Natalie S. escrita por Laís


Capítulo 1
Último presente


Notas iniciais do capítulo

Inspirada nesse post aqui: http://bbcsherlockheadcanon.tumblr.com/post/100188062416/submission-by-anonymous
O resto da história é proveniente da minha cabeça de fangirl sofrendo no reino do hiatus eterno.



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Quando John e Mary adentraram o apartamento 221b de Baker Street encontraram um Sherlock completamente em desalinho, usando robe por cima dos pijamas listrados e o cabelo revoltoso e cacheado caindo-lhe pela testa. Ele tocava uma melodia no violino enquanto dava passadas quase rítmicas pela sala. Os olhos cerrados diziam que o detetive ainda não os avistara, mas John Watson sabia muito bem que ele já os ouvira chegando.

–Sherlock! – chamou pacientemente e, quando não recebeu resposta alguma, tornou a insistir – Sherlock! Há alguém que eu quero que você conheça.

Desta vez, recebera um grunhido desatento como réplica, abafado pelo som da música.

Nos braços do Dr. John Watson, a jovem Natalie murmurou em seu sono. Agitando os bracinhos rechonchudos, afastou parte do manto que a cobria e encarou a testa vincada do pai enquanto levava a mão à boca. Mary, que ainda postava-se ao lado do marido, em passadas largas e fortes foi até Sherlock e arrancou-lhe o violino das mãos.

–Olá para você também! Eu estou ótima... E você? Como vem passado? Ah, vários cadáveres para torturar, que agradável... Blá-blá-blá. Aliás, você soube que um ser humano saiu de mim? – O olhar de Mary era firme como uma mãe que repreendia o filho e Sherlock o devolvia com uma expressão consternada, como se estivesse genuinamente chateado por ela ter interrompido sua atividade anterior. – Lá está ela, pode vê-la. – Esta última ordem fora proferida com doçura na voz e o detetive finalmente aquiesceu.

Com a postura impecável e as mãos cruzadas de trás das costas, postou-a à frente de John que, por sua vez, fez um meneio com a cabeça indicando o bebê. Sherlock inclinou ligeiramente a cabeça para o lado e fitou a criança. Ou melhor, perscrutou tal qual fazia com todos que encontrava.

Sherlock Holmes era capaz de deduzir grandes coisas através de minúsculos detalhes e, ao analisar uma pessoa, as informações levitavam em seu palácio mental, formando um sistema de palavras-chaves ao redor do indivíduo. Ao olhar Natalie Watson, que naquele momento adormecia, nada pôde depreender. Emitiu um leve som de frustração e retornou na direção de Mary.

–É seguro deixar a criança com ele? – questionou. – Ele tem pernas curtas, pode facilmente tropeçar e... Tudo bem que está mais perto do chão, mas... Acho que você deveria segurá-la, só por precaução.

–O que... – John começou a contestar, porém falara alto demais e Natalie ameaçou despertar. Acabou deixando a ofensa passar.

–Ele vai ficar bem – Mary o tranquilizou enquanto apertava levemente a bochecha do detetive – Todos nós vamos. E vê se come alguma coisa. Está com a aparência cada vez mais cadavérica. – lançou-lhe uma piscadela.

Naquele instante, a Sra. Hudson chegara alardeando o quanto estava feliz por ver o casal Watson. Prontamente, pegou Natalie no colo e começou um monólogo sobre crianças, seu falecido marido e por que nunca tivera filhos.

Sherlock começou a tocar uma nova melodia.

Alguns meses depois

Os Watson passavam boa parte do tempo em Baker Street por insistência da própria Mary. Ela sabia que Sherlock, apesar de nunca falar nada, temia o afastamento de John e a estadia no flat permitia com que o médico pudesse conciliar as coisas que mais amava. Além do mais, ela gostava da companhia da Sra. Hudson. Molly Hooper passava por lá várias vezes, sempre perguntando se precisava de algo. Gregory Lestrade também fora visitar e até mesmo Mycroft em uma de suas passagens para implicar com Sherlock e pedir-lhe favores, levou um presente para a pequena Natalie. Ao entregar, desculpou-se por ser uma roupa de menino, mas afirmou que não fazia diferença nenhuma naquela idade e que, em sua defesa, ele não sabia que era uma garota.

As coisas seguiam um rumo agitado da forma mais tranquila possível.

E Sherlock Holmes se habituara ao seu mais novo cargo de babá emergencial. Como John continuava trabalhando na clínica e Mary muitas vezes precisava tratar de outras coisas ou até mesmo auxiliar o marido, Sherlock era quem cuidava de Natalie.

Gradativamente, conseguiu aderir informações sobre Natalie ao seu palácio mental. A garota, com quase um ano, ficava radiante ao ver Mary e John. Gostava do cheiro da Sra. Hudson e de puxar o cabelo de Molly. Sentia curiosidade com o guarda-chuva de Mycroft e tentou agarrá-lo uma vez. Adorava morangos, detestava banhos.

Em uma das tardes, Sherlock observava Natalie brincar no cercadinho que colocara no meio da sala. Ela jogou acidentalmente uma pelúcia na direção do detetive que tinha a cabeça ocupada com o livro que estava folheando. “O que esperar dos primeiros meses do seu bebê.” Ao redor, vários outros títulos sobre crianças em idade tenra eram visíveis. Ele saíra de sua postura impecável e sentara ao lado do cercado que impedia que a criança se aventurasse em partes desconhecidas e perigosas da casa. Natalie começou a emitir sons desconexos, quase como se já tentasse falar.

