Diga Adeus à Inocência escrita por Mahfics


Capítulo 46
14.




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Acaricio seu cabelo e beijo sua bochecha. Ele é meu pequeno menino, confuso e sozinho.

– Quer dormir? – sussurro.

– Tudo bem.

Saio de cima dele e puxo o edredom, deitamos e nos ajeitamos do jeito mais confortável que conseguimos achar para minhas pernas ficarem enroscadas nas suas. Puxo sua mão para perto de meu peito e curvo um pouco o corpo.

– Nunca gostei de dormir com alguém tão perto. – digo baixo.

– Não precisamos ficar tão perto. – ele puxa o braço, mas eu o impeço, segurando firme.

– Gosto de ficar perto de você. – encaro-o por cima do ombro e sorrio.

Ele beija meu ombro.

***

Minha mãe me obrigou a ir para a faculdade, aproveitando que o Malic tinha que resolver algumas coisas no consulado americano. A manhã foi como todas as outras de minha rotina, só a matéria que estava um pouco mais interessante e minha companhia para o almoço – não vou mais almoçar com a Clarice, esqueci de minha paciência ilimitada que tinha no colégio com ela e agora não estou mais suportando.

– Lembrei da onde conheço você. – Alice sorri vitoriosa.

Inclino a cabeça. Onde posso ter encontrado ela? Ela não é familiar.

– Aqui. – ela abaixa para mexer em sua bolsa – Comprei a primeira edição. – ela coloca a revista do ensaio na mesa.

Ah!

– Foi só um trabalho da faculdade de um amigo meu. – comento.

– Nossa, seria ótimo que meus trabalhos virassem notícia. – Ludmilla comenta, debruçando na mesa e pegando a revista.

– O Rafael, o dono do trabalho, é muito ambicioso, sabe? – apoio meu queixo em minha mão – Ele fez de um simples trabalho a maior produção e continua fazendo. Promover até esgotar as forças.

– Gente ambiciosa caí rápido. – Ludmilla observa, foleando a revista – Geralmente são pessoas muito frias, fazem de tudo para chegar aonde querem.

Mordisco a unha de meu dedão. Ela tem razão, o Rafael fez de tudo para chamar a atenção com seu projeto – até expos meu problema com o Lobo no beco, era desnecessário me fazer de chapeuzinho.

– Você pode contar para gente a história de lá? – Alice me encara - A imprensa já contou, mas você vivenciou aquilo e sei lá, achei que seria legal escutar a sua versão.

Sorrio.

– Claro.

Ludmilla larga a revista e me encara fixamente, assim como a Alice. Começo a falar da trilha e de como encontrei o Matthew e o Malic até chegar no assassinato de Camila e no telefonema que fez fugir de lá. Não poupo detalhes – aumento alguns para deixar a estória mais emocionante, os quatros olhos presos em mim anseiam por cada informação como se eu estivesse contando um segredo importante ou como se estivesse contando um conto de fadas para duas garotinhas. Elas se mantêm acompanhando meu raciocínio sem piscar, arregalando os olhos em surpresa e suspirando em tristeza.

– Poxa, só não gostei da sua amiga ter morrido. – Ludmilla comenta no fim – Ela podia ter aceitado sua carona, né?

Contraio os lábios. Às vezes gostaria de voltar no tempo para buscar a Camila e mostrar o que irá acontecer se ela recusar minha carona.

– Há um ditado indiano, não sei se é ditado – Alice dá de ombros -, mas ele cabe perfeitamente na morte de sua amiga: “Nada do que foi poderia ter sido diferente”, ou seja, talvez se você tivesse dado carona para a sua amiga não a livraria da morte.

Isso é um consolo, mas mesmo assim não me abstraí da ideia de que eu poderia ter salvo a vida dela naquela noite.

– Bem sinistra a sua história, já pensou em escrever um livro? – Ludmilla muda de assunto – Seria um best-seller.

Solto o ar dissonante.

– Um livro? – ergo uma sobrancelha – Prefiro mais um filme.

– Você ainda acha que ele está solto? – Alice me encara.

– Não acho, tenho certeza.

– Ah, caralho, Alice você não vê tv? – Ludmilla se exalta – Semana passada encontraram mais uma vítima e ainda um bilhete dele para a “chapeuzinho”.

Engulo seco e concordo com um meneio de cabeça.

– Então ele é do tipo possessivo? – Alice encara os dedos sobre a mesa – Tudo bem que ele já matou dezenas de meninas, mas alguma coisa em você chamou a atenção dele. Você virou aquele típico brinquedo que amamos brincar e odiamos dividir.

Virei, basicamente, uma propriedade dele.

O final do meu período foi uma luta contra o meu sono. Não sei porque inventaram a moda de passar apresentação em vídeo na última aula, o professor não reparou que esse é o pior horário para se passar um vídeo cansativo em uma sala escura? Tenho que obrigar meus olhos em se manterem abertos.

