Doces Lábios da Morte escrita por Thales Henrique
Seu lar tornou-se sombrio. Sim, ele percebeu isso há muito tempo, mas nunca fez nada para mudar.
A chuva batia em sua janela. Deixe-nos entrar! Por favor, imploravam as gotas. Quando as gotas de chuva começaram a falar? Estou ficando louco, se limitou a pensar.
Estava escuro. O frio da noite de inverno abraçava-o gentilmente com um belo sorriso no rosto. O frio não sorri. O frio não é um ser vivo, repetiu para si mesmo. Sua mente era envolvida por uma confusão inesperada… Ou seria a loucura chegando? Se enganou ao achar que a morte trabalhava de forma rápida.
O miado chamou sua atenção. Tentou, mas não conseguiu mover a cabeça, apesar de senti-la flutuar. Ela dançava no mesmo lugar, após todo peso ser retirado. Sim, ele não se lembrava dos medos, das inseguranças, das dores.
Meu pequeno amigo… Eu sinto muito. O gato ergueu a cabeça, miou e realizou seu ritual costumeiro. Primeiro se esfregou nas pernas do dono, depois subiu na poltrona com um salto e, por último, deitou em seu colo. Esfregou a cabeça na mão direita do dono e esperou a esquerda fazer seu trabalho. Mas onde ela estava? Onde estava a mão que sempre fazia carinho em sua barriga?
Suas forças esvaíram e só lhe restou as lembranças. As lembranças da infância, das brincadeiras na escola, dos colegas e o primeiro amor, a menina do cabelo dourado. Pensou que a amaria para sempre, mas nada dura perante o tempo.
Visitou as memórias do primeiro emprego, o quase primeiro encontro, as mentiras contadas pela mãe, as brigas com o pai. Passou parte da vida se condenando por coisas bobas e erradas que fez. Seu maior erro foi deixar-se prender pelas memórias.
Lembrou-se de como a casa costumava ser animada com todos os almoços e jantares em família. Recordava os abraços e beijos na bochecha das tias e avós, de tentar jogar futebol com os tios e primos. E também lembrava de como a morte os levou. Acidentes, doenças e outras diversas maneiras. Nada dura perante o tempo…
O frio não sorri. O frio não é um ser vivo. Mas ele está mais vivo do que eu. Não sentia mais os braços, ou as pernas, ou qualquer outra parte do corpo, apenas frio.
E, para encerrar o espetáculo, ela chegou, coberta pelo manto negro. Bela, angulosa e exuberante. Caminhou em sua direção seguida por alguns vultos. O felino inquietou-se, mas não se atreveu a fugir. A figura olhou para os cacos de vidro no chão com algumas pílulas espalhadas ao redor. Notou uma garrafa de vinho repousada ao lado da poltrona.
É verdade o que dizem. Uma última lembrança fez sentido. Uma conversa com um desconhecido no cemitério. A morte assume a forma do seu último desejo…
A mulher acariciou seu rosto antes de se curvar. O belo rosto se aproximou e os lábios vermelhos como sangue tocaram os seus. Aquele era o fim de uma vida. Uma longa existência de sofrimento e desventuras, mas com bons momentos e momentos não aproveitados. Valeu a pena? Eu vivi? Ou apenas existi?
E em seus últimos momentos restantes, quando tudo lhe abandonava, ouviu um miado. Um som agudo e melancólico que tocou sua alma.
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