente nunca tivera seu próprio cavalo e seus equipamentos como selas, estribos e tudo mais eram cedidos pela escola. Mas aquilo não o fazia gostar menos dos animais,  eram criaturas fantásticas de suas própria maneira.

— Então a medida é para uma sela?

— Sim. E alguns equipamentos de equitação.

— Mas... É possível encontrar tudo até hoje à noite?

Bonaccorso parou abruptamente, e Jim quase trombou nele.

— O santuário só se abre em noites de lua cheia, que será amanhã. – Ele respondeu. – E com os contatos bruxos certos, podemos até construir uma casa em uma noite.

— Bom, não só bruxos. Dizem que a companhia de Shakespeare roubou um teatro inteiro, desmontando-o e o levando para o outro lado do rio. – respondeu, porém ficou incomodado. Algo “importante” ocorreria a noite, mas se não era o santuário... O que seria?

O mordomo riu.

— É aqui. – ele apontou para a porta. Ela era entalhada como uma coruja, com linhas prateadas. Pura e simples. Seus olhos eram grandes e negros, assim como o bico.

Jim já estava amando apenas a porta.

Quando Bonaccorso abriu-a, viu que ele falava sério quanto a não terem mudado seu quarto. Porém, esperava paredes de alguma cor de bebê, uma cama com estampa de pirata ou algo do tipo, tapete de borracha e... Talvez uns carrinhos? Bonecos de Toy Story? Móveis de cores berrantes?

Ficou surpreso quando percebeu que o quarto – claro, com algumas mudanças na decoração – era algo que o agradava, mesmo já tendo dezesseis anos. Suas paredes eram painéis azuis acinzentados e marrons, o teto pintado como um céu estrelado, do qual despontava um lustre discreto de armação marrom escura. A cama era relativamente pequena – óbvio – com sua armação de madeira pintada de verde musgo, sendo ladeada por duas estantes que também serviam de mesa. Os bichinhos de pelúcia que comentara antes estavam lá, e eles eram relativamente sérios, de certa forma, mas havia mais livros infantis até do que brinquedos – parecia que gostava deles antes mesmo de aprender a ler, afinal. Viu a caixa de Lego também escondida debaixo de uma das mesas, e as outras paredes tinham sofás cujos estofados alternavam: um verde, um azul escuro. A parede onde sua cama se encontrava era pintada de azul escuro.

Quase tropeçou num cavalinho de balanço em forma de elefante.

— Uau... – murmurou. – É só pedir, então... Uma cama um pouco maior e nenhuma coisa de criança/bebê...

O som foi como um tecido impermeável sendo puxado bruscamente, e literalmente, no segundo seguinte os brinquedos foram embora, assim como os livrinhos. As estantes foram empurradas para o lado e deram lugar a uma cama king size com travesseiros cinza, lençol branco e edredom preto. Reparou que até o sofá se tornara totalmente verde musgo.

—... Uma cama de solteiro já estava ótima, mas... Ok.

O quarto ficara relativamente vazio, mas literalmente, não dava mais para dizer que era o quarto de um bebê.

— Não mudou muito. – Bonaccorso constatou.

— É.

Disse o número de suas roupas e sapatos, e o mordomo tirou uma fita métrica do nada – literalmente, ela surgiu do nada – para retirar as medidas que mencionara antes.

— Alguma preferência de cor para as suas roupas?

— Hã... Alguma cor escura. Preto, azul...

Ele foi embora, deixando-o sozinho.

Jim olhou envolta. Realmente vazio.

Avistou apenas dois porta-retratos na mesa da direita. Foi vê-los, apesar de achar um pecado pisar no tapete imaculadamente branco com seus pés sujos, deixando sua caixa que ainda levava sobre a cama. Então ficou sem saber o que dizer.

No primeiro era ele – bebê de dois anos -, junto a um Vincent de uns quatro ou cinco anos. Ambos estavam no sofá da sala, esmagados entre duas meninas idênticas. Ambas tinham em torno de seus doze ou treze anos, cabelo preto – dã – e olhos verdes – de novo aquela coroa dourada na pupila -, mas a da esquerda tinha o cabelo na altura de seus ombros, a outra o tinha comprido. Elas usavam o que lhe parecia ser um uniforme escolar: camisa de botões branca, saias rodadas com suspensórios e fitilhos no pescoço.

A outra ela uma mulher adulta com ele no colo – parecia ser o seu aniversário de um ano -. Seu cabelo negro estava preso num coque um tanto quanto solto e ela parecia uma estrela de filme mudo, com olhos expressivos – finalmente descobrira de onde seu irmão mais velho herdara aquele olhar – violetas, cílios grossos e compridos. Sua pele era clara o suficiente para fazer o batom vermelho escuro parecer ainda mais escuro.

Não precisava de ninguém para lhe dizer quem elas eram.

A porta branca ao lado levava a um closet vazio, e outra levava a um banheiro. Felizmente, havia toalhas adultas ali.

Tomou um bom banho, e parecia que seus músculos pesavam com aquilo, reclamando que estavam cansados. Os ignorou.

