Sanguinem Locker escrita por Solace


Capítulo 2
II - Noctua




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Estou em um corredor apertado, apoiado na parede de trás, há apenas um pequeno feixe de luz que revela uma porta não muito à minha frente. A luz começa a piscar, oscila por torno de sete segundos e então apaga, me deixando cego em meio ao breu, a sensação é apavorante, não sei mais o que há na minha frente, a luz acende de novo, meio falha, espero um pouco e tento andar, assim que dou o primeiro passo a porta se abre completa e lentamente. Um arrepio sobe por todo o meu corpo e provoca uma sinistra cócega na lateral direita de meu pescoço. Não preciso temer, não há o que temer. Tento me situar e por uma fração de segundo me encontro calmo, até que no fundo do corredor, enxergo através do portal: Uma entidade fantasmagoricamente branca, em meio a escuridão, correndo ao meu encontro.
Perco o fôlego e tento empurrar as paredes invisíveis, nada acontece, a criatura continua a correr, desesperado abro a boca, até ali meu pânico estava à um nível razoavelmente absurdo, até que tento gritar, minhas cordas vocais estão secas, minha garganta arde em agonia, perdi a voz . Aperto meu pescoço com uma mão, meu cérebro se contorce, continuo tentando gritar, viro para trás e bato na parede com força, é inútil. Olho para a criatura e já não consigo mais descrever minha sensação. "Ele" é morbidamente pálido, mede cerca de um e noventa, não possui nenhum pelo e nenhum órgão íntimo, porém apresenta um sinistro aspecto musculoso, como se seus pálidos músculos estivessem à mostra, tento examinar seu rosto... Merda! Não possui boca, ao invés disso tem um sinistro conjunto de pontos costurados, ele não tem pálpebras, seus olhos são extremamente vidrados. Psicopata. Estou prestes a chorar, ele se aproxima com muita velocidade, me pressiono contra a parede com tanta força que sinto que posso cuspir todo o meu sangue. Ele já chegou na porta, faltam uns quatro passos para chegar até a mim, merda. Fecho os olhos e solto um dolorido suspiro. Acho que estou morto.

Abro os olhos arregalados. MAS QUE PORRA?!
Um pesadelo... Um puta pesadelo. Cacete. Ouço meu batimento cardíaco exageradamente rápido, tensionando cada centímetro de meu pulmão, há um zumbido em minha cabeça, alternando entre os ouvidos, saltando de um lado para o outro a cada segundo. Tento me concentrar no fôlego, sento na cama, repousando a testa sobre uma mão. Após um ou dois minutos Gya abre a porta.
– Al... Ah! Já acordou?
Fui– Perco o fôlego. - ... Mas que merda.
– O que houve?
– Nada, foi só a droga de um pesadelo.
Ela se preocupa em forçar uma vaga preocupação, por que ela teria algum interesse em mim?
– Tá, vamos, é hora de acordar, Venandi Lúmen!
Acende no momento a esfera que ela segura, a garota anda até o meio do salão principal, espero alguns segundos e levanto, digo as mesmas palavras em um tom mais baixo, pego em cima da mesa a bola que agora brilha, sigo ela.
– Por que um mesmo feitiço não vale para mais de uma dessas... Bolas?
– O nome disso é Luxy, eram muito usados antigamente em escavações, expedições à lugares escuros e esse tipo de coisa, então, imagine que desastre, todos aqueles homens em uma caverna escura, dependendo apenas dessas coisas para enxergarem, e de repente Nox!
– Entendi. Parece que alguém andou fazendo o dever de casa. -Ela tenta começar a andar em direção à escada, mas a interrompo.
– Gya.
– Sim? - Ela me lança um olhar desconfiado.
– Por que não me matou quando teve a chance, ou me largou ali mesmo na biblioteca? Digo... Você falou que era impossível eu ter entrado aqui por acidente, para quê me manter por perto?
– Não sou o tipo de garota que mata gente aleatória, querido, ainda estou te analisando, você me pareceu um muito desleixado na biblioteca então não tive muita suspeita, de qualquer forma preferi te manter por perto, não preciso de mais um maluco à solta tentando me assassinar, então ainda não sei se acredito ou não em você.
Nossa, que charme.
– O que?
– Duvidando de uma pessoa com amnésia, com certeza você vai se jurar a um deus maligno.
– Ah, cala a boca.
O ambiente está parcialmente iluminado pelas Luxies, Gya está com o cabelo solto, a medida dele vai até o meio de suas costelas, seu tom de pele é quase o mesmo que o meu e ela aparente ter cerca de dezenove anos, assim como eu. Repetindo, ela é bonita. Como uma garota assim veio parar neste lugar?
Presto atenção ao redor, ainda não tinha notado, mas o lugar é extremamente sombrio e macabro, há dois corredores de pilastras rachadas que formam um caminho da porta principal até as escadas, o piso é cinza escuro e quebradiço, em intervalos entre uma pilastra e outra há estátuas de criaturas que não conheço, com feições demoníacas, o teto é extremamente alto, apesar de o salão só apresentar dois andares, há algumas janelas ao lado de portais no segundo andar, quando as vejo me bate uma profunda sensação de claustrofobia, ainda estava aquele brilho vermelho da noite.


