Diga Adeus à Inocência escrita por Mahfics


Capítulo 57
25.




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— O quê?! – a confusão é palpável em seu corpo – Da onde tirou isso?

— Sabia desde o início. – seguro as lágrimas – Mas quis negar porque não podia ser real, você... Eu amei você de corpo e alma. Não éramos perfeitos, nunca seriamos, mas podíamos fazer dar certo, eu faria! – as lágrimas escorrem – Você acabou comigo e a custo do que? De me ver sofrer? De me ter no chão?! Era isso que você queria?! Onde está o seu amor nisso? Porque se vier falar de Helena juro que te mato aqui e agora, quem é Helena? Não tenho nada a ver com aquela menina e seu remorso. Você errou, Malic, errou com ela e errou mais ainda tentando superá-la. Agora, por que o Lobo? Matar em nome dela... Por ela. Que tipo de doença corroeu sua cabeça? Matar não é uma jura de amor, não trará a Helena de volta e muito menos o fará se sentir melhor.

Ele umedece os lábios e mantém os olhos inquietos, olhando para todo lado – menos para mim.

— Criar um personagem para se sentir melhor consigo mesmo, trazendo dor para outras pessoas? – estreito os olhos e mais lágrimas escorrem – Que tipo de ser humano você é? Por qual maldito me apaixonei? Eu o protegeria de qualquer acusação, seria a sua muralha e daria a minha vida para dizer o contrário disso que vi com meus próprios olhos. Amei você e me iludi com isso. Ainda tento entender como teve coragem de fazer isso, como conseguiu agir do jeito que agiu comigo... Era como se não me conhecesse. Não teve piedade e muito menos misericórdia. Então te pergunto: Você não teve remorso, teve?

Uma lágrima escorre por seu rosto e pinga no chão, de sua boca não saí som nenhum.

— Está vendo o quanto egoísta isso é? Qual a superioridade que Helena tem que nós, vítimas, não tivemos para seu remorso? Diga! Ainda não consigo engolir isso! Digerir que um dia toquei seu corpo com tanto amor, que lhe dirigi minhas melhores palavras e atitudes, que te dei o passe de entrada para a minha vida e você, em gratidão, arrancou tudo de mim.

Ele passa a mão pelo rosto e balança a cabeça negativamente.

— Percebe então? – ergo uma sobrancelha – O amor não tem nada de sublime, Malic, ele é a nossa mais pura insanidade e maldição.

— Não! – sua voz está alta e forte, me assustando. Recuo – Eu não sou essa pessoa, você está errada! Está delirando como sempre faz. Se sabia disso desde o início, por que não contou para ninguém? Por que não me denunciou para a polícia?

Minha garganta seca. Porque... As pessoas... Meu estado mental.

— Ah! – ele continua, com um sorriso mal feito no rosto – Porque iriam duvidar de você, igual sempre duvidaram. Iriam dizer que era mentira e invenção de sua cabeça pós-trauma, duvidariam de sua sanidade. Por que eu mataria em nome da minha irmã? Ela nem merece isso. Achariam que isso é um tipo de vingança juvenil por ter sido trocada pela grávida que me esperava no altar, era isso que falariam e, mais uma vez, você seria a louca da história. É isso que você quer? Ser internada no hospício outra vez?!

Não, não, não! Ele está jogando com a minha cabeça, com as palavras. Não posso cair nisso de novo, eu não permito isso!

— Para com isso agora! – pego minha taça e arremesso em sua direção, graças as minhas mãos tremulas e ao nervosismo acabo acertando a parede ao fundo – Já estou cansada do seu jogo de palavra, de sua manipulação. Não sou mais aquela menininha idiota! Posso ver a verdade agora.

— Que verdade, Bianca? – ele avança tão rápido que não tenho tempo de me esquivar de suas mãos – O que está vendo agora?

— Estou vendo um monstro. – meu rosto enruga, mas não me permito chorar – Um assassino.

Suas mãos apertam a carne de meu braço. Trinco o maxilar.

— Você não está vendo nada. – ele sussurra entre dentes – Isso não passa de mais um delírio da sua cabeça.

— Não mais. – minha voz sai embargada.