Mesmo que já um tanto surradas e malcheirosas, não estava muito disposto de se livrar de suas roupas. Encontrou as novas sobre uma cadeira que havia no closet: Jeans cinza escuros e uma camisa azul Royal, com que se vestiu rapidamente, enrolando as mangas na altura dos cotovelos mais por costume.

Quando se olhou no espelho quase não se reconheceu.

Aquela coroa que tanto ficava vendo os outros possuírem agora quase saltava para fora de suas íris, se destacando, pois ela era quase branca. Falando em branca, havia as marcas negras que gritavam contra sua pele. Talvez pela primeira vez concordasse com Vincent quanto ao fato que deveria pegar um sol de vez em quando – mesmo que o mais velho também fosse mais branco que leite estragado.

Talvez devesse ligar para ele...

Mas de que adiantaria? O mais velho naquele momento estava em algum lugar do Brasil, e apenas para falar que eles haviam sido teletransportados loucamente para a casa que viviam antes e que Michael estava possuído por alguma coisa e sumira? Talvez fosse melhor ligar quando encontrasse o mais novo.

Saiu do quarto, e desceu. Conseguiu encontrar uma sala de jantar em que todos os adolescentes estavam sentados. Eles pareciam estar discutindo de novo, mas se calaram quando Jim chegou, o que lhe deixou um gosto amarga. De novo, era o “esquisitão”, mas num nível completamente diferente.

Acabou sentando do lado de Alasie. Ela tinha o rosto redondo, olhos puxados e os cabelos pretos estavam em duas tranças grossas que caiam por seus ombros, e mexia desanimadamente em seu iogurte. Sentou de frente para os gêmeos também, um comia croissants com suco de laranja. O outro estava com um prato intocado de bolinhos e um cappuccino. Eles tinham diferenças... René era o com cabelo mais escuro e olhos azuis, não? No caso, o que não estava comendo.

Lembrou-se do Subway que comera antes, mas deu uma olhada no que tinha na mesa: queijo, presunto, uma variedade de pães, ovos, bolos, croissants, vários potes de geleia, bacon, chá, suco, café, frutas, panquecas e o suficiente para alimentar 20 adolescentes, não sete.

Victoria estava ao lado de Akihito e perto de René. A chamara de princesa porque sua aparência de certa forma lhe lembrava da princesa Merida. E mesmo que não alto o suficiente para que todo mundo escutasse, ela estava reclamando do que sua mãe iria dizer já, que ela não agia como uma “dama da sociedade” e havia ido parar lá. É, parecia que seu ponto estava certo.

Ninguém falava mais muito, e só estava comendo um pãozinho com geleia quando Seth apareceu.

— Onde está a diretora? – Alasie questionou.

— Ela está um tanto doente, portanto prefere ficar longe de locais com... Cheiro, no geral. – respondeu. – Os pais de vocês estão vindo aqui.

Quê?!

Aquele pessoal tinha um sério problema com seus pais, não?

— E também liguei para os Onwatuegwu e os Dalca. Eles precisam saber que as filhas deles sumiram. Todos disseram que vão chegar mais ou menos depois do almoço.

Um silêncio ainda mais esquisito ficou na mesa.

—... Raphael, posso falar com você?

Levou um tempo para Jim lembrar que ele era o Raphael.

— Tá. – levantou-se, seguindo-o.

Seth foi pra fora da casa, indo em direção ao bosque. Era estranho que mesmo que fosse verão, o ar ainda estava ligeiramente frio, o suficiente para Jim esfregar os próprios braços. Adentraram por tempo suficiente para se questionar para onde estava indo, mas por fim pararam numa clareira ampla. Havia um banco branco e decorado onde Elysandra estavam um tanto recurvada, e uma mesinha de ferro onde havia uma grande caixa preta.

— Você está bem? – o loiro questionou quando se aproximaram.

— Comida... – ela reclamou, então respirou fundo. – Mas está tudo bem agora.

Olhou envolta. A clareira era bem limpa, com árvores altas e verdejantes, mas o que chamou sua atenção mesmo foram os alvos de arquearia espalhados por ela. Por suas aparências, eles eram bem antigos.

— Você está me ouvindo?

— Hã? – voltou-se sobressaltado para sua tia.

— Não. – ela suspirou. – Estava dizendo que nós acreditamos em você. Quanto ao fato de ter falado com Ailith.

— Ah... Mesmo que soe extremamente absurdo?

— Nossa família é a família do absurdo. E quanto falar com os mortos, quando assumimos a direção dos Institutos, tivemos de ir falar com nossos antepassados. – os olhos dela assumiram um brilho estranho. – Infelizmente, a localização exata sempre muda, então não é o mesmo lugar de antes. A questão é: No santuário, há criaturas. Algumas são neutras, algumas travessas, algumas malignas, e haverá situações que magia poderá piorar as coisas.

— Oh, nossa, que ótimo.

Seth emitiu um som que pareceu uma risada reprimida.

— Você sabe algo que possa ser utilizado como defesa?

— Bom, eu sei judô. E um pouco de tae-kwon-do, mas basicamente meus treinos era apanhar do Vin... Alastair. – corrigiu-se encima da hora. – Mas eu sei ficar em posição de desvantagem por causa disso.