– Por que é que ainda não está de dia?!
– Lembra que eu também não sei onde estamos? Mas só me lembro de casos assim em...
– O quê?
– Construções infernais.
Ótimo, sério, a situação só melhora. O fato de existir essa possibilidade já faz minha cabeça doer.
– Cacete, como é possível que-
– Calma! - Ela me interrompe. - Se entramos foi por um motivo, certo? Só precisamos achar nossas memórias, acredite, estou assim a mais tempo, entrar em desespero não ajuda em nada.
– Tá, tá, então o que estamos procurando exatamente?
Ela pucha de sua bolsa um pequeno livro, o abre em uma página e me entrega, parece mais um bloco de anotações, sua folha é envelhecida. Está escrito "Atrium Memento", algumas explicações em latim e o que parece ser uma runa, um círculo pequeno circunscrito em outro circulo, na extremidade superior do circulo há um triangulo e nas extremidades do canto de baixo esquerdo e direito há outros dois círculos, do tamanho do circulo central.
– Isso é um feitiço para perda de memória, o achei não muito tempo antes de você aparecer. Mas o livro não menciona nenhum contra feitiço, é tudo o que tenho aqui.
– Um contra feitiço, certo, quanto do castelo você já explorou?
– Apenas este andar, mais alguma pergunta?
– Por que você simplesmente não se jura à um deus que tenha poderes temporais, ou algo assim, clériga?
– Não é tão simples assim, depois que você se jura a um deus só vai poder usar os atributos que ele te oferece, é como se eu me jurasse para Afrodite e passasse o resto da minha vida fazendo poções do amor.
– Afrodite podia ter o rosto que quisesse, enganou um dos deuses mais sábios, manipulou a milhares de homens e causou guerras épicas com apenas um estalar de dedos, sua profana.
– Olha só! Alguém aqui não está mais sofrendo perda de memória, se sabe tanto já pode tirar a gente daqui.
Isso é bom, meu conhecimento volta aos poucos, ao menos não ficarei retardado. Subimos as escadas, há um espaço no meio, à frente das escadas, que dividi o andar em dois lados, chegamos a um portal na parede esquerda do andar.
– Não sei se é bom que a gente se separe, fique atrás de mim, ainda não sabemos nada sobre esse lugar. - Só que ele fica no inferno e nunca encontraremos a saída. Ela puxa seu punhal com uma mão e ilumina o caminho com a outra, sigo atrás dela, o corredor tem a mesma estrutura velha e macabra que os outros cômodos, mas o pesadelo me traumatizou um pouco, o fato de estar em um corredor escuro me deixa agoniado.
– Não posso ter uma arma também? Saco.
– Vai com calma, já disse que ainda não confio em você. - Estou atrás, mas consigo notar suas bochechas se esticando, ela está sarcasticamente sorrindo.
Ótimo! Quando nós dois estivermos a um segundo de morrer você vai se-
– Shh! - Ela me interrompe, deve ter visto algo, paramos atrás do portal que leva ao interior da sala, ela acompanha o movimento dos olhos com sua Luxy, o corredor é estreito então não enxergo o que há à frente. Ela dá lentos passos, a sala se parece com a biblioteca, mas as estantes estão organizadas nos cantos da sala, e a luz da noite aqui é ainda mais sinistra, não se parece mais com o brilho noturno das estrelas, agora se parece com o resultado que se obtém quando você coloca uma lanterna sob um tanque de sangue.
Haviam símbolos brancos marcados no chão negro , parecidos com o que vi no livro, haviam duas mesas grandes, uma em cada canto, na mesa direita haviam vários papéis e velas apagadas, na da esquerda haviam vários potes de vidro em diversos formatos , alguns tinham as extremidades pontudas e inscritas em outros potes, havia uma combinação forte de cheiros pela sala, a maioria desagradável.
