Finais quase felizes escrita por Jay Wolf


Capítulo 2
Capítulo 1 - Destino




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Os pesadelos estavam se tornando piores. Neles, Dominique se via envolta por fogo, que ia lentamente sufocando-a. Atrás da fumaça espessa e do cheiro ocre, ela via a mãe, um ser cadavérico que a olhava sem expressão alguma em seu rosto. Se girasse mais um pouquinho, podia ver o pai. Não o alegre pai de quem ela tinha uma vaga lembrança, aquele sorridente e que gostava de rodá-la nos braços enquanto os dois se acabavam de rir. O que via era o que ele havia se tornado. Embora o tivesse visto apenas uma vez desde que crescera, aquilo ficara mais gravado em sua memória do que suas lembranças de quando era pequena. As feições estavam caídas, e o corpo engordara. Os cantos da boca se tornaram severos, e os olhos duros como pedras. Era insuportável olhar.

E se girasse mais um pouquinho... aí poderia vê-lo. Seu príncipe. Suas feições estavam borradas, mas ela sabia que era ele. Gritava por socorro e tentava chegar até onde ele estava, mas a parede de fogo estava sempre no caminho. E então, lentamente, ele sorria para ela.

Um sorriso cruel.

E depois ia embora junto com os outros, enquanto lentamente o circulo de fogo a envolvia...

– Socorro!

Dominique se sentou de uma vez na cama, arfando e suando. Por um momento, teve a sensação de ainda estar presa ao sonho, ou dele ter se tornado realidade. O calor do fogo próximo esquentava o ambiente e as sombras bruxuleavam e davam um aspecto sombrio à cabana. Ela conseguia até ouvir a lenha estalando enquanto o fogo lentamente a consumia.

Por fim, ela arriscou olhar para a direita. O fogo estava aceso, e uma panela exalando cheiro de ensopado estava pendurada acima das chamas. Sua avó estava sentada em uma decadente cadeira de balanço e, enquanto se balançava, cantarolava baixinho uma velha canção da floresta. Parou de trançar as ervas secas por um momento e olhou para Dominique, abrindo um sorriso sem dentes.

– Pequena Domi teve pesadelos?

A garota assentiu e tentou espantar aquilo da cabeça.

– E o que Domi sonhou?

– A mesma coisa, Mama. Sempre a mesma coisa.

Ela grunhiu ao jogar as pernas para fora da cama e encostar os pés do chão gelado.

– Péssima mentirosa essa Domi. Péssima mentirosa. – A avó olhou-a intensamente. – A floresta conhece tudo, criança. Inclusive seus sonhos.

Dominique suspirou. Era impossível enganar a avó. Levantou-se e lavou o rosto na água de uma bacia.

– Dessa vez eles foram embora. Me deixaram sozinha com o fogo.

A avó pegou outras ervas e também começou a trançá-las. Pacientemente, esperou que a garota se sentasse em frente a ela, após espiar o que havia no cozido.

– E Domi acha que ficar e rir é melhor que ir embora. – Ela tinha aquela mesma expressão de quando voltava de uma de suas misteriosas reuniões com os Velhos Guardiões. Uma expressão sábia, mais do que o comum, como se de repente tivesse envelhecido. Mais ainda.

– Pelo menos, quando eles ficavam, eu podia continuar gritando por ajuda e ter alguma esperança de que talvez pudesse fazê-los mudar de ideia, Mama.

A velha assentiu.

– Cada um tem seus monstros para enfrentar. Pequena Domi tem os seus. Bom ter esperança.

Dominique por um momento ficou perdida em seu passado turbulento, recordando-se das poucas coisas de que fora capaz de guardar. Ela observou a avó levantar-se com dificuldade e pegar a panela de ensopado.

– Eu ajudo a senhora. – Ela também se levantou de um salto e tentou pegar a panela da avó. A mulher porém, se esquivou.

– Esta velha ainda consegue carregar uma panela. Vista-se.

Dominique virou-se contrariada e vestiu suas calças surradas e firmes, as botas de caçada e uma camisa de botão de tecido leve e mangas compridas. Depois, jogou a capa por cima dos ombros e prendeu os longos e fartos cabelos ruivos em uma trança. Quando se virou, a capa verde musgo rodou junto com ela e provocou um pequeno sorriso da velha senhora.

A garota caminhou até a mesa e se serviu do famoso ensopado da avó. Inspirou o cheiro familiar da comida e se concentrou em expulsar o resto do pesadelo da cabeça. Quando finalmente achou que era seguro seguir em frente sem recomeçar a tremer, comeu tudo. Quando terminou, a avó pousou uma cesta em frente a ela.

– Pequena Domi deve levar essa cesta até o castelo, mas deve tomar cuidado para não ser vista.

A garota assentiu. Já fazia isso há algum tempo, levando as poções e misturas da avó até o povo da cidade e os servos do castelo. Não seria um problema se esconder, principalmente porque não queria ser vista por ninguém do castelo. Ninguém.

Ela pegou a cesta para sair, mas a avó segurou-a pelo braço com uma força inacreditável, impedindo-a de sair.

– Pequena Domi deve voltar antes de escurecer. E... – A avó se calou por um instante incômodo enquanto analisava Dominique. – Cuidado. Muito cuidado.

Dominique estranhou. Havia algo de incomum na voz da avó. Uma cadência que ela nuca vira a velha mulher usar, algo que beirava a tristeza, o medo... o desespero?

A garota franziu a testa. Isso não era possível. Em todos os anos em que passara com a avó, o que significava uns bons 15 anos, sempre a vira como seu porto seguro, calma e repleta de conselhos, com uma sabedoria infinita vinda da floresta.

– Tudo bem. – Ela murmurou um tanto assustada. A avó a soltou e voltou às suas ervas.

Quando a garota saiu e sumiu na Floresta Sombria, a velha encarquilhada balançou sua cabeça tristemente e murmurou:

– Ah, pequena princesinha. Hoje seu destino será selado. E esta velha teme que não lhe será agradável.


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