— É bom, mas não é o bastante.

— Deixe-me ver... Eu deveria ter aprendido outras coisas. Como nas outras famílias nobres.

— Normalmente ensinam esgrima, arquearia, luta corporal, equitação... – Seth disse. – Você já saber ao menos o básico de artes marciais também já é bom. Mas vamos tentar lhe ensinar algo mais.

— Até amanhã. – não conseguiu reprimir o tom cético.

— Tanto eu quanto Seth somos bons em arquearia. Eu não estou em condições em lhe ensinar algo prático, mas ele está. Pode ser útil para evitar que duendes tentem se aproximar.

— Duendes.

— Criaturinhas violentas. Porém, há os primos deles, os leprechauns. Eles com certeza podem ajuda-lo, mas você teria que enganá-los.

— Eu já ouvi lendas sobre eles. Você tem que vê-lo, mas não deixa-lo vê-lo para capturar um. E cuidar para que ele não suma no ar, então ele poderá lhe mostrar um tesouro.

— Sim, mas se você tiver boas intenções, eles podem ajudar por vontade própria. Agora o que eles caracterizam por “boas intenções” é outra coisa. Deixando isso de lado, venha aqui. – ela lhe estendeu a mão. Sem entender, Jim a apertou.

Novamente aquilo. Um monte de informações voou na cabeça de Jim, quase o fazendo cair. Ficou tonto mas se manteve firme em pé, e quando o mundo voltou ao normal, as cores de sua marca estavam pulsando, passando do azul noite, verde esmeralda e ouro envelhecido.

— Oh nossa... – gemeu. De repente sentia-se tão verde quanto sua tia.

— Pobrezinho. Mas agora, em teoria, você já sabe o que fazer agora, então Seth lhe ensinará a prática. E... Eu tenho que ir. – a parte final foi corrida porque ela já se levantava e saía apressada, tapando a mão com a boca.

—... O que ela tem?

— Enjoo matinal. – Seth respondeu. Ele abrira a caixa, e Jim quase babou quando viu que ela era muito bem organizada em arcos, flechas e equipamentos. – Início de gravidez.

— Oh, hã... Mas você disse...

— Ela não quer que saiam espalhando. Ainda. – Ele estava com um arco dobrável em mãos, pondo-o no formato ideal. – Provavelmente só vai dizer quando não puder mais esconder a barriga, que já está aparecendo, aliás. Por isso o vestido.

Olhou pela direção que Elysandra sumira mais uma vez.

— Aqui, coloque isso. – Seth apontou uma braçadeira, uma dedeira e um protetor de peito. – Acho que você ainda não percebeu, mas nós temos mais força do que pessoas normais, bruxos também. – Jim olhou-o em dúvida. – A casa foi feita para nós, então não saímos quebrando tudo lá dentro. Você é alguém que acabou de adquirir a magia, então poderíamos dizer que você é um elefante num mundo de papelão. No caso agora, os arcos que nós usamos são um pouco diferentes dos normais. Não precisamos quebra-los sem querer.

Seth era um bom professor, mas também era um insistente. Saíram do bosque apenas quando Aalis veio chama-los para almoçar – e Jim quase a acertou -. Àquela altura, seus braços estavam demasiadamente doloridos e pesados, além de parecer finalmente estar com sono.

Acabaram indo almoçar depois de todo mundo – junto com Elysandra que conseguiu comer alguma coisa -, terminando um pouco antes dos pais dos outros chegarem.

E foi nesse momento em questão que sua ficha caiu de vez quanto ao fato de ser um príncipe.

Havia em torno de onze pessoas ali. Seis mulheres e cinco homens. Conseguia ver quem era pai de quem apenas de olhar para eles. Victoria estava emburrada entre uma mulher morena – que de certa forma lhe lembrava da rainha Elinor – e um homem ruivo – que infelizmente não parecia o rei Fergus -, Ameen estava sentado perto de um homem árabe – óbvio -, Akihito e Akihime estavam falando com uma asiática de terninho e saia vermelha que tocava nas queimaduras de gelo do filho, os três falando em japonês, os gêmeos ainda mais quietos que o normal, com um homem de cabelo meio castanho de pé eles, todo de preto. Anastasiya estava com a cabeça apoiada no ombro de uma mulher muito branca com cabelo preto, Alasie estava tentando acalmar uma mulher baixinha com o mesmo rosto redondo que o seu.

E havia outros quatro. Um homem alto de pele extremamente negra, claramente musculoso e com um ar tão ameaçador que se sentiu imediatamente acuado; contrastando com ele, havia uma garota de uns 19 anos, também negra, baixinha e gordinha, de óculos ao seu lado, o cabelo preso e inúmeras trancinhas presas a anéis de cobre.

Havia um homem de uns cinquenta anos, branco, com o cabelo e a barba bem aparada já passando do preto para o branco, que despontava uma barriga relativamente avantajada da camisa social. A outra mulher era bizarramente parecida com sua mãe. Os dois olharam para ele, mas não era aquele olhar de aterramento que normalmente as pessoas lhe davam, e sim aquele misto de emoções que tanto Bonaccorso quanto seus tios deram quando o viram.