–É angustiante ver sua luta para formular palavras, por favor, faça isso quando eu não estiver aqui. – disse devolvendo o ursinho de pelúcia que a garota tornou a jogar para longe. Ao lado dos olhos grandes da criança, uma frase surgiu na mente de Sherlock, mais uma informação.

Odeia bichos de pelúcia.

Holmes franziu o nariz ao sentir um cheiro estranho.

–Ah, Natalie... – resmungou enquanto a erguia por debaixo dos braços. A garota sacudiu as pernas no ar e deu uma gargalhada.

Outra informação surgiu ao lado de Natalie, visível somente para Sherlock.

Ama Sherlock.

Sherlock colocou-a no colo propriamente.

–Eu também, seu grande amontoado de cartilagem.

19 anos depois

–Pai? – a garota nem ao menos bateu na porta antes de irromper no escritório como um furacão. O lugar estava repleto de diplomas e recordações de quaisquer pequenas conquistas que tivera em sua vida acadêmica. “Natalie S. Watson, 1º lugar em soletração” e afins.

–Ah, Natalie! Que susto! – John jogou de lado umas folhas de papel nervosamente – Você não deveria estar na faculdade? Se estiver matando aula na casa dos seus pais, não é tão inteligente quanto eu pensava.

Sorriu abertamente e levantou-se para abraçar a filha que tinha quase a mesma altura que a sua. Característica pela qual ela o culpava sempre que podia.

“Só mais cinco centímetros seria ótimo! Aí eu não precisaria ter que mandar costureiras diminuírem as bainhas de todas as minhas calças”.

–Pude vir mais cedo graças ao feriado – explicou.

–Isso é ótimo! Vai ficar quanto tempo?

Natalie Watson deixou a pergunta pairar no recinto, sem resposta. Sua atenção estava presa aos papéis na mesa do pai.

–São sobre o meu padrinho, não é? Sherlock Holmes – questionou enquanto remexia em alguns, lendo palavras soltas no texto. – Você imprimiu as histórias do blog.

–Um agente ligou e perguntou se eu não tinha interesse em transformar em livro.

Natalie somente assentiu e acautelou-se antes de continuar. Sabia que pisava em um terreno doloroso.

–O senhor ainda sente muita falta dele, não é? A mamãe sempre fala que... Bom, ela conta muitas histórias. Mas fica difícil acreditar em todas desde que ela tentou me convencer de que era uma assassina treinada.

John sorriu nervoso.

–Ah, claro. Sua mãe inventa várias coisas.

–Eu lembro um pouco de algumas coisas, sabe? É como uma sombra nas minhas lembranças, mas eu consigo recordar de... Eu não sei. É estranho. Passei por Baker Street, em frente ao apartamento onde vocês moravam, e senti como se... Estivesse triste.

John engoliu em seco.

–Você era muito nova quando ele morreu, não pode lembrar-se de tanta coisa, mas... Ele gostava muito de você. Foi até a sua babá, por incrível que pareça – sorriu sem muita alegria – Leu vários livros de bebê e vivia aparecendo com um ou outro fato irritante. “Não pode fazer isso... Não pode comer aquilo...” Ligava no meio da madrugada – havia irritação no tom de John, mas Natalie sabia que não era por causa das noites em que fora acordado – para ter certeza que eu não tinha deixando você dormir na posição errada. Você se dava muito bem com ele, ficava calma e nunca chorava. Ele a chamava de “amontoado de cartilagem”.

Ambos riram e, dessa vez, a risada tinha um tom menos melancólico.

–Tenho certeza de que ele era um grande homem. Adoraria tê-lo conhecido melhor. Aliás, é graças a ele que eu sempre tive o nome mais estranho de todos os meus colegas de infância.

–O que há de errado com Natalie Sherlock? Você nem usa o segundo nome, pode passar a vida inteira sem que as pessoas ao menos saibam seu segundo nome. Além do mais, Sherlock é um nome de menina! – retrucou o pai com o mesmo argumento que sempre usava.

–Tudo bem, John Hamish. Deveria publicar os livros, assim talvez eu tenha a oportunidade de saber quem era Sherlock Holmes. Acho que as outras pessoas também deveriam conhecê-lo. Desde que você tirou o blog do ar, a única fonte de informações sobre ele são alguns tabloides. – declarou enquanto saia do cômodo. Na porta, virou-se para olhar para trás. – Talvez eu pare de abreviar o Sherlock do meu nome e deixe as pessoas descobrirem o que significa Natalie S. Watson. – lançou uma piscadela ao pai e fechou a porta.

John sorriu.

–É... Talvez ela esteja certa. As pessoas realmente devem conhecer e lembrar-se dele. Aquele grande desgraçado, teimoso demais até para continuar vivo.

Uma lágrima furtiva escapou de seus olhos, entretanto, subitamente, John Watson começou a gargalhar. Estava feliz. Faria com que se lembrassem dele e, se Sherlock pudesse saber disso, com certeza odiaria. Esse pensamento lhe fez gargalhar com mais entusiasmo ainda.

Foi até a mesa e procurou um papel em especial. O primeiro caso.

Um Estudo em Rosa, digitou.

–Meu último presente para você, Sherlock. A eternidade.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que o correto é "Um Estudo em Vermelho", mas resolvi me basear na série. Espero que tenham gostado!