Diga Adeus à Inocência escrita por Mahfics


Capítulo 31
Capítulo 30


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo ficou meio grande, desculpa aí. O motivo principal é por ele ser um capítulo de transição para o final da história, o tempo passou corrido e os fatos acelerados, mas tudo vai se ajeitar a partir de agora. Boa leitura!



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Como mágica, no dia seguinte o país inteiro conhecia o Jonas, conhecia sua família e sua história. Do dia para a noite, o Lobo Mau de Villa Lobos parou de ser acobertado pelo governo da cidade e exposto ao mundo. O caso do serial killer de 19 anos que matou mais de 30 jovens se espalhou pelo mundo, assim como o chocou. Villa Lobos foi muito contestada por esconder algo tão grave de autoridades nacionais, por não ter passado o caso para especialistas, por não ter pedido ajuda; julgada, tentou se defender e o prefeito fez um discurso em público sobre o caso. Acontece que, negando ou não, o caso foi escondido por pura comodidade, por orgulho de não admitir incompetência diante da segurança da população, por ignorância e agora eles só espalharam o caso para gabar a vitória, gabar uma vitória que soterra corpos de 30 meninas; 30 cobaias. Elas não foram vítimas do assassino, também foram vítimas da imobilidade de uma sociedade, acomodada em fechar os olhos e ignorar o inimigo que bate à porta.

A família de Jonas mantém sigilo por medo de represália, mas o pai se pronunciou por rede social e diz, para variar, que não acredita que o seu filho foi capaz de algo tão horrendo e também falou algo para as famílias das vítimas – estou enjoada. Reportagens sobre Jonas estão em todos os canais possíveis, assim como na boca das pessoas. Ele foi diagnosticado com um distúrbio mental, o que o levará para a internação em um manicômio ao invés de ser em um presídio. A polícia, sadicamente, liberou algumas partes da gravação que fizemos ontem com ele, as partes em que ele demonstra seu ódio e complexo pelas mulheres, as partes em que ele se revela cru.

O difícil de engolir é que meu nome foi parar na mídia de novo, já que todo o caso foi mostrado- eles chegaram ao beco. E eu acabei santificada como a heroína da cidade; a única que enfrentou o lobo, que investigou, que atiçou os policiais nas buscas. Na verdade, não fiz nada disso, a única coisa que fiz foi erguer a cabeça e não aceitar temer o desconhecido, porque convenhamos que ninguém é louco o suficiente para enfrentar um assassino.

Camila ainda está sendo procurada, mas uma parte de mim sabe como ela será encontrada e não quer, nem por hipótese, achar seu corpo. E o mais chocante é que a família dela havia dado queixa de seu desaparecimento e os policiais não se providenciaram sobre o caso.

– Ô inferno. – minha vó entra em casa esbaforida.

– O que foi? – apoio no encosto do sofá e diminuo a tv.

– Advinha? – ela ergue uma sobrancelha.

Repórteres...

– Estão aí desde de manhã. – dou de ombros – Contanto que não encham o saco.

– Pois eles enchem! Estão ocupando a entrada da minha casa! Atrapalhando a passagem!

– Eles vão desistir. – garanto.

Ela não diz nada, mas pelo som nasal que emite sei que não foi capaz de acreditar em mim. Nem eu acredito em mim mesma.

– Sua mãe me ligou. – ela informa.

– O que ela falou?

– Conseguiu sua transferência no final desse semestre.

Contraio os lábios. Ainda faltam longos quatro meses.

– Pelo menos isso. – murmuro e não sei ao certo se vovó foi capaz de escutar.

– Encontrei o Matthew na loja do pai dele. – ela comenta.

– Hm.

– Bonitinho.

Reviro os olhos.

– Que pena que você gosta do outro lá.

Suspiro.

– Vó. – repreendo-a – Sou apenas amiga do Matthew.

– E qual o problema de virar namorada? – ela aparece no hall de entrada – Por acaso você encontra um desconhecido na rua e namora ele?

Rio com a ideia.