Claro, os Dalca. Seth mencionara isso, sua mãe era Natasha Dalca, então aqueles eram seu avô e sua tia, e a menina desaparecida – Stephania – era sua prima por parte de mãe.

— Meu Deus, ele é quase idêntico ao rei... – a mãe de Anastasiya foi a primeira a falar quando entraram.

Jim queria abrir um buraco no chão e se esconder quando todos os olhares voltaram-se para ele mais uma vez. Aquilo já estava muito além da sua cota diária normal, além de estar lhe dando nos nervos. Engoliu o seco e tentou não se descontrolar e deixar o ambiente escuro novamente.

— Sim, mas agora – o homem negro começou. Ele certamente era o chefe da família Onwatuegwu. – o que está acontecendo? Enviamos nossas crianças para Atlanta para uma prova, e nos ligam que elas vieram parar na casa do rei e minha filha sumiu, além de outros dois?

— Três. – corrigiu-o sem querer, e o homem o olhou imediatamente. Seus olhos eram tão inquisidores que quase se encolheu. – Meu irmão está desaparecido também.

— Vocês passaram os últimos treze anos desaparecidos, eu devo...

— Explicando melhor. – Seth o cortou, aliviando a Jim. O Onwatuegwu recebeu vários olhares desaprovadores, inclusive da própria filha. – Raphael, conte a eles o que aconteceu, por favor.

Agora realmente queria abrir um buraco no chão. Mas acatou o pedido e de novo contou sua parte da narrativa, deixando de fora a parte do seu pai novamente. Todos ficaram quietos e sem objeção enquanto falava, mesmo quando contara a parte de Ailith e sobre o dito “plano”. Não fez nenhuma alusão quanto também o que ele e seu pai haviam traçado na capela –  pelo menos Anastasiya, Victoria e um dos gêmeos. -, ao menos por enquanto. Tentaria vergar as coisas ao seu favor, mas também tentaria não ser muito óbvio, pois não iria exatamente sair dizendo que Victoria tinha uma inclinação para necromancia que nem ela sabia – baseado nos relatos de um homem morto -, por exemplo.

Quando terminou, o silêncio era pensativo. Ficou surpreso por nenhum estar falando que era loucura falar com os mortos ou algo do tipo, eles estavam realmente pensando nos prós e contras de mandar um dos filhos para lá, e podia ver o nervosismo nos outros adolescentes.

No fim, a primeira a se pronunciar foi a Sra. Hino, avisando que não permitiria seus filhos se envolverem devido às suas tradições, como Richard havia dito. A Sra. Iñuksuk foi outra: Se Anyu estava desaparecido, ela não precisava por a sua filha em perigo atrás de algo que não tinham certeza de onde estava.

O pai dos gêmeos disse que até concordava em ajudar, mas apenas um deles. E que confiava mais em René. Éloi também concordou que achava o irmão melhor e René não pareceu muito feliz com isso. O Sr. El-Amin mencionou que mais cedo ou mais tarde Ameen teria que entrar no Santuário, então que ele fosse de uma vez – o garoto lhe lançou um olhar descrente -. Por fim restaram os Deasún e a Sra. Tenova.

Victoria estava balançando as suas pernas como se tivesse cinco anos, o que causou a sua mãe a lhe mandar um olhar reprovador, e então ela e o pai da garota começaram a ter uma discussão silenciosa, a mesma coisa com as russas. Ao contrário dos outros, que não questionaram a opinião de seus filhos, ela e Anastasiya pareciam estar tentando chegar a um acordo, mas então Jim sentiu como se algo o acometesse, um sono incontrolável. Antes de perceber, tudo escureceu, caindo no sono sem nem mesmo ver a reação dos outros quando despencou.

Acordou depois tão desorientado que não reconheceu seu quarto por uns bons vinte minutos. Estava completamente escuro, mas novamente, conseguia ver cada detalhe do teto, assim como, quando olhou para o lado, uma bandeja tampada sobre a mesa direita.

Sentou-se, sentindo seus braços doendo. Apesar dos pesares, pegou a bandeja, e comeu o que havia ali antes de qualquer coisa, que no caso era um crepe de morango e chocolate. Não sabia de quem fora ideia, mas o conquistara. Havia suco de laranja também. Quando terminou, foi ao banheiro, lavar as mãos e tentar acordar melhor.

Quando voltou, havia um homem em seu quarto.

Estancou na porta, mas ele não o olhava diretamente. Primeiro pensou o que faria, depois parou para reparar nele: o homem não era muito mais alto que Jim, talvez possuísse 1,80 de altura. Tinha o cabelo ruivo aloirado que ia até o meio de suas costas, puxado para trás, e usava uma capa azul escura que ia até o chão, com aplicações de pele nos ombros que pareciam ser pele de lobo, cobrindo toda sua vestimenta.

Ele então o olhou diretamente e Jim soube quem era. Só que foi um pouco demais para si.

