MA - Mentirosos Anônimos escrita por Allie Moon


Capítulo 2
Alice no País das... Mentiras


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo não acontece em uma sessão.
E é narrado por Alice.
Boa leitura ^.^



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"Meu nome é Alice e eu sou uma mentirosa."

Os dias passavam cada vez mais monótonos, seja lá quem fosse deus, ele era péssimo com roteiros. Pegando minha vida como exemplo, uma jornalista com um livro publicado e um litro de café por hora na veia, "olá, sou um clichê!" mas tudo bem, quem liga? As contas estavam pagas, o FBI não estava na minha cola e não haviam corpos enterrados no meu jardim, eu não tinha um cãozinho chamado Marley, e nem um filho possuído pelo capeta; e tudo isso era tão certo quanto o desperdício de 24 anos da minha vida em meu mundinho inexistente. Um vício? Talvez, nunca havia pensado nisso como pensava em café.

Minhas férias terminavam dentro de duas semanas e, até então, não havia aproveitado nada. Com mais uma caneca de café cheia em mãos, decidi seguir para o quartinho da criação.

O quartinho da criação era um cômodo qualquer da casa, todavia, com uma decoração bem mais moderna. Os papéis espalhados pelo chão e os rabiscos nas paredes poderiam me acusar de manter uma doente mental em cativeiro por ali, mas não era bem assim. A mesa e o laptop encontravam-se lamentavelmente soterrado sob a poeira, aquilo era quase como uma representação da minha própria mente; um emaranhado de coisas aleatórias e desconexas tentando fazer algum sentido, sem sucesso. Talvez por esse motivo ainda não havia arrumado aquela bagunça. Sentada com os pés sobre a mesa, abro o laptop e decido finalmente voltar ao que chamava de "País das Maravilhas" - apenas mais um de meus muitos clichês.

País das Maravilhas era um de meus muitos projetos, um dos projetos onde eu narrava minha própria vida, ou ao menos o que ela era para mim. Já havia escrito cerca de mil palavras quando ouvi o celular tocar.

— O que quer de mim hoje? — Pergunto secamente ao atender a ligação, era Jess, minha melhor amiga desde o Ensino Fundamental... Ou algo assim.

Do outro lado da linha ela continha gritinhos e risadas.

— Estou indo aí, chego em dez minutos. — Foi sua única resposta segundos antes de desligar. O lugar estava imerso no silêncio novamente, porém dessa vez o silêncio tinha um curto prazo de validade. Deixo o laptop aberto e sigo para o quarto, que era logo ao lado, para vestir uma roupa. Uma das melhores coisas em morar sozinha era poder sair da cama seminua como estava, todos os dias.

Tomo o restante do café que sobrara na caneca e destranco a porta, jogo-me no sofá e pego um dos livros jogados pelo chão da sala. Mentalmente, contava regressivamente.

5.

4.

3.

2.

Jess surge escancarando a porta com o maior sorriso que já havia dado. Se de orelha a orelha era largo o bastante, seu sorriso se encontrava na testa.

— Larry Kyle me convidou para jantar! Larry Kyle! — Ela pulava como uma perereca alterada. Eu achava engraçado toda aquela "serelepidade" de Jess. Era como se estivéssemos no colegial de novo.

— Ok. Você vai pegar o Sr. Gostosão. Quando? — Ajeito-me no sofá olhando-a com curiosidade, nada mais curioso que aquele possível casal. Talvez o caso de Benjamin Button...

— Sábado às oito. — Jess se joga em mim fazendo-me voltar a cair deitada no sofá.

Pelo menos as féria de alguém estavam sendo boas.

— Coincidência! Tenho um encontro no mesmo dia! — Esboço um largo sorriso, um daqueles tão reais que até você acredita. Tudo bem, eu acho que sou uma péssima pessoa por não aceitar a felicidade de minha melhor amiga.

— Oh meu Deus! — Ela berrou afastando-se um pouco apenas para exibir seus perfeitamente-brancos-e-alinhados-dentes em um sorriso. — Não brinca! Finalmente você vai desencalhar? Não, eu não acredito!

Dou um soco de leve no ombro de Jess e finjo uma careta de desaprovação.

— Todo mundo merece um Sr Gostosão. — Resmungo com os olhos fechados como se filosofasse.

— Achei que já tivesse entendido, é como sua mãe dizia, você não é todo mundo... — Ela brincava dando uma piscadela.

— Vadia. — Empurrei-a para o lado. E ali se formava uma nova bola de neve... Estava mesmo demorando.

— Vamos, conte-me tudo! — A morena pedia, quase suplicava, enrolava uma mecha de seu cabelo em seus dedos e logo soltava, eu odiava aquilo... Mas quem sou eu pra criticar uma mania?

— O nome dele é Theo. — A bola ainda estava pequena, eu poderia pará-la, mas se havia algo que aprendi com os anos, foi que uma mentira nem sempre rola e enrola, as vezes ao invés de uma bola de neve, criamos uma avalanche.