– Não, mas – ela não me deixa terminar:

– Então pronto!

Não adianta discutir, ela prefere ele e eu prefiro o Malic, pronto. Talvez Malic não me prefira tanto assim, já que não me procurou... Para falar a verdade, ele nunca me procurou.

Meu celular toca.

– Oi. – murmuro. É Matthew.

– Eles a encontram.

Coincidentemente eles a encontram com um dia de procura – porque, agora, eles estavam realmente interessados em procurá-la.

– Ela está... – a pergunta foge junto com minha coragem, minha garganta seca e não consigo continuar.

– Sim. – sua voz sai embargada.

Não fico em choque ou paralisada, no fundo, eu já esperava pela notícia, só aguardava ela ser pronunciada.

Pelo estado em que o corpo dela foi encontrado, todos fomos chamados para reconhecê-lo. Mas no IML, fomos impedidos de ver o corpo, não pelo estado de decomposição e sim, pela maneira como ficou após o crime. Meu estômago revira e tenho vontade de vomitar. Esperar; foi isso que nos disseram quando reclamamos da situação. Juliana e a namorada cansaram de aguardar e foram embora, Coraline dormiu encostada em Matthew e a Monique arranjou briga com inúmeros médicos. Continue sentada, encarando a parede branca e lembrando das palavras de Jonas. Amiony aguarda com Rafael no lado de fora.

O delegado chega.

– Não irão mostrar o corpo para ninguém. – anuncia, interrompendo Monique e sua discussão.

– Como não? – ela cruza os braços – Temos que reconhecer o corpo.

– O reconhecimento dá direito a família e a mãe dela não está com cabeça e nem estômago para isso. – ele rebate.

Muito menos eu.

– Posso reconhecer no lugar. – ela contesta.

Suspiro.

– Vá por mim, mocinha, você não vai querer reconhecer esse corpo.

Meu estômago revira e tenho a sensação que irei vomitar sobre meus pés. Coraline acorda com a conversa e fala alguma coisa com Matthew.

– Você. – ele aponta para mim – Venha.

Franzo o cenho. Por que todo assunto envolve a minha pessoa? Isso já virou uma perseguição. Levanto e o acompanho.

– E você também. – ele aponta para Matthew.

Caminhamos pelo corredor atrás da porta cinza da sala de espera. Há muitas outras portas aqui e sei que atrás delas há um corpo esperando para ser identificado. Esse lugar me dá arrepios. Entramos em uma dessas salas, mas não havia corpo ali dentro, a maca de metal estava vazia. É frio aqui dentro.

– O que quer com a gente? – Matthew questiona, impaciente.

– Já estamos cansados disso tudo. – completo.

– Espero que esse seja o último assunto que envolva vocês. – ele encosta na mesa – Mas esse é o mais importante.

– Por quê? – ergo uma sobrancelha. O que me faz mais importante que Monique? Que a Coraline ou Amiony? Todas nós erámos amigas da Camila e todas tinham o direito de estar aqui.

– O assassinato dela foi uma mensagem pra você. – ele fala, direto e certeiro como um tiro em meu peito. Perco o ar – Não é necessário estudar muito para saber, apenas juntamos os pontos e lá estava, estampado na nossa cara.

– Como assim? – Matthew intervém – Mensagem?

– Você está fazendo aquele trabalho de faculdade contra a violência, não é? – ele ignora Matthew – Acabou figurando a chapeuzinho vermelho, certo?

Meneio a cabeça, afirmando. Ainda não vejo ligação com o caso.

– Lembra daquela entrevista que deu a uma repórter sobre o beco? Que você fala a marcante e infantil frase: “ estou bem aqui.” – ele continua.

– Sim. – murmuro.