Conseguia ver algumas semelhanças entre si mesmo e o estranho. O rosto dele era mais forte, mas tinha os mesmos olhos, nariz e feições, além de algo em sua postura séria e silenciosa. Mas o que se destacava mesmo era uma cicatriz, que ia de seu couro cabeludo, literalmente bem no centro da cabeça, passava pelo olho direito, que era vazado, e ia terminar atrás da orelha. A pele naquela região também era de uma cor diferente, mais nodosa talvez.

E sem contar a coroa em sua testa, claro.

Haviam suavizado bastante sua imagem naquele vitral.

— Rei... Alphonsus?

Ele pôs um dedo sobre os lábios, indicando silêncio. “Isso é loucura” pensou, mas antes de continuar seu argumento lógico de que seu bisavô que morrera há alguns/muitos séculos atrás estar no meio de seu quarto, Alphonsus fez um sinal para o que o seguisse, antes de sair pela porta que não percebera aberta.

Ficou um segundo decidindo se deveria ir atrás dele ou não, mas como sua vida parara de fazer lógica, foi atrás dele.

Alphonsus andava absurdamente rápido, seus passos emitiam nenhum barulho. Só conseguia vê-lo quando já estava virando um corredor, e isso porque praticamente corria atrás dele. Desceu as escadas e se deparou com a porta da frente escancarada.

Saiu, e estava relativamente frio do lado de fora. Havia diversas lanternas antigas dispostas para iluminar o caminho, e todas elas traziam globos luminosos azulados, deixando claro que era magia, não eletricidade.

O som de cascos chamou a atenção de Jim, e então seu queixo quase caiu.

Sobre o círculo de pedra com a espada de mais cedo, havia um cavalo. Conhecia a raça, era um Gypsy Vanner, que na sua sincera opinião, era um dos cavalos mais bonitos que existia, mesmo sendo predominantemente de tração.

Ele tinha em torno de 1,70 de altura na cernelha –  o ponto onde começava o pescoço do animal -, e sua pelagem era predominantemente preta, porém na região de seus olhos, parte do pescoço, peito, barriga e quadril eram manchadas em branco, num padrão quase floral. A região de suas pernas era branca, os pelos compridos começando nos joelhos caindo como sobre os cascos, e tanto sua crina quanto sua cauda – que quase chegava ao chão – era prateada, em dégradé escuro-claro, lisa e brilhante como se alguém houvesse passado horas a escovando.

Então percebeu que sua crina e cauda eram como névoa, e os olhos azuis eram iridescentes.

Desceu as escadas da frente lentamente, sem saber se se encontrava maravilhado ou aterrado, porém a criatura se aproximou, resfolegando. Ele deu uma cheirada em Jim, como se o avaliando, então sacudiu a cabeça, como se em aprovação, então esfregando a pata dianteira no chão, começando a cutuca-lo com o focinho impacientemente.

— Espera... Onde está o Alphonsus? – questionou, e o cavalo moveu-se impacientemente, empurrando-o em sua direção. Piscou. – Espera, é para... Eu lhe montar?

O cavalo sacudiu a cabeça.

Jim ficou nervoso. Nunca havia montado um cavalo que não estivesse selado, e... Bom, aquele animal era lindo, mas não significava que o confiaria de primeira para uma montaria. Sabia que cavalos eram animais que poderiam se assustar facilmente, e também eram animais que poderiam jogar seu cavaleiro bem facilmente.

Mas o cavalo bateu com o casco no chão e deu um começo de relincho que fez Jim montar rapidamente, com medo de que alguém acordasse. Sentou-se direto na cernelha, incerto, vendo também que deveria se virar sem rédeas.

O animal sequer esperou terminar de se ajeitar, disparando sobre as trilhas de pedra. O rapaz quase gritou, se agarrando na crina para melhor apoio e tentando manter o equilíbrio, e com certo esforço conseguiu manter o equilíbrio. Ele era rápido, e à medida que avançava, as luzes se apagavam, trazendo as sombras consigo.

— Você... É um elementar? – questionou, mesmo sabendo que não teria resposta. – Da escuridão?

O cavalo relinchou, o que assustou um grupo de cisnes adormecidos. Eles entraram então no bosque, indo cada vez mais fundo enquanto o adolescente tentava ver para onde iam, mas o animal parecia saber para onde deveria ir. 

No fim, pararam em frente ao que parecia um mausoléu.

Alphonsus estava lá, de costas para eles. Ele havia mudado. Sua capa era de lã, ainda azul escura, curta e sem qualquer tipo de pele. Os cabelos ruivos estavam presos em duas tranças que se uniam em uma, com um diadema de ferro simples cujos padrões se assemelhavam a cordas. O rei virou-se quando se aproximaram, e Jim não deixou de reparar que, mesmo sem qualquer barba – algo meio que vital -, ele lhe relembrava o que tomaria por um viking, os olhos afiados e perigosos, além das roupas, uma túnica um pouco mais clara, e até mesmo as pernas fortemente enfaixadas com sapatos de couro. Ele usava um cinto de onde Jim conseguia ver a espada presa a ele.

— Já destes um nome a ele?

A voz dele era grave. Bem mais do que Jim esperava.

— Ele... O cavalo?