— Acha mesmo que eu teria coragem de fazer isso com você? – ele estreita os olhos – Não tenho nem fôlego para gritar com você, imagina fazer o que fizeram. Você está com a visão da realidade distorcida e não vou lhe julgar por isso, mas se acalme.

— Me solta! – debato-me – A Maísa irá escutar meus gritos!- ameaço.

— De sexta-feira eles saem.

O pânico me arrebata como um soco.

— Eu amo você, entende? Não seria capaz de te matar. Já fui uma pessoa narcisista e ruim no passado, mas isso mudou com você. Não posso e não consigo pensar em te fazer mal, não a você.

— Você não foi capaz de me matar, por isso estou aqui, fadada a isso. – digo, entre dentes.

— Pare com isso! – ele me balança, brusco – Não sou essa pessoa que você colocou na cabeça.

— Angel. – cuspo a palavra e finco as unhas em seus braços – Ele me chamou de Angel!

Malic arregala os olhos e solta meus braços.

— Ah, sua máscara caiu agora? – ergo uma sobrancelha.

— Angel? – ele franze o cenho – Como isso é possível?

Franzo o cenho e me afasto.

— Não sou o único adepto dessa palavra. – ele continua – Helena costumava chamar as pessoas por quem tinha mais afeição por Angel.

O quê?! Ele irá usá-la de novo?! Jogar a culpa em cima dela para se livrar da pressão. Ainda acredita que vou cair em suas palavras?

— Qual a honra de jogar a culpa em uma pessoa morta?

— Não estou fazendo isso, estou tentando entender a situação.

— Entender o que? Não há o que entender aqui. – busco meu celular – A única coisa que fará será admitir e acabar com isso.

— Não vou admitir nada. – ele esbraveja.

Olho para o visor do celular. Fora de área...

Algo duro e forte bate contra o meu corpo e arranca o celular de minhas mãos. Cambaleio até alcançar o sofá, caio. Deslizo até o chão e procuro por Malic.

— Já chega disso, Bianca! – está transtornado – Se você quer enlouquecer, faça isso sozinha!

Engulo seco e levanto. Não havia pensado em tudo... O que faço agora? Não tem caseiros e nem celular, não sei onde fica o telefone mais perto aqui e se ele existe. Minhas opções acabaram. Estou, literalmente, sozinha com ele.

— Não se aproxime de mim! – recuo. Estou longe demais da cozinha para buscar uma faca, ele me alcançará.

— Percebe a loucura que você permitiu dominar seu corpo? – ele inclina a cabeça – Não consegue nem pensar mais.

É mentira. Sei muito bem o que estou fazendo. Ele está tentando me manipular e me fazer esquecer de tudo isso, quem sabe não me matar agora que sei de tudo. Mas essa é minha vez de revidar.

Olho para a janela e para a mata.

Disparo na direção da varanda, corro o mais rápido que consigo para pegar impulso. O oxigênio queima meus pulmões pela errônea forma que estou respirando. Posso escutar seus passos atrás de mim.

Pulo o parapeito. Não tenho estabilidade. Torço o pé. Caio. Engatinho e tento erguer o corpo.

— Bianca, pare com essa palhaçada agora! – ele está na varanda.

— Fique longe. – grito e levanto totalmente, correndo para a pequena parte arborizada da casa.

Na corrida, arranco meus chinelos e jogo-os na direção de Malic – ele também está correndo e logo irá me alcançar. Já consigo ver os troncos finos e os tocos. Só mais um pouco.

Por favor, preciso dessa chance.

Entro no meio das árvores e corro em linha reta – para evitar me perder se caso precise voltar. Não consigo mais escutar os passos de Malic e nem sua respiração, acho que ele ficou para trás. Alguns galhos batem em meu corpo e o cortam, coloco as mãos na frente do rosto para evitar ter um galho acertado no olho.

Até quando irei correr?

Em um ponto a minha frente, consigo notar que não vejo mais troncos de árvores, será uma estrada? Continuo correndo mais rápido para alcançá-la e dar a sorte de pegar um carro passando. Uma agulhada atinge minhas costelas e me faz perder o ritmo.

