Diga Adeus à Inocência escrita por Mahfics


Capítulo 50
18.




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Abro os olhos. Encaro um teto branco.

Minha cabeça dói. Estou deitada em uma cama, sento. Provavelmente, estou em um quarto masculino – não estou certa sobre isso, pois nada aqui evidencia que o quarto pertence a um garoto. Olho para a porta fechada e pela soleira descubro que o corredor ou o outro cômodo está aceso – posso arriscar escutar uma conversa abafada do lado de fora. Coloco um pé para fora da cama e dou o impulso para levantar. Tenho tontura e volto a sentar.

Passo a mão no local dolorido e noto um protuberante galo. Onde será que bati a cabeça? Como caí?

Olho para os meus pés e arrisco levantar um pouco mais devagar, me segurando na beirada do colchão. O chão é forrado em carpete branco, agradável ao caminhar. Ascendo a luz do abajur e olho mais uma vez o lugar. Certo, não estou em um hospital e nem na minha casa.

A parede paralela a do abajur contém um mural de fotos totalmente ocupado, embora não de fotos. Aproximo-me devagar com o apoio do guarda-roupa e ascendo a luz do segundo abajur em cima da escrivaninha de madeira. Dou de cara com Helena e Matthew. Eles estão abraçados e rindo, dando a impressão que uma terceira pessoa tirou a foto. Ela tinha um sorriso lindo. Como era bonita. Ela envolve o pescoço do Matthew com uma mão enquanto a outra repousa em seu rosto, puxando de encontro ao seu. Ele a abraça pela cintura e ri, ela está sorrindo para a foto, mas acabou saindo de olhos fechados. Matthew parece diferente nessa foto, nessa época. Com ela.

Passo o polegar pelo rosto do Helena e dou um sorriso melancólico. Ela poderia estar viva. Respiro fundo e deslizo os olhos para as outras “fotos” pregadas que não passam de reportagens... Sobre a morte de Helena. É como se ele tivesse recortado tudo o que falava dela e tivesse fixado aqui para nunca esquecer – até parecendo algum detetive particular. Singelamente, no meio da confusão dos fatos do crime está uma foto minha – recortada de uma revista. Foi do primeiro ensaio, estou usando o chapéu de lobo e encarando a câmera debaixo para cima, segurando o machado com as duas mãos – é uma das que mais gosto.

Franzo o cenho. Por que ele colocaria uma foto minha aqui?

Imperceptivelmente – apenas quando passo os olhos pelas reportagens uma segunda vez percebo-, o assunto dos recortes muda de Helena para o Lobo Mau, citando meu nome e alguns das vítimas – até o de Camila está aqui-, e então muda para Jonas. Tudo o que foi falado do Jonas está aqui, com partes destacadas e outras anotadas. Há uma foto de duas crianças que suponho ser ele e Jonas na infância, estão com os braços passados pelos ombros um do outro. Noto uma segunda um pouco mais embaixo e aqui eles já estão adolescentes; Jonas já está um pouco acima do peso e o cabelo de Matthew já dá sinal de seu corte atual.

Abaixo o olhar para a escrivaninha e encontro uma foto de Camila em um porta-retrato. Ela encara a câmera com um meio sorriso tímido enquanto segura uma rosa. Está tão bonita.

Sinto um aperto no peito. É tão cruel ver essas fotos e saber que essas pessoas não estão mais aqui, que esses pedaços de papeis são a única prova de que elas realmente existiram.

A porta abre repentinamente e me assusta, acabo chutando uma caixa que estava aos meus pés e eu nem havia percebido. Matthew volta a fechar a porta e ascende a luz.

– Está com muita dor?

– Por que não me levou no hospital? – questiono - Como cai?

– Minha mãe não achou necessário e você tropeçou e bateu em uma árvore. – ele dá de ombros.

– Sua mãe está aqui?

– Sim.

Suspiro aliviada.

– Preciso ligar para minha vó. – procuro por meu celular.

– Já fiz isso para você e ela permitiu que você dormisse aqui.

Tudo bem...

– O que significa tudo isso? – encaro o mural de fotos mais uma vez.

Ele se aproxima.

– É só um jeito de fixar na minha mente que eles estão mortos, sabe? – ele me encara de canto de olho – Pra mostrar que tudo foi real e não uma invenção da minha cabeça.

Contraio os lábios em uma linha rígida. Abaixo o olhar e encontro a caixa novamente.

– O que é isso? – agacho e abro as abas de papelão. Está repleta de CD com datas e nomes. O primeiro é o que me chama a atenção: Halloween 2014.

– São algumas gravações. – ele abaixa ao meu lado.

– O que tem nesse aqui? – pego o CD.

– Quer assistir?

Dou de ombros. Não temos mais nada para fazer de interessante mesmo.

– Tudo bem. – dou de ombros – Onde?

– Lá na sala. – ele pega o CD de minha mão e sai- Escolha mais alguns.

As últimas gravações foram em 2014 e são as que escolho por não serem tão velhas. Acompanho-o pelo corredor até a sala. Há uma mulher sentada no sofá.

– Como ela está? – a mulher desliga a TV e vira para encarar Matthew – Ah! Vejo que está bem.

– Estou. – aperto minhas mãos atrás das costas – Obrigada por oferecer sua casa para eu passar a noite.