— Este elementar é um presente de Ailith, que nasceu apenas devido à tua magia. Deverias nomeá-lo.

Ia soltar mais uma exclamação sem sentido, porém considerou melhor ficar quieto, olhando então surpreso para o animal. Ele nascera por sua causa?

— Cada vez que um novo tipo de magia surge no mundo, toma a forma daquele que a criou. Tu gostas destes cavalos, então ele se tornou tal animal.

De certa forma fazia sentido. O cavalo olhou-o, seu pelo totalmente escuro. Escuridão, e sua crina se assemelhava a névoa. Aquilo o lembrava de algo, só não sabia se era algo que poderia ser caracterizado por um “bom” nome.

—... O que acha de Niflheim? – questionou ao cavalo, que inclinou a cabeça como se ponderasse.

— O reino de Hel, mundo da escuridão, névoa, gelo e frio. Lar dos que morreram de forma desonrada. – Alphonsus comentou. – De certa maneira, combina com este cavalo.

O animal relinchou, como se concordasse, então literalmente se jogou no chão - fazendo Jim pular para frente para sair do caminho - e começou a rolar no chão como um cachorro, se contorcendo.

— Meu dragão chamava-se Woden. – comentou de maneira pensativa enquanto o adolescente se aproximava. – Mas isto já é outra história.

— Woden é como chamavam Odin em inglês antigo.

— Sim. Sabes relativamente bem quanto às lendas. Isto é bom. A companheira dele se chamava Frige.

— Frigg, mulher de Odin. 

Alphonsus assentiu. Seu olho esquerdo era de um verde profundo, e brilhava com o que parecia ser até aprovação. É, ter a aprovação de seu bisavô de uns 900 anos atrás que era filho de vikings parecia ser uma boa coisa.

— Hã, ok, isso é estranho, mas... Eu meio que estava me preparando para ir até o senhor amanhã por meio do santuário de Alim, mas... De alguma forma você está...

— Há coisas que não podem ser ditas fora do santuário, e são estas as que tu procuras. – foi a resposta. Quase engoliu o seco. – E há coisas que devem ser ditas agora.

— Que seriam...?

— Fizestes bem em escolher Ailith na capela construída por meu filho, porém, ao mesmo tempo em que isto é bom para ti, é também irremediavelmente ruim.

— Ruim...

— Enguerrand odeia nosso sangue. O meu sangue. Ela, porém, lhe deu uma chance, e você a desprezou. Ela está furiosa.

— Deixar uma anja furiosa não me parece uma coisa boa... – observou.

— Não, - admitiu - entretanto ao mesmo tempo, Ailith é uma boa mãe. Ela tentará manter os lacaios dela longe de ti durante as buscas no templo.

 - Mas ela não era sua esposa, por que... – Alphonsus só precisou olhá-lo. Não era um olhar duro era apenas... – Casamento arranjado. Certo. Mas então porque ela me daria uma chance?

— Eres um scientia.

— Hã... Ciência?

— Conhecimento. É originário de Roma, obviamente. – respondeu, e os portões do mausoléu se abriram com um rangido. O rei entrou, e sem muitas alternativas, Jim foi atrás. Niflheim ergueu-se e foi atrás de seu dono também, calmamente. Alphonsus continuou a falar, sua voz reverberando contra as paredes de pedra. - Significa que você é capaz de reunir conhecimento e mantê-lo com você, assim como alterá-lo, destruí-lo ou criar um novo.

— Huh...

Começaram a descer uma escadaria ampla e larga. Era tudo feito de pedra pura, e estava escuro como um breu.

— Aqui é o seu túmulo?

— E o de Ailith. Meus irmãos e tios insistiram que ele lembrasse algo de nossa terra natal. Seguindo o que eu ia dizendo, você ainda não possui controle sobre este talento, mas ele é muito útil. Por exemplo, se alguém o atacasse, você poderia simplesmente fazê-lo esquecer de um conhecimento comum, como andar.

— Isso é...

— O último scientia conhecido foi um egípcio. O próprio Alim.

Jim tropeçou em seus próprios pés e foi parar no fim da escadaria. Niflheim soltou relinchos que pareciam risadas. Que digno de sua parte. Com um gemido de dor se pôs sentado, enquanto Alphonsus terminava de descer os degraus, sem parecer incomodado pelo bisneto ter se esborrachado ao chão.

— Você está dizendo... O cara do santuário. Eu teria a mesma habilidade que ele teve?! – usou o cavalo como apoio para se levantar, seu tom de voz incrédulo.

— Sim. E mesmo que ignorantes a isso, não percebes que as pessoas preferem lhe passar a informação ao invés de ensinar algo manualmente a ti? Foi o que Elysandra fez, e Ailith também. Enguerrand certamente cobiçou-o quando percebeu isso.

— Mas... Por que...

— Como eu disse antes, há coisas que só podem ser respondidas fora do alcance dela e de outros ouvidos. No santuário, em nossa tumba.

— Certo... – murmurou. Decidiu então mudar de assunto, ao menos por enquanto. – Então... Se você, de certa forma, parece um nórdico, teve um pai viking, tem uma tumba, hã... Nórdica, apesar dos nórdicos queimarem os corpos dos mortos e tudo mais... Por que o senhor se chama Alphonsus?