Alcanço o lugar almejado; não é uma estrada e sim, um muro. Soco os tijolos encardidos e olho em volta. Nada é tudo o que posso ver no momento. Está tão escuro que mal consigo ver os troncos a um palmo de distância de mim. Merda.

É melhor voltar e tentar sair pelo portão principal da casa. Se ele me encontrar aqui será mais fácil de me pegar.

Volto a correr e tento, inutilmente, observar a minha volta – chegando a confundir troncos de árvores com Malic. Ele deve estar perto, escondido. Tenho que manter meus olhos atentos e os ouvidos também, qualquer detalhe deixado escapar irá me ajudar agora.

Uma mão surge detrás de uma árvore, rápido demais para me dar tempo em esquivar. O puxão em meu braço é forte e me faz perder o equilíbrio, alavancando o meu corpo para trás. Chocamos os corpos e vamos ao chão.

Tento me arrastar, mas ele agarra meu pé. Dou um grito contido.

— Está na hora de acabar com isso. – ele sussurra e me puxa.

Agarro em um tronco de árvore e trinco o maxilar.

Não vai acabar, não vou permitir dessa vez. Hoje não irei me render tão fácil.

Olho para sua silhueta por cima do ombro e tento acertá-lo com o meu pé livre. Um chute acerta seu ombro, ele agarra meus dois pés e puxa. Continuo fortemente agarrada a árvore, resistindo até o máximo.

— Bianca, chega! – ele puxa mais forte, solto a mão e com a inércia da força exercida em meu corpo, acerto-o na altura do peito, derrubando-o.

Levanto o mais rápido que consigo e retomo minha corrida um pouco mais rápido, ignorando os galhos. Preciso sair daqui, chegar na casa o mais rápido possível. Acho melhor pular a cerca e ir para a fazenda vizinha.

Um galho quebrando atrás de mim é o barulho exato para me assustar e me fazer olhar para trás. Tropeço em uma raiz a minha frente e torço o pé – só que dessa vez mais forte. Não consigo andar.

— Merda. – sussurro e seguro as lágrimas. Ele irá me matar agora. Onde estava com a cabeça quando o confrontei? Só conseguia pensar em acabar com ele, me ceguei com a vingança e nem pensei direito em como a faria.

Avisto o machado.

Ótimo. Se eu o pegar, Malic hesitará em se aproximar. Posso ameaçá-lo com o machado até conseguir sair daqui.

Volto a escutar seus passos pesados. Meu coração pula para a garganta e a reação do meu corpo é aumentar minhas passadas.

— Estou com o machado! – grito assim que consigo pegá-lo – Não vou hesitar em usá-lo!

Seus passos aumentam de velocidade.

A lâmina está fincada com força na madeira. Apoio meu pé machucado na madeira e puxo o cabo do machado para cima, a dor em meu pé faz meu corpo todo latejar. Preciso tirá-lo daqui, se não nada valerá. Uso mais força ao escutar seus passos mais próximos. As lágrimas do desespero turvam minha vista e fazem a força de meu braço morrer.

Mais força. Passos rápidos. Galhos quebrando. Coração palpitando. Suor nas mãos. Dor. Respiração ofegante. Desespero.

Não posso perder essa chance. É a minha revanche.

Pela minha vó. Por minha alma morta.

O machado se desprende de repente, me pegando desprevenida – o que me faz fechar os olhos. Perco o equilíbrio e rodo sobre os pés – para evitar um tombo. A lâmina finca em uma árvore.

Abro os olhos, encontro os olhos amarelos arregalados. Seu corpo está tenso e ele lívido. Abaixo o olhar para seu abdômen e encontro a lâmina do machado fincada profundamente. Solto o cabo de madeira e recuo alguns passos. Eu o acertei.

Eu o matei.

Posso perder a conta de quantas vezes nesses últimos dois anos inventei uma forma diferente de me vingar dele e o ver morto. Quantas vezes já não sonhei acordada em ter seu sangue em minhas mãos, em ver seus olhos perderem a cor e escutar seu último suspiro. Em sorrir perante sua morte. Seu sangue não está só em minhas mãos agora; gotículas no rosto, pescoço, braços, pés, roupa. Estou vendo seus olhos perderem a cor e estou próxima de escutar seu suspiro.

