O olhar de Gale agora é mais acusador e está em chamas, cheio de raiva. Também posso ver a repulsa. Engulo em seco, mas não desvio os olhos. Tenho que encarar a situação a minha frente e dessa vez, sozinha. Não é uma atuação, é real.

– Isso é verdade? Você está mesmo grávida? - A acusação e a repulsa também estão na sua voz.

– Sim. - confirmo com um gesto de cabeça.

Ele bufa.

– Não era tudo encenação? Tinha câmeras no quarto? Tiveram que encenar uma noite de núpcias Katniss?

– Não.

– Então você e Peeta... - ele não termina a frase já sabendo a resposta e balança a cabeça não acreditando. - Quando ia me dar o fora? Ou não mereço nem isso? - seus lábios cospem as palavras, e me machucam.

Continuo olhando para ele.

– Gale não é fácil sair, Peeta está me dando cobertura para que eu pudesse vir aqui falar com você...

Ele ergue as sobrancelhas irônico, me interrompendo.

– E me explicar que vocês dois decidiram viverem felizes para sempre? - suas narinas se dilatam e ele fecha os olhos com um pesar profundo soltando a respiração. - Esses eram nossos planos Katniss. - Me olha com uma expressão derrotada. - Meu e seu. E você está realizando tudo com ele. Você disse que enquanto houvesse Colheitas nunca teria filhos, mas com Peeta não pensou duas vezes.

– Por favor Gale. - murmuro. - Não me julgue também. Já estão fazendo isso o suficiente, então por favor, pare. - estou a beira das lágrimas. A expressão de derrota em seus olhos está acabando comigo.

Ele encara o chão, triste, porém com o rosto um pouco mais suavizado.

Não sei se posso suportar essa expressão. Mais acusações. O que dizer a ele? Que me sinto culpada? Em parte por fazê-lo sofrer. Que ficar com Peeta foi sem querer? Não. Não foi nem um pouco.

Como dizer a ele que o que eu sinto agora é apenas um amor profundo por um irmão mais velho, um grande amigo, e que mesmo naquele turbilhão de sentimentos e acontecimentos, as coisas, os sentimento, mudaram. Como dizer a ele o que para mim também é estranho. Eu amo Peeta e a ideia dele voltar para a arena me apavora.

Na manhã seguinte ao nosso casamento eu sabia o que estava sentindo, só não queria admitir pois seria como dar a Capital o que eles queriam e eu sentia muita raiva, como se estivesse obedecendo. Mas agora eu sei. Sinto falta da serenidade, da tranquilidade, do azul puro e inocente que sempre me faz rir e que nunca vi nos olhos de Gale.

– Me desculpe. Eu sinto muito. - é tudo que consigo dizer.

Ele dá um sorriso triste.

–Devíamos ter fugido para a floresta como você tinha falado.

Abaixo a cabeça, já não sei mais se faria isso. Ele percebe minha incerteza e se afasta. Pula as pedras do riacho e se senta numa grande rocha no meio dele. Vou até ele e me sento ao seu lado.Olhamos para o céu límpido de inverno.

Ficamos em silêncio por um tempo, sentindo o sol nos aquecendo. Por que não há mais nada que ele ou eu possamos dizer. A vida é como tem que ser e tudo acontece mediante nossas escolhas. As vezes certas, as vezes erradas, não dá para prever. Por fim, Gale quebra o silêncio.

– Eu amo você Katniss. Sei que eu faria você muito mais feliz. Por isso quero que me responda uma coisa e seja sincera.

Fico olhando esperando.

– Você ama o Peeta?

Não sei se ainda consigo verbalizar a resposta. Então só balanço a cabeça assentindo. Mas meus olhos não mentem e ele vê isso.

Ele fica em silêncio mais uma vez, quebrando-o em seguida.

– A única coisa boa em tudo isso é que você não vai mais voltar para a Arena.

Balanço a cabeça em negativa.

– Isso não é verdade, vão fazer a Colheita entre os vencedores.

– Mas você está grávida. Não podem te mandar para lá.

– Tenho certeza de que se o Presidente Snow quiser, isso não irá impedi-lo.

Ele solta o ar com raiva.

– Então tenho que dar um jeito para que eu seja sorteado também. - me olha com carinho. - Posso proteger você lá. Sabe disso não sabe?

Sei. Não tenho dúvida alguma, mas também sei que isso não vai acontecer. Olho para ele triste por que sei que logo a decepção vai se instalar no seu rosto. De novo e não aguento mais fazê-lo sofrer assim.

– Se eu for sorteada, Peeta vai se oferecer como tributo no lugar de qualquer outro que for sorteado, ele não vai me deixar sozinha, e eles vão aceitar por que é o que eles querem ver. O casal apaixonado de volta a arena.

Gale fez uma expressão de dor e ódio.

– Isso é doentio.

– Esses jogos são doentios. Afeta nossa alma, afeta quem somos. Sempre tenho pesadelos com as pessoas que matei. Pessoas que eu nem conhecia e que fui obrigada a matar para ficar viva enquanto todos na Capital vibram e torcem pelos seus competidores.

Ele me olha e com o polegar enxuga uma lágrima que cai pelo meu rosto.

– Eu não vou desistir de vo...

– Gale não. Por favor...

Ele me silencia pondo o indicador nos meus lábios.

– Não vou desistir de você. E se você for para a arena, me promete que vai ficar viva aconteça o que acontecer?

Eu aceno com a cabeça.

– Sim. E se eu for para arena você promete que vai cuidar de minha mãe e Prim?

– Vou protege-las, não se preocupe. Você será a grande luz que libertará todos nós Katniss.

Sinto um peso grande. Serei mesmo? Me sinto assustada demais para libertar qualquer coisa, até eu mesma. Não quero ser responsável por mais vidas, ou mais mortes. Dentro de mim uma pequena vida cresce e já está ameaçada. Dou-lhe um abraço apertado, mas agora ele sabe que é só um abraço de amigos. Ele entendeu e está sofrendo. E eu sofro junto.

– Obrigada.

Me levanto, pulo as pedras do riacho e chego a margem. Gale continua sentado lá. Eu aceno em despedida e ele responde. O nó em minha garganta cresce e meu estômago revira. Será que é a ultima vez que irei vê-lo? Não tenho certeza de nada. Só das lágrimas correndo.