— É apenas um nome para parecer cristão. Minha família e pessoas próximas chamavam-me de Brynjar. – respondeu.

— Ok, isso definitivamente soa nórdico, m... Uau.— até esqueceu-se do que ia dizer quando chegaram ao local propriamente dito. Sentiu o choque elétrico em sua pele quando quase foi soterrado pela magia.

Era um salão alto, que provavelmente deveria possuir dois andares, com uma abertura no teto que permitia a entrada da luz da lua, porém, havia duas enormes piras numa das paredes ao fundo, que iluminavam todo o resto. Havia vinte e uma bandeiras como estandartes dispostas ao redor dele, cada uma de uma cor, porém, destas, dez pareciam ter perdido a sua cor e seu símbolo. Como os outros estavam em perfeito estado, acreditou que eles eram mágicos. E que aqueles dez eram das dez famílias cuja magia havia desaparecido do mundo.

Os que restavam claramente iam em direção ao maior, o púrpuro com o dragão prateado nas quais as imensas piras encontravam-se sob. Havia um negro com um desenho de um corvo; vermelho, com um leão japonês; um branco com um urso polar; um prateado com um falcão; um marrom com um elefante; um cinza com uma raposa; um azul com uma baleia; um verde com um ganso; um dourado com um lobo e um azul anil com um gato. As dez famílias nobres que restavam.

As paredes traziam entalhes brilhantes que representavam diversas cenas, dragões eram uma constante – agora Jim sabia que eram Woden e Frige -. Havia representações de guerra, florestas, o círculo de pedra mais uma vez.

Mas no centro de tudo, havia um imenso navio. Deveria ter algo em torno de 21 metros de extensão.

Alphonsus subiu-o sem problema, enquanto o Niflheim começava a trotar ao redor do ambiente, sua crina, cauda e pelos das patas flutuando como rastros de fumaça. Jim ainda parou para dar uma olhada na embarcação. Era de madeira pura, também preservada, escurecida e repleta de entalhes.

Quando subiu, quase conseguia ver arqueólogos chorando de emoção caso conseguissem entrar ali.

Havia duas camas de pele sob uma espécie de tenda, uma de frente para a outra, e Jim sentiu algo despencando dentro de si quando viu que os corpos ainda estavam ali. Alphonsus usava uma cota de malha com placas do que parecia couro, sob um casaco roxo comprido sem mangas, quase como uma capa, com claras aplicações de pele – como a que ele usava antes. -, botas, e a coroa simples em sua testa, com ambas as suas mãos segurando a espada sobre o corpo e um escudo redondo preso à mão esquerda. A outra era Ailith, com seus cachos se esparramando pelas peles, sua capa vermelha aberta revelando um vestido de seda preto ricamente bordado em vermelho que se assemelhava bastante com roupas pagãs russas, e sapatilhas. Em sua testa havia uma coroa de flores e segurava uma rosa entre as mãos. Jim não pode deixar de notar o quão ela era pequena e delicada, mesmo morta, o rosto em formato de coração totalmente sereno.

E o resto do barco, bem... Aparentemente os parentes de Alphonsus haviam levado bem a sério o conceito de lhe dar um funeral que relembrasse suas origens. Estava apinhado de coisas, formando um arco ao redor de cada um dos túmulos. Na parte de Alphonsus havia armaduras, escudos, espadas, lanças, machados, facas, peles, potes que Jim não sabia o que havia dentro, instrumentos musicais, roupas, cachorros mortos ainda totalmente preservados, um cavalo e alguns outros animais. Na de Ailith havia uma roca de fiar, um tear, flores, instrumentos de alquimia, potes, livros, roupas, joias, três gatos e o que talvez mais se destacasse fosse uma urna totalmente decorada e uma aljava com um arco, e o cavalo.

Estava tudo tão fresco como se fosse uma representação, não pessoas que haviam morrido há quase um milênio.

— É esquisito ver o seu corpo enquanto o senhor está em pé bem aí. – Jim comentou. Alphonsus estava de pé ao lado de seu próprio corpo. – Hã... Bem... Deveriam ter queimado isso aqui, não?

— Tentaram, mas não conseguiram. – respondeu. – Quando o fogo abaixava, tudo estava sempre completamente imaculado, então por fim nos deixaram assim.

Entrou sentindo-se quase um intruso. A madeira rangeu sob seus pés.

— Certo... O senhor me trouxe para o seu túmulo com Ailith, então... Hã... O que eu deveria... – pisou num dos gatos sem querer, que estava duro que nem uma tábua. Balançou a cabeça diante o calafrio que passou por seu corpo. – O que eu estou fazendo aqui?

— O que pensas? – Quase gritou – mas seu cavalo relinchou - quando foi a voz feminina que falou. Ailith estava sentada tranquilamente à beira de sua própria cama, sobre os próprios cabelos do corpo.

— Ok, os mortos adoram falar comigo e eu é que não tenho uma inclinação a necromancia?!

Ailith riu.