– Interessante. - Gya soa curiosa.
– Parece um laboratório de alquimia.
– Exatamente, deve ter algo que nos ajude.
– Claro, logo logo alguém aparece com a pedra filosofal.
Ela cautelosamente se aproxima de uma estante e começa a ler os títulos dos livros, um por um, até que puxa um livro sem capa dura, parece mais um conjunto de anotações velho, ela começa a folhear as páginas. Pelo canto do olho vejo um vulto.
– Gya.
– O quê? - Ela fala propositalmente rude, parecendo bem interessada no livro.
– Vi alguma coisa.
– Ah, jura?
– Olha, se tivesse acontecido há algumas horas eu teria culpado meu cérebro perturbado e desconsiderado, mas já notei que esse lugar tem alguma coisa muito errada, uma coisa do tipo: Psicopatas, paredes que engolem sangue e simplesmente o fato de estarmos no inferno, porra! Aliás... Aqui é bem mais frio do que eu imaginava.
– Se está tão preocupado, por que não me ajuda a-
Infelizmente ela é interrompida, do centro do salão se materializa em sombras uma criatura literalmente negra, com formatura humana, mas os ombros são muito largos e os braços curvos como foices. Ele se curva e dá uma patada na barriga de Gya, que solta o livro e a Luxy e cai pra trás de braços abertos, então ele se vira para mim, merda, essa coisa não possui rosto, apenas uma boca sinistramente grande com um conjunto macabro de dentes enormes, pontudos e sanguinários, ele corre em minha direção emitindo um som que se parece com o de um rosnado. Corro para trás, tentando encontrar algo que possa me ajudar, mas as Luxies se apagaram e a iluminação macabra não me permite enxergar muito. Minhas costas se batem com a mesa da extremidade direita, e ele se aproxima, arregalo os olhos em desespero e então ele é atingido.
Umbrosis Exumen! - Gya conjura com uma Luxy uma luz azulada, e pega com a outra mão seu punhal, que brilha em conjunto, o demônio ruge em agonia, se esgueirando à luz. Ela mira a luz nele como se estivesse o atingindo com um lança-chamas, até que a criatura segura uma estante e a lança em Gya, ela desvia impecavelmente para o lado, mas dá tempo à criatura de correr em sua direção e dar outro murro, o impacto a lança para cima da outra mesa, fazendo com que os papéis sejam arremessados ao ar e derrubando seu punhal e sua Luxy, quando observo os dois brilhando simultaneamente na mesma cor noto que eles trabalham quase como um escudo e uma espada, a criatura "olha" novamente em minha direção e corre, em quatro patas, quanto mais ele se aproxima mais meu coração acelera, tenho que ser esperto, quando chega a um metro de distância ele se curva, é agora, dou um giro para o lado e a criatura salta, se chocando contra a parede e caindo em cima da mesa. Corro o mais rápido possível para o outro lado da sala, viro a cabeça e ele já se recompôs, pronto para se lançar em mim novamente, olho para a Luxy e o punhal brilhando em conjunto, quase tombando pego o punhal e me jogo para cima da mesa com cuidado para não pisar em Gya, quase desacordada, quando me viro pra trás ele está aqui, com os braços quase em meu rosto, a batida de meu coração martela incansável em minha cabeça, mas não há tempo, me agacho e enfio o punhal em onde deveriam ficar seus olhos, o punhal brilha intensamente, a criatura bate nas estantes e dá um rugido berrante, até que se desfaz em uma nuvem de pó e fumaça negra. Que merda acabou de acontecer.
Levemente sacudo Gya.
– Hey! Você está morta?
– Não, não é assim que se trata uma donzela... Argh!