– Ótimo, continue com essa informação na cabeça e escute: Camila foi encontrada usando uma capa vermelha, nua e, possivelmente sofreu violência sexual, o que ele não era típico dele. Ela foi torturada antes de morrer, tem ossos quebrados e hematomas, além de que sua forma de morrer não foi convencional com as outras; uma machadada seca e crua no meio da cabeça. Uma árvore perto do corpo dela continua a mensagem: “Também estou bem aqui”, acreditamos que com o sangue da vítima. E o mais assustador: em seu rosto foi costurado a cabeça de um cachorro.

Minhas pernas fraquejam e Matthew me segura pelos ombros. Soluço e desabo em choro. Ela morreu como menção a mim, morreu por minha culpa. Grito. No entanto nenhum som é emitido por minhas cordas vocais, o grito é interno e faz minha garganta arder. É tudo culpa minha. Eu a matei. Não pode... O jeito... Que tipo de animal... Meu Deus.

– Não estou dizendo isso para te desestruturar, apenas advertir. Vocês cutucaram o lobo com um graveto e acharam que ele não morderia de volta. Ações tem suas consequências, menina. Se ele a matou, nesse caso, a culpa é sua, em parte. Você teve sorte dele ter pegado ela.

Sinto meus joelhos tocaram no chão. Matthew ajoelha ao meu lado e fala alguma coisa, mas eu não escuto. Não vejo. Não sinto. É como se estivesse soterrada de neve e congelado no tempo. Nada importa. Nada pesa. Nada me faz querer voltar para a superfície. Lembro-me da noite que a deixei ir embora, da nossa última noite. Eu poderia ter abraçado ela, poderia ter pedido para ela voltar comigo, poderia ter inventado qualquer coisa, menos ter deixado ela ir. Ela nunca mais vai voltar. O mísero segundo em concordar com sua ida poderia ter mudado seu futuro. Mais uma vez, eu podia ter feito alguma coisa e não fiz nada.

Matthew afaga meu cabelo e por sua respiração, sei que também está chorando.

– A culpa não foi sua. – ele murmura – Não escute o que ele está falando.

Foi sim. Ela morreu encenando uma oposição as minhas fotos. Ah, Deus! Ela sofreu. Sofreu por mim. Por que o meu quase não foi dela?

– Ela conhecia o Jonas? – o delegado pergunta a Matthew.

– Claro, ele era meu melhor amigo e Camila já foi minha namorada. Eles se conheciam. – Matthew garante.

Aperto seu braço e encosto a cabeça em seu ombro. Será que ela ficou em choque ao saber quem era o Lobo Mau? Será que ela sabe quem a matou? Ela tem raiva de mim por sua morte?

Mais uma vez os meus sentidos se perderem e parece estar no meio de um dilúvio, tudo está abafado. Sei que Matthew responde um questionário ao delegado, porém não sou capaz de entender e nem quero. Posso ver o rosto de Camila na minha frente, sorrindo. Posso vê-la ir e uma pontada em meu peito me lembra que dessa vez não vou encontra-la na faculdade pela manhã ou no restaurante na hora do almoço.

– Precisamos liberar a sala. – finalmente escuto o que eles estão dizendo.

Gentilmente, Matthew segura em meus ombros e me ajuda a levantar, me apoio nele para continuar caminhando. O delegado nos espera sair para fechar a sala.

– Se o Jonas não estivesse preso agora, mandaria você ir para outra cidade urgentemente. – ele comenta – Ele estava a perseguindo.

Respiro fundo e ignoro. O que adianta prendê-lo agora? Ela já está morta.

Voltamos para a sala de espera, Monique estava pronta para perguntar alguma coisa quando seu olhar encontra o meu e então ela se cala. Desvio o olhar para a porta de saída e continuo caminhando, pois se eu parar agora, não irei mais conseguir continuar.

Assim que saímos, damos de cara com Rafael e Amiony. O jeito que Camila morreu volta para a minha cabeça, assim como os ensaios para o trabalho dele e nossas roupas. Se eu tenho culpa por sua morte, ele também tem, pois, a ideia de me colocar como chapeuzinho foi dele, ele o provocou tanto quando eu!

– O seu trabalho idiota. – falo entre dentes – Você o ajudou a matá-la!

Ele franze o cenho.