No toque do sinal, todos saem apressadamente para o corredor, formando um aglomerado de pessoas desesperadas para sair. Aguardo um pouco na porta até que a quantidade de pessoas diminua um pouco e então saio. A escadaria principal tem seu chão coberto de pés, mal dando para ver seu piso.

Vou direto para a rua lateral – onde combinei de encontrar o Malic-, e procuro por seu carro nas vagas e entre os estacionados rente a guia. Será que ele ainda não chegou? Caço meu celular na bolsa quando alguém segura meu braço. Viro repentinamente para o lado com a força da mão sobre meu braço e me depara com Heitor. Sorrio.

– Oi! – ele sorri.

– Oi. – me aproximo – Tudo bem?

– Tudo e com você? – ele passa os olhos por mim – Parece ótima.

– Estou bem melhor. – sorrio – Você não apareceu mais lá em casa.

– Tenho prova semana que vem, então peguei o fim de semana para estudar. – ele explica, encostando no carro.

Ainda bem que você tinha essa prova...

Sua mão sobe de meu antebraço para meu ombro, acariciando o local. Dou um sorriso amarelo e me afasto. O que ele está fazendo? Vai embora logo, o Malic já deve estar chegando.

– O que foi? – ele ergue uma sobrancelha – Está com medo de mim?

– Não é isso. – arrumo minha bolsa – Estou namorando.

Ele ergue as sobrancelhas e ri.

– Acha que sou idiota?

Inclino a cabeça. Que?

– Ninguém começa a namorar em quatro dias. – ele revira os olhos – Devia ter inventado uma desculpa melhor.

– Você está sendo idiota. – cruzo os braços – Posso tê-lo conhecido faz tempo e ele resolveu me pedir em namoro agora. Pensa, Heitor.

Ele solta o ar dissonante.

– No caso, ele é meu ex-namorado. – concluo.

– Conheço esse tipo de explicação. – ele desencosta do carro e segura minha cintura, tento afastar suas mãos e recuo alguns passos – Está tentando se fazer de difícil.

– O que? Você está me subestimando agora.

– Não quer uma carona até o meu apartamento? Assim você aproveita e me conta mais sobre esse namorado imaginário. – seu corpo está muito perto do meu, muito perto.

– Heitor, me solta. – peço enquanto tento empurrar seus ombros.

– Não quer mais minha carona?

– Eu tenho carona! – esbravejo e estapeio seu ombro e peito.

– Tem certeza que não quero a carona dele?

Ergo o olhar por cima do ombro de Heitor e encontro Malic. Meu coração para e minhas pernas travam. Automaticamente, Heitor se afasta e vira para encarar o “meu namorado imaginário”. Babaca.

– Não é que ele existe mesmo? – Heitor cruza os braços, passando o olhar por Malic.

Malic passa os dentes pelo lábio inferior e cerra os punhos. Puta merda. Isso não vai prestar.

– Isso- ele acerta um soco no queixo de Heitor, que cambaleia para trás e escora as costas na parede-, é pra aprender a não mexer com a namorada dos outros.

Seu olhar pousa em mim. É minha vez. Engulo em seco e me encolho. Malic agarra meu punho e me arrasta pela rua até o seu carro. Tento acompanhar seu andar e acabo tropeçando em meus pés. Ele abre a porta do carro e me joga lá dentro.

Jogo minha bolsa em meus pés e esfrego meu punho.

– Aí. – murmuro enquanto observo ele passar na frente do carro e abrir a porta – Por que não arrancou meu braço?

– Por que você não agarrou ele ali mesmo? – ele devolve um olhar frio.

– O que eu fiz de errado? – admiro-me – Foi ele que me agarrou!

– O que você fez de errado?! – ele vira e me encara, olho com olho – Você permitiu que ele te agarrasse.

– Ah! Desculpa se eu não tenho a potência do seu soco e nem um terço do seu tamanho. – replico.

– Não me faça de idiota. Sei que já teve um caso com esse cara. – ele estreita os olhos – É isso que me deixa mais puto com você.

– O que? Eu ser inocente nesse rolo todo? – cruzo os braços.

– Você se faz de inocente. – ele retruca – Mas no fundo não passa de mais uma desse tipinho.

– Fala, Malic, tipinho do que? – sei muito bem o que ele irá falar. Quero ouvir ele falando e não entender indiretamente.

– De puta. – a palavra sai seca e pesada.

Fico impassível.

– Obrigada por me falar o que você pensa a meu respeito. – abro a porta do carro – Da próxima irei aceitar a carona dele.

– Não sei o porquê não aceitou, teria me poupado.

Saio e bato a porta. Passo a mão no cabelo e abro a porta novamente.

– Se isso é dor de corno, então é bem falsa. – estreito os olhos – Todas ás vezes que saí com um cara não estávamos juntos.

Bato a porta de novo e saio.

Tive que aguardar 20 minutos na avenida para conseguir um táxi que pudesse me levar para minha casa. Chegando lá posso identificar o carro de Malic parado em frente o meu portão. Pago a viagem e desço do carro às pressas, já com a chave de casa na mão. Escuto a batida da porta vinda de seu carro.