Não sinto orgulho disso. Não me sinto vingada e muito menos satisfeita. Tudo foi enfeitado em minha cabeça e transformado em uma necessidade carnal insana para no fim não ter nada de satisfatório.

Juro que havia perdido a coragem quando o confrontei na cozinha, o máximo que faria seria entregá-lo para a polícia. Acabou sendo um castigo.

Vingar-se não tem nada a ver com lavar a honra. Não me sinto melhor com a morte dele e sim, pior.

— Eu... – ele faz força para continuar falando, mas a palavras morrem engasgadas no sangue – Merecia... I... Isso.

Trinco o maxilar e ajoelho ao seu lado, sujando minhas pernas de sangue. Balanço a cabeça negativamente e lágrimas turvam seu rosto.

Será que merecia? Ele irá morrer; um assassino a menos e em contrapartida haverá um solto; eu.

Minhas mãos tremem e ele tosse, gotículas de sangue respingam em meu rosto e no ar.

— Preciso chamar a emergência. – passo a mão em meus olhos.

Sua mão cai por cima de minhas coxas.

— Não. – sua voz está quase inaudível – Me... Deixe morrer.

Meu rosto se enruga automaticamente e lágrimas escorrem. Sim, é isso que irá acontecer com ele. Não é mais um desejo almejado pela vingança, é real.

— Malic... – a frase morre. O que tenho a dizer para ele?

Ele ergue a mão, no intuito de encostar em meu rosto. Curvo o corpo e sorrio sem mostrar os dentes. O amarelo de seus olhos está perdendo a cor, ele está ficando pálido. Sua vida está vazando para fora de seu corpo.

As pontas de seus dedos tocam em meu rosto, espalmo minha mão por cima da sua. Respiro fundo e fecho os olhos.

— Eu... - abro os olhos para encará-lo e noto as veias saltadas em seu pescoço, demonstrando sua luta interna para falar – Eu... Não... – coloco o polegar na frente de seus lábios.

— Poupe sua força. – murmuro.

Malic relaxa o corpo e respira fundo, com certa dificuldade, mantendo os lábios entreabertos.

Espalmo minha mão em sua bochecha e o acaricio com o dedão. O “x” de tudo isso é que nunca haverá outro Malic. Não irei mais encontrar esses olhos mel amarelados, essas tatuagens, esse maxilar, sua pele, seu cabelo, seus cigarros e a parte mais estranha ainda é que: quando ele morrer, sua aparência ficará gravada em fotos, lembranças e histórias, mas sua voz, nunca mais escutarei sua voz. Pois posso encontrar alguém semelhante, assim como ele me encontrou, porém, sua voz continua sendo sua voz.

Ele tem dificuldade na respiração.

Aproximo meu rosto do seu e encosto meus lábios nos seus, sem me importar com o sangue. O gosto de ferro invade minha boca.

— Eu... Amo... – ele deixa a mão cair do meu rosto.

Sorrio.

— Eu também amo você. – afasto um pouco o rosto para conseguir encará-lo.

Seus olhos fixam-se nos meus e um suspiro sôfrego escapa de seus lábios, relaxando todo o seu corpo. Mordo o lábio inferior e seguro as lágrimas.

Não há mais pulso, está morto.

Arrasto-me para longe de seu corpo e caminho vagarosamente na direção da casa. Deixo pegadas de sangue no granito branco do chão e nas paredes quando encosto buscando apoio.

Procuro por um telefone fixo.

 

 

Vasculho a mala de Malic – após mexer na casa toda, e encontro seu celular, ao contrário do meu, o seu está com um sinal ótimo. Mexendo um pouco mais embaixo encontro uma pequena caixa de veludo azul escuro. Franzo o cenho.

Desbloqueio o celular para a discagem de emergência enquanto observo a caixa.

— Qual a sua emergência?

— Preciso de uma viatura. – sussurro e tenho dúvidas se a mulher pôde ouvir.

Forço a tampa da caixa.  

—  Sim, mas qual a emergência? – ela insisti.

— Preciso que chame o delegado Eduardo da delegacia de Villa Lobos.

Abro a caixa. Engulo em seco.

— Senhora, ainda preciso saber de sua emergência para poder ajudar.

— Eu matei meu noivo. – sussurro e desligo.


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