– Do que você está falando? – Amiony sussurra.

Solto-me dos braços de Matthew e me aproximo dele.

– Suas malditas fotos o ajudaram, a merda do seu trabalho fez tudo isso. – acuso-o – Você a matou tanto quanto eu matei.

– Não sei do que você está falando, Bianca. – ele diz, indiferente.

– Como não?! – agarro a gola de sua camiseta – Ele costurou a cabeça de um cachorro no rosto dela, - sussurro -, e a matou com uma machadada na cabeça. Isso não é familiar?

Amiony vira para o lado e é incapaz de segurar o gorfo. Os olhos de Rafael se arregalaram momentaneamente.

– Você tem que acabar com esse projeto. – sussurro entre dentes.

– Parar o trabalho não vai trazê-la de volta. – ele sussurra de volta – E o Jonas já foi preso mesmo.

Arregalo os olhos. Até onde a ambição do homem é capaz de ir?

– Bianca. – Matthew toca em minhas costas – Vamos embora.

Empurro Rafael e saio andando, entrego a chave do carro para o Matt e abraço o meu corpo. Todas as nossas ações geram consequências catastróficas. Ele destrava o carro assim que chego perto o suficiente, entro e olho pelo vidro o grupo que o delegado formou para explicar a situação. Amiony está chorando e Monique paralisada ao lado de Coraline. Rafael não está mais no grupo.

Matthew entra e liga o carro.

Contraio os lábios. Não sei se sou merecedora do meu “quase morta”.

Quando chegamos em casa, depois de passarmos pelo campo minado de repórteres, pedi para Matthew ficar mais um pouco comigo. Conseguimos encontrar alguma coisa que temos em comum: a dor e remorso.

***

1 semana depois...

A faculdade ficou fechada em luto por todas as vítimas dos assassinatos – e a principal causa disso é passar uma imagem de que eles se importam com essas e sofrem por elas para a mídia nacional e internacional. Villa Lobos é um lugar cada vez mais falado e visitado. É como se a morte e a crueldade fossem o ponto crucial para despertar o interesse medíocre nas pessoas sobre alguma coisa. Jonas foi transferido para o manicômio há alguns dias – no mesmo dia do enterro de Camila.

O enterro em si foi bonito; o dia está ensolarado, calor e havia muitas flores, por todos os lados. Foi uma cerimônia pública, pois todos estavam emocionados com a morte de alguém tão próximo e quiseram prestar condolências. Eu e Matthew não ficamos perto do aglomerado de pessoas em volta do caixão, ficamos mais afastados, apenas observando a situação, como se fosse parte da paisagem e não, realidade.

Para mim, ela sempre estará viva.

– O que você quer fazer depois? – ele pergunta, baixo.

– Podemos comer alguma coisa. – dou de ombros – Qualquer coisa.

– Comer?

Penso na sugestão por um tempo e meu estômago ronca.

– Comer parece bom. – sussurro e ele ri contidamente.

Duas horas depois, após o caixão ser enterrado e velado mais uma vez, fomos embora em completo silêncio. Mesmo a cidade estando movimentada, ainda cheira a morte e horror. O mais incrível é que a nossa faculdade tem recebi muitos pedidos de transferência para estudar aqui e muitos alunos desistiram de ir embora, mas eu ainda mantenho a ideia de mudar no outro semestre, pra mim essa história já deu.

– Podemos parar naquela cantina de esquina. – ele sugere – Eles têm ótimos lanches.

Meneio a cabeça concordando.

Sentamos nas mesas do lado de fora.

– Você não tem falado muito. – ele comenta.

– Nunca falo. – rebato, de jeito mais gentil que consigo.

Ele dá um mínimo sorriso e pega o cardápio.

– Se culpar pela morte dela não vai te fazer mais conformada com a situação. Você não queria isso, certo?

– Não.

– Então, vamos seguir em frente.

Seguir em frente parece ótimo e difícil.

– Podemos fazer alguma coisa hoje. – sugiro.