– Pegue suas coisas e vá embora! – aviso entrando e deixando o portão aberto.

Subo as escadas e vou direto para meu quarto. Pego sua mala do chão e volto novamente para a escada. Dou de cara com ele. A raiva borbulha em meu sangue. Jogo a mala nele com toda a força que tenho, sem perceber que o zíper estava aberto – metade de suas blusas caem.

Abaixo para pegá-las e jogo-as nele.

– Eu odeio você! – enquanto jogo as blusas, ele sobe os degraus.

– Não devia ter falado aquilo, estava com raiva.

– Não deveria mesmo! – jogo uma blusa em seu rosto – Mas falou!

Ele sobe todos os degraus e fica de frente comigo, deixa a bolsa cair no chão com as camisetas e segura meus braços.

– Sei que você encantaria qualquer um, você pode escolher o cara que quiser. – ele sussurra – Tenho medo que encontre alguém melhor que eu e me abandone.

– Deveria fazer isso mesmo. – puxo os braços e ele solta.

Faz-se um silêncio mortal.

– Você quer fazer isso?

Ele está tão perto de mim quanto Heitor estava, mas gosto dessa proximidade.

Seus lábios alcançam os meus antes que eu tenha tempo de responder.

– Viu, conseguimos nos resolver. – ele comenta, passando os dedos por minha barriga.

– Pelados na cama. – completo.

– Sempre nos entendemos pelados na cama.

Rio.

***

A semana passou mais rápido que eu gostaria e eu e Malic nos entendemos mais vezes do que achei possível. Irei levá-lo para o aeroporto – ele insistiu em deixar seu carro comigo, como uma garantia que ele irá voltar -, meu pai não achou má ideia. O voo dele saí em menos de 40 minutos.

Paramos em frente ao portão número 39.

– Então é aqui. – cruzo os braços atrás das costas – Já pegou seu passaporte, RG e passagem?

– Na mão. – ele confirma.

– Não está esquecendo nada aqui? – ergo uma sobrancelha – Não vai dar para buscar depois.

– Só estou esquecendo você. – ele se aproxima – Infelizmente.

Sorrio.

– Quem sabe não vou passar um tempo lá nas minhas férias. – sugiro.

– Sério? – ele ergue uma sobrancelha.

– Não sei. – dou de ombros – Posso ver com a minha mãe.

– Por favor.

A mulher no balcão do portão anuncia a última chamada para os passageiros do voo e um aperto se faz presente em meu peito. Abraço-o.

– Mande notícias quando chegar.

– Deixe o celular perto. – ele ergue meu rosto pelo queixo – Assim podemos conversar sempre.

Fico na ponta dos pés e pressiono os lábios contra os dele.

– Tchau. – ele murmura.

– Tchau. – me afasto.

Observo-o entrar e acenar para mim.

Já estou acostumada a dizer adeus para ele.

Aguardo seu avião decolar e vou embora.

Quando chego em casa e guardo seu carro na garagem, recebo uma mensagem:

*Avião com wi-fi grátis, amo a tecnologia*

Sorrio.

*Como está o voo? *

*Bom, o avião está voando e isso é bom*

Reviro os olhos.

*Turbulência?*

*Ainda ñ, mas o piloto avisou que terá*

*Boa sorte*

Guardo o meu celular e subo a escada. Entro na cozinha e observo minha mãe cozinhar.

– Posso ir para os Estados Unidos nas férias? – falo direta.

– O que? – ela me encara – Não.

– Por que não?

– É aniversário da sua vó, esqueceu?

Esqueci...

– Mas eu vou depois do aniversário dela. – insisto.

– Bianca, não.

Reviro os olhos.

– Por quê?

– Não gosto que você viaje sozinha.

– Mas para Villa Lobos você deixou. – resmungo.

– Quer comparar? – ela ergue uma sobrancelha.

– Não. – sento à mesa.

Meu celular vibra.

*Sobre querer matar esse bebê q está do meu lado*

*Tenha mais paciência, vc também tem um bebê*

*Pelo menos ñ o coloquei em um avião por 10 hrs. *

*É... tem razão*

Distraidamente, entro na internet e procuro pelo caso de Helena por lá. Não há nada de diferente do que o Malic me falou e faz mais ou menos dois anos que isso aconteceu. Entro em imagens e clico numa foto dela.

Quase caio da cadeira.

– Meu Deus. – murmuro.

Digito uma mensagem para Malic:

*PQ VC NUNCA ME FALOU QUE SOU A CARA DA SUA IRMÃ?*

Ele digita e desisti, digita novamente e não me envia nada.

Volto para a imagem da foto dela e observo seus traços novamente. A única coisa que diverge entre nós é a cor dos olhos, até seu cabelo tem o mesmo tom que o meu – quando estava ao natural.

Malic não retorna minha mensagem.


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