— Os mortos tem liberdade para falar com aqueles que dividem seu sangue. Você descende de nós, então podemos fazê-lo. – respondeu. – O seu pai é um caso à parte, ele escolheu retornar de outra forma.

— Certo... – contrastando sua resposta, sua voz era repleta de incerteza.

— E quanto ao porquê de estares aqui... – ela se levantou enquanto seus cabelos caiam literalmente até seus tornozelos em cachos frondosos e brilhantes. – Realmente irás ao santuário, então creio que seja melhor que estejas preparado.

— Seth e Elysandra disseram isso hoje de manhã, eles me ensinaram ao menos um pouco de arquearia.

— Não é o bastante com Enguerrand furiosa. – Alphonsus respondeu, e Ailith o olhou. – Passei catorze anos de minha vida a deixando furiosa, o que querias?

Foi até engraçado como ela revirou os olhos negros e o ignorou.

— Há coisas que só podem ser ditas no santuário. – Ela repetiu o que Alphonsus dissera mais cedo. – Farei o meu melhor para manter os anjos menores que a servem longe de ti, mas também preciso que sabias se defender caso algo dê errado.

— Que seria pondo informações na minha cabeça, de novo?

— Sim. – ela admitiu com tanta franqueza que Jim quase teve vontade de rir. – Por isso convenci Alphonsus a vir aqui.

— Escolha uma arma e um escudo. – Alphonsus disse calma e firmemente.

Decidiu parar de ficar soltando “hã” e coisas sem sentido quando teve vontade de fazê-lo. Foi em direção às oferendas de Alphonsus, tomando cuidado para não pisar em nenhum animal morto. Parecia que esperavam que ele comandasse um exército no outro mundo ou coisa do tipo, considerando o número de armas e armaduras ali.

Não fazia a mínima ideia do que escolher, e Alphonsus e Ailith falando algo – baixo demais para conseguir escutar – atrás de si não ajudava muito. Decidiu ir primeiro atrás do escudo que seu bisavô dissera para escolher, e parecia que estava na liquidação de uma grife ou coisa do tipo.

O rapaz pegou um revestido de couro preto – deveria ter um metro de diâmetro -, e as laterais reforçadas com tiras de metal que parecia prata contra o fundo escuro, repletas de decorações como nós. No ponto de encontro do couro com o ferro havia runas – de novo, não sabia o que significavam -, separadas em quatro. No centro, havia a peça semiesférica, o umbo, que trazia o desenho do dragão, e outros quatro menores lisos ao redor.

Agora, faltava uma arma. Havia uma variedade absurda, mas no fim, uma chamou sua atenção. Era... Uma espada bastarda?

Conhecia-as principalmente porque eram algumas de suas armas preferidas em RPG – era a que usava em Dark Souls, por exemplo, até conseguir ter level o suficiente para matar um Black Knight pra pegar sua arma. -, então acabou indo vê-la. Estranhou principalmente porque elas haviam sido criadas principalmente ao fim da Idade Média e começo da Renascença, coisas que dava para ver que nem Alphonsus nem Ailith haviam visto.

Pegou-a, sua bainha era couro preto com seu encaixe e chape prateado, e já vinha com as correias para poder prendê-la às costas, que eram ligadas por uma tira de couro que formava um dragão. O pomo – também prateado - da arma também era a cabeça de um dragão, o cabo preto. Seu guarda-mão trazia os desenhos delgados dos dragões saltando, os corpos se enroscando quase como nós. Desembainhou-a e a lâmina brilhou tão polida e lisa que conseguiu ver seu próprio reflexo como um espelho.

Deveria ter em torno de 1,20 de comprimento, e a lâmina era negra na região do vinco, onde estavam gravadas runas – fez uma anotação mental de pesquisar os significados das runas nórdicas -, e havia algo naquela espada... Era uma arma de uma mão e meia, e enquanto todas as outras armas pareciam ser, obviamente, vikings, aquela era mais... Como poderia dizer? Não apenas o fato de espadas bastardas serem de outro período da história, mas era quase... Fantasiosa. O tipo de coisa que esperaria ver em Senhor dos Anéis, por exemplo.

Pegou o escudo também, e o peso dos dois era literalmente insignificante, comprovando o que Seth dissera mais cedo, apesar de a espada dever pesar pelo menos um quilo e meio.

— Serão essas? – Alphonsus questionou, assustando-o. Olhou para trás, vendo tanto ele quanto Ailith o olhando, e o rei parecia... Até surpreso. Ailith equilibrava seu arco em seu colo, um arco recurvado negro.

— Acho... Que sim?

— Traga-os aqui. – Ailith estendeu a mão. Pegou a bainha do chão, pondo a arma dentro novamente e foi até ela, entregando então a espada e o escudo.

Assim que ela os tocou, eles começaram a brilhar em azul noite, e Alphonsus chamou sua atenção, estendendo-lhe a mão como Elysandra fizera mais cedo. Engoliu o seco, então apertou a mão do rei, tentando ignorar o toque absolutamente gelado e cadavérico, enquanto ele lhe passava literalmente tudo o que sabia.


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Notas finais do capítulo

O Jim tá mais perdido que cego em tiroteio, tadinho xD



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