– Os amigos do Matt são sempre benvindos. – ela sorri e desliga a TV – Vão usar?

– Sim. – Matthew se aproxima da estante.

– Vou terminar de ver no meu quarto. – ela levanta.

O Matthew possui os olhos dela e o sorriso, apenas a cor do cabelo diverge a genética dos dois.

– Qualquer coisa é só gritar. – ela passa por mim e sorri.

– Pode deixar. – observo seus movimentos até sumir de minha vista.

– Vem. – Matthew pega um controle e senta no sofá.

Sento ao seu lado hesitante e mantenho certa distância, encarando fixamente a tela preta da TV. Meu coração palpita de ansiedade e tenho vontade de roer as unhas. Com um click no controle o filme começa a rolar.

– Essa merda está gravando?

A câmera aponta para o chão preto e para um par de tênis. Há uma falação no lugar, mas nada que evidencie ser alguma festa ou lugar público.

– Matthew, vai querer uma cerveja?

– Claro.

O barulho ocasionado pelo mexer da câmera começa a revelar a sala. Um amplo apartamento de janelas do chão ao teto, mostrando Villa Lobos por inteiro. Matthew caminha para o balcão da cozinha, revelando outras pessoas; um homem de cerca de uns 55 anos usando uma camisa social e calças jeans, os cabelos grisalhos estão penteados para trás e as mangas de sua camisa arregaçadas até o cotovelo, revelando seu relógio de ouro no pulso esquerdo, a mulher que está ao seu lado parece brigar pelo jeito que se encontram as mangas, voltando-as a posição correta, usa uma blusa preta decorada com pedras e uma calça jeans. Há dois meninos na cozinha: um no balcão e o outro na geladeira. O do balcão tem cabelos negros e olhos mel, usa uma fantasia de mosqueteiro modificada para o lado sexual – não contendo a camisa.

– Onde está a cerveja? – Matthew se aproxima do balcão.

– Aqui, babaca. – o menino da geladeira vira.

Parece usar uma fantasia de garçom, mas apenas a gravata borboleta e as calças, deixando o abdômen e as tatuagens amostra. Tem olhos amarelos e cabelos castanhos rebeldes. Matthew coloca a câmera no balcão e abre a latinha.

– Pra que isso? – o menino pega a câmera.

– Pra gravar. – Matthew ri – Se você quebrar, irá pagar.

O menino solta o ar dissonante.

– Está falando com um mestre.

A câmera é apontada para o menino sentado no balcão e o zoom é aplicado.

– Senhoras e senhores, apreciem a replica perfeita de um homem das cavernas moderno.

O menino vira e quase acerta a câmera.

– Vai se fude, Malic.

– Seu grosso.

– O que acham? – uma voz feminina se sobressai.

A câmera é voltada para o corredor e foca em uma menina. Seu cabelo está jogado para frente e ela usa um capuz vermelho, o decote deixa os seios maiores e o vestido acaba antes da metade de suas coxas. Usa um batom vermelho forte e um delineado puxado. Uma perfeita chapeuzinho para adultos.

– Linda como sempre. – Matthew sorri.

Ela se aproxima dele e lhe dá um rápido selinho, sendo protestado por Malic.

– Trouxe sua máscara. – ela se aproxima de Malic e sorri.

– Muito obrigado. – ele coloca a câmera no balcão e pega a máscara de lobo.

– Esse é o Gogo Boy mais gostoso que já passou por Villa Lobos. – ela abaixa um pouco para olhar para a câmera.

– Agora sou o Lobo Mau. – ele diz com voz abafada.

Ela revira os olhos.

– Nicolas, vem aqui. – ela chama o segundo garoto.

O menino parece se mexer no balcão.

– Ai, merda. – a câmera se aproxima do chão e a gravação acaba.

A TV fica com a tela negra novamente, não tenho coragem de olhar para o lado.

É incrível como a morte pode mudar tantas vidas.

***

– Está muito caro para comprar um bolo aqui, é melhor você trazer ai de São Paulo.

– Tudo bem. – ela suspira – Mais alguma recomendação?

– O que posso dar de presente pra vovó?

– Já comprei.

– Não, quero dar o meu presente. – discordo.

– Compre algo que te lembra ela e que ela possa gostar.

Grande resposta, obrigada.

– Tenho que desligar agora. – aviso entrando no carro.

– Já está indo pra casa?

– Sim.

– Que bom. – posso sentir seu sorriso.

– Por quê?

– Estou com aquele pressentimento ruim.

– É a ansiedade da festa. – sorrio.

– Espero que seja. – ela suspira – Tchau, eu te amo.

– Eu também. – desligo.

Jogo o celular no banco ao lado e ligo o carro.

Um pouco antes de entrar na ponte meu celular começa a tocar. Diminuo a velocidade e atendo, é um número privado.

– Sim?

– Bianca Pavilion?

– É ela, quem gostaria?

– É o delegado Eduardo.

– Pois não, delegado.

O que ele quer comigo? Meu coração bate forte.

– Poderia passar aqui?

– Por quê? – engulo seco.

– Descobrimos – ele limpa a garganta -, você precisa vir aqui.

– Já estou indo.

Desligo e faço o desvio para a outra pista. O que ele descobriu? E por que essa descoberta requer minha presença?


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Notas finais do capítulo

Pois é, estamos indo para o final da história.