– Tipo o quê? – ele ergue os olhos verdes do cardápio para mim.

Mordo o lábio inferior.

– Sei lá... Sair.

– Pra onde?

Solto o ar dissonante.

– Você não me ajuda assim. – declaro.

Ele ri.

– Gosta de algum lugar aqui?

Paro e penso. Nunca passei pela cidade e não conheço pontos, então não sei qual o meu lugar favorito para ir. A não ser... A não ser que a gente vá para a cachoeira. Lá é silencioso, afastado e calmo, e outra, de dia deve ser muito mais agradável.

– Conheço um lugar. – informo.

– Qual?

– Surpresa. – ergo a mão para chamar o garçom.

Almoçamos e conversamos um pouco, aos poucos o assunto surge, assim como o lindo sorriso dele. Havia me esquecido do quão bonito e cativante seu sorriso podia ser e por alguns segundos, admirando-o, podia me esquecer do resto.

– Pronta? – ele levanta.

Deixo o dinheiro da conta ao lado do seu e levanto.

– Claro.

Caminhos de volta para o carro e então seguimos direto para a ponte. No caminho, tento refazer o caminho para a cachoeira pela mata, mas a escuridão não me deixa lembrar por onde eu seguia atrás do Malic.

Paramos o carro.

– Você sabe ir, né? – ele me encara.

Sorrio amarelo.

– É claro que sei. – balanço a cabeça – Pergunta mais idiota.

Entramos na pequena trilha e o caminho foge de minha cabeça. Ai Deus, eu entrava em algum lugar aqui.

– E agora? – ele questiona, a minha frente.

– Hm... – olho em volta – Vire aqui. – viramos à direita.

Andamos, andamos e andamos.

– Tem certeza que sabe onde está indo? – ele questiona, desconfiado.

– Não. – olho em volta – Não faço a menor ideia.

Ele respira fundo.

– Ótimo, estamos perdidos na reserva. – ele resmunga.

– Desculpa, ai meu Deus, desculpa mesmo. – me desespero – Vamos sair daqui, claro que vamos, não coloque pressão em mim!

Ele solta o ar dissonante e para de andar.

– É melhor parar de andar, vamos nos perder de novo. – ele adverte, pondo a mão na cintura.

– Sim, também acho melhor.

No silêncio que nos encontramos, podemos escutar qualquer tipo de som que nos rodeia, inclusive o de uma queda d’água.

– Encontrei! – anuncio, correndo em direção ao som.

– O quê? – ele me acompanha na corrida – Encontrou o quê?

Continuo correndo e a excitação de encontrar a cachoeira corre por meu corpo. Por um momento, posso esquecer onde estou, com quem estou, na situação que estou, meu cérebro só pensa em uma única coisa. Rio.

– Corra, Matthew, corra. – grito, fazendo meus pulmões queimarem pela falta de fôlego.

Paro a beira do barranco que leva a cachoeira e o aguardo por alguns instantes.

– Então é isso? – ele sopra as palavras, ofegante.

– Bonito, não?

Com certeza, de dia aqui é muito mais agradável aos olhos e mais fresco. Tenho mais confiança em ficar aqui pelo simples fato de conseguir enxerga um palmo diante do meu nariz. Procuro pela passagem improvisada no meio da grama e Matt me segue. Descemos com cuidado e sentamos nas pedras.

– Como descobriu isso? – ele pergunta, tombando a cabeça na direção do sol.

Limpo a garganta.

– Fizeram uma festa aqui um dia e gostei, mas era a noite. – omito alguns fatos – Não consegui apreciar como agora.

– Tem medo do escuro?

Sorrio.

– Não foi isso que eu quis dizer.

– Eu sei, só fiz uma pergunta.

Dou de ombros.

– Se for uma penumbra, não vejo problema, pois ainda consigo ver as coisas que me cercam, mas o escuro propriamente dito, hm, tenho. – confesso – Tenho medo de coisas que não consigo ver.