– Então confia em mim agora?

– E se você tiver tramado tudo isso?

Faço um olhar zangado.

– Claro, olha a minha cara de quem invoca demônios sanguinários todo dia, aquilo ia matar a nós dois!

– Tá bom, tá bom. - Ela se levanta meio desnorteada da mesa e pega sua Luxy, que apaga e devolve à sala o tom sombrio e vermelho, ainda estou segurando seu punhal, ela olha pra mim com um olhar confuso, então entrego a lamina à ela.

É, acho que agora já pode ter uma arma. - Ela guarda o punhal. - Acho que tenho uma pra você no quarto.

– Ainda vamos ver se tem algo aqui? - Olho ao redor e o local está destruído, estantes quebradas, livros, folhas e cacos de vidro espalhados por toda parte.

– Merda... Vou ver se ainda encontro algo útil nessa bagunça, você vai pra sala ao lado.

– Você é louca? A gente quase morreu a dois minutos e você me pede pra andar por aí sozinho?

– Pegue a sua Luxy, "Umbrosis Exumen" caso qualquer coisa apareça, temos que achar alguma coisa.
– Se eu ter sorte vou morrer tão miseravelmente quan-

– Vá logo! Em silêncio! - Ela me interrompe.

– Humpf...

Pego a Luxy que deixei cair a muito tempo e deixo Gya sozinha na sala, ando um pouco e entro no portal ao lado, iluminando o corredor vazio, da abertura já enxergo parte da sala, o brilho aqui é diferente, de um tom confortavelmente azul, chego ao meio da sala, ela é quadrada, há uma grande janela na parede da frente, com um fundo aparentemente falso de estrelas, sua borda possui várias pedras raras encrustadas, nas beiradas da sala há mesas retangulares com cadeiras, e enormes cortinas no canto direito da sala, que parecem cobrir alguma coisa. Começo a andar em direção às cortinas até que sinto um sopro em meu ombro, olho para trás e vejo um enorme par de olhos vidrados.

– Olá.

Solto um grito repentino e aponto a Luxy no rosto da criatura.

U-Umbrosis Exumen! - A esfera brilha, mas nada acontece, será que fiz o feitiço errado?
– O que é isso? - Ele fala em quanto dá um pequeno voo para trás, noto que é uma coruja, mede o tamanho de meu umbigo até o topo minha cabeça, suas pernas são longas. Desde quando corujas falam?
– O que faz aqui? Faz tempo que não vejo um jovem bonito assim, qual o seu nome? - Ele usa uma coroa e soa contente, possui um sotaque forte que não me recordo muito bem qual, tem um par de orelhas levantadas e seus olhos grandes me encaram de forma quase agradável. Se o feitiço não funcionou nele, ou é porque não é uma criatura das trevas ou é porque sou um idiota, o conjurei errado e vou morrer agora mesmo.

Éh, Allen. E o seu? - Por que estou me apresentando para uma coruja?

– Me chamo Professor Stolski, mas por apelido, da última vez que fui à terra passei algumas décadas na Russia ensinando astronomia, que tempo adorável, meu nome verdadeiro é Stolas.

S-Stolas? Tipo... Um dos príncipes do inferno?

– Eu mesmo, senhor! - Ele fecha os olhos alegremente, não sei se fico apavorado, ele ser um dos príncipes do inferno realmente me parece um bom motivo para o feitiço não ter efeito, mas por que ele ainda não enfiou as garras em meus olhos ou coisa do tipo?

Um silêncio constrangedor corre pela sala e me lembro que ele tinha me feito uma pergunta.

Ah, perdão... É... Perdi a memória há algum tempo, então não sei como vim parar aqui.

– Oh! Mas que história interessante, venha meu jovem. - Ele voa para meu lado e repousa uma asa em meu ombro, empurrando-me em direção à uma cadeira. - Você deve estar com fome.

Agora que ele disse, não como desde que acordei no corredor labirinto, quando penso nisso minha barriga solta um rude ronco. Sento em uma cadeira na parte direita da sala enquanto ele voa para trás das cortinas, quais as chances de um príncipe do inferno ser tão gentil? Ah, foda-se, ele não está tentando me matar e ainda tem comida, Gya pode esperar. Ele volta de trás das cortinas, carregando com suas patas, uma bandeja coberta por uma tampa redonda prateada que reflete a luz da janela, e a pousa em cima da mesa, ele remove a tampa e vejo o que parece ser um conjunto de muitas coisas batidas juntas, com uma colher ao lado.

– Não me diga que isto é...

– Comida de coruja? Sim, mas é mais apetitivo do que aparenta. - Ele novamente fecha os olhos aparentando um sorriso, droga, por mais suspeito que seja não consigo recusar à sua hospitalidade. Como da batida verde escura, tem um gosto surpreendentemente bom, de plantas, tempero e carne. Enquanto ele me observa comer, pergunta:

– Então, Allen, belo nome, mas como o lembrou se perdeu a memória?

– Ah, esse não é meu nome verdadeiro. - Respondo de boca cheia. - É um apelido que minha amiga me deu, vem de Anael.

Anael... Sua presença é adorável, sempre alegre e apaixonante. - Caramba, eles se conheceram? - Uma amiga, você disse?

– Ah sim, Gya... Ela está no quarto ao lado procurando um contra feitiço para perda de memória, ela também perdeu parte da dela. - Será que é prudente que eu conte a história toda para ele? Cacete, Allen.

– Ora, deveriam ter me achado antes, senhor Allen! Não é correto que deixe uma dama sozinha em um lugar como este.

– Mas ela que...

– Termine de comer e vá buscá-la, sim? - Ele consegue me persuadir.
– Tudo bem.

Termino a refeição e o agradeço, espero alguns segundos e me levanto, vou para o quarto da alquimia, de cima da mesa Stolas diz:
– Estarei esperando aqui! - Naquele mesmo tom alegre.


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