Suspiro com um sorriso bobo no rosto enquanto uma imagem de alguém inexistente, porém perfeito, se formava em minha mente. Já não importava se ele existia ou não, era uma questão de aparência, e tudo que queria aparentar naquele momento era alguém que estava aproveitando verdadeiramente a vida, então apenas deixo-me seguir. Jess estava a todos ouvidos.

— Nos conhecemos no meu Café preferido, ele estava lendo meu livro e quando entrei não demorou muito para que ele me reconhecesse. Ele é escritor, e corretor de imóveis, tem 26 anos e mora em um apartamento no centro da cidade. Passamos a tarde juntos lá pelo parque, ele me trouxe em casa e marcamos de sairmos no sábado. — Terminei a explicação coçando a nuca desajeitadamente, ainda não estava acostumada com aquilo. Era mentira, e eu sabia que era mentira, mas ainda assim aquela sensação percorria meu corpo em um misto de timidez e ingenuidade. Lá estava eu outra vez, apaixonando-me por uma invenção da minha própria imaginação.

— Oh meu Deus! Já simpatizei! — Jess realmente parecia feliz por mim, o que era algo que ao mesmo tempo me aliviava e magoava.

Levanto-me e sigo para a cozinha, precisava de mais café, sem dúvidas precisava de mais café. Encho a caneca até a metade e recosto-me no balcão da cozinha, Jess parecia animada, não parava de falar um segundo, falava sobre nossos antigos casos e como ela sentia falta de tudo aquilo, das nossas saídas e as merdas que fazíamos. Ela não fazia ideia de como eu também sentia falta daquilo.

Jess, além de minha única amiga, era a única pessoa com quem eu conversava regularmente. Ela sabia de cada projeto meu, cada ideia e claro, de todos os meus podres. Eu nunca me importara com aquilo, ela não se importava, por que eu me importaria? Volto de meus devaneios apenas com um berro de Jess.

— Oi? Alguém aí? — Ela acenava em frente ao meu rosto.

— Só estava pensando no meu novo projeto... — Recentemente criado, com o título Sr Gostosão que jamais existirá resmungava mentalmente para mim mesma.

— Adoraria vê-lo. — Jess levanta uma sobrancelha. Ela estava falando de... Ah, não! Ela não podia ler aquilo! De súbito lembro que deixei o laptop aberto. Vejo-a correr em direção ao quarto da criação, bastava uma passada de olhos e ela descobriria sobre as sextas-feiras e o que realmente faço nelas. Corro atrás de Jess enquanto ela ria como uma criança, eu gostaria de levar as coisas tão descontraidamente, mas não conseguia. Tropeço em meus próprios pés caindo e puxando o cabelo de Jess, fazendo-a cair comigo.

— Vaca! — Ela murmurava tossindo uma risada e fazendo uma careta.

— Pelo menos sirvo pra dar leite, né? — Dou língua de forma infantil. Agora estava mais relaxada, embora estivesse no meio do corredor com o joelho dolorido e aquela sensação ruim que sempre me vinha ao não poder explicar algo para ela.

— E pra ser comida. Você adora essa utilidade, assuma. — Ela tomou um ar sarcástico e sorriu de canto, mas logo aquele tom altivo se desfez com um leve soco em meu ombro.

— Ainda não pode ver aquilo, só quando estiver pronto. É uma surpresa. — Tentava me explicar enquanto ajeitava o cabelo em um coque no alto da cabeça.

Jess não parecia se importar, apenas deu de ombro e se levantou me estendendo a mão em seguida.

— Ok. Mas quero matar a saudade de nossos passeios. — Ela arruma o cabelo para o lado e pega o celular para ver alguma coisa, logo prossegue — Sábado. Sempre quis ter um encontro duplo.

Tento não demonstrar o desespero e formular alguma desculpa em minha mente. Abro e fecho a boca várias vezes enquanto acompanho-a até a porta, mas nenhum som sai de minha garganta. Ela estava focada em algo no celular e eu realmente preferia não acreditar que era o que eu estava pensando.

— Preciso ir agora, tenho umas coisas pra resolver com a família, já está marcado. — Ela balança o celular a minha frente.

Merda! Merda! Merda! Mil vezes merda!

Engulo em seco. O sorriso sincero de Jess simplesmente me deixava sem reação.

"Pensa algo, cacete! Rápido!"

— Então... Nos vemos sábado. — Jess acenou passando pela porta e deixando-a aberta, eu apenas a via se distanciar, mas ela virou-se uma última vez — E veja se não se perde em seu País das Maravilhas, senhorita "Alice" — Ela fazia aspas com os dedos no ar antes de virar-se novamente e passar pelo portão, deixando-me apenas com minha mudez momentânea.

Meu nome não é Alice, mas eu sou uma mentirosa. E agora, uma mentirosa com um encontro duplo... E sem um acompanhante.


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Notas finais do capítulo

Acho que Alice está meio ferrada... Que acha? hehe
Fiquem a vontade para comentar o que acharam do capítulo.
Até a próxima ^-^



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