Me pergunto se Camila também teve tanto medo do escuro quanto eu tenho, se ela teve medo de morrer e se lutou pela vida. Se, em algum momento que ainda possuísse uma consciência, ela pensou em mim e sentiu ódio. Gostaria se saber se ela consegue me ver e escutar minhas orações por ela a noite, se ela me perdoa ou se ainda guarda rancor de mim.

– Você ainda pensa nela? – ele murmura, com a cabeça baixa.

– Sim, toda hora. – murmuro – Não sei se é egoísmo, mas gostaria de esquecê-la, apenas por um momento, para esquecer o remorso.

– Penso nela antes de dormir, todas as noites, é como um sonho consciente, posso escutá-la rir e sentir seu toque, mas não consigo mais vê-la, é algo distante. – ele confessa, baixo.

Mordo minhas bochechas e seguro as lágrimas.

– Será que ela vai me perdoar? – encaro-o – Pelo o que eu fiz.

– Você não fez nada. – ele me repreende – Não tem culpa pela doença mental de outras pessoas.

– Mas o jeito que ela morreu... – a continuação da frase some em minha boca e uma dor aguda atinge o fundo de minha garganta, quero chorar.

– Se continuar pensando assim, nunca irá superar.

– Sei disso.

– Então pare.

– Não consigo.

Ficamos em silêncio. Acho que nunca vou conseguir.

– Quando minha vó morreu, minha mãe ficou de cama e eu achei que ela iria morrer junto. Cada dia ela ficava pior; mais magra, mais pálida, mais morta. E uma vez, a encontrei gritando no quintal, achei que ela estava ficando louca, mas ela estava mais sã que nunca.

– Por que ela estava gritando?

– Estava falando com minha vó. – ele sorri – Desengasgando tudo o que ela não conseguiu falar em vida e eu a deixei gritar, chorar, falar até ficar rouca e cansada. Depois disso ela teve uma melhora, como se a culpa dela tivesse saído de suas costas e agora ela fala sempre com a minha vó.

– O que quer dizer com isso?

– Faça o mesmo. – ele dá de ombros – Fale com ela.

Talvez ele tenha razão. Isso que eu estou sentindo pode ser o remorso me consumindo e se eu falar com ela, falar tudo o que eu não consegui falar para ela, talvez eu melhore da culpa.

– Camila! – grito e o eco de minha voz repercuti por todos os lados – Camila, se você estiver me ouvido, só tenho uma coisa a dizer: Eu sinto muito! – levanto – Eu deveria ter te abraçado aquele dia, ter falado que você era importante pra mim e que ia ficar tudo bem. Eu tinha que ter te levado pra casa, mas eu não fiz isso. Eu errei com você, Cam e eu imploro que você me perdoe. Nunca terei a chance de falar com você novamente e nunca vou ter a chance de dar o meu “quase morta” para você e quer saber de uma coisa? Eu tive essas chances todas as vezes que vi você e não a cumprimentei, todas as vezes que deixei meu estresse pessoal passar por cima de meus laços e hoje estou aqui, hipocritamente, pedindo por isso. Meu “quase morta” também era seu e eu o arranquei naquela noite, quando assisti você seguir sozinha, em silêncio. – minha voz falha – Estávamos juntas nessa dança, mas agora você se foi e eu fiquei aqui, sozinha, fazendo círculos envolta de mim mesma. Por favor, Camila, siga por sua trilha em paz, dessa vez o lobo mau não estará mais atrás da árvore e você poderá chegar em casa.

Mordo o lábio inferior e respiro fundo. Não me sinto menos culpada, apenas mais leve. Matthew envolve meu ombro com sua mão e sorri.

– Às vezes é melhor falar com os mortos. – ele declara.

Dou um mínimo sorriso e o abraço. É estranho pensar isso, mas ele tem feito a diferença na minha vida e o apoio dele era o que eu menos esperava no meio dessa confusão, para mim, ele seria o último a estender a mão.


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Notas finais do capítulo

Desculpa qualquer erro de digitação, às vezes passa despercebido.