Más Companhias escrita por Mayhem Noyer


Capítulo 3
Capítulo 3: Armas Químicas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/622070/chapter/3

Ela se virou para mim, e naquele segundo aqueles seus olhos negros devoraram a minha atenção, os pelos dos meus braços se eriçaram, fazendo cócegas quando tocavam minha camisa, e senti os músculos da minha perna vacilarem... Eu me perdi naqueles olhos. Olhos negros e brilhantes, os cílios curtos contornavam os espelhos da alma daquela garota como diamantes contornam uma coroa; seu nariz curto e pequeno anunciava o início dos lábios vermelhos e definidos em curvas suaves. Nos cantos daquela boca vi surgir um sorriso, entre aquelas pequenas covinhas eu vi o motivo para tamanha desordem no meu coração, ela era linda.

Ana havia me abraçado, o tempo voltou ao normal e o cheiro forte e doce do perfume da loira me resgatou a atenção. Tirei os olhos da garota e pousei-os na minha amiga. Ana Velásquez tinha cabelos loiros bastante lisos que lhe caiam sobre os ombros, os lábios pequenos sempre exibiam aquele sorriso branco e lindo que eu amo, que sempre me faz sorrir junto com ela. Tinha os olhos castanhos esverdeados que pareciam abrigar o mar, pela quantidade de sonhos que por ali navegavam, as bochechas róseas deixavam-na com a cara de criança e na maioria das vezes ela parecia mesmo uma criança. Ana tinha um nariz curto e arrebitado, conferindo-a uma cara de mais velha, pequenas e tímidas sardas pontuavam suas bochechas.

Beijei-a na testa, sua cabeça não passava da metade do meu rosto, e ela ficou na ponta dos pés enquanto tentava me estrangular num abraço.

— Desculpa não ter ido na sua festa, meu bem, não consegui convencer meus pais, o voo chegou ontem de madrugada só. Ela desculpou-se, descendo para o chão, libertando-me do seu abraço perfumado.

— Tem problema não, relaxa, como que foi lá. Eu sorri com a preocupação da garota, conduzi-a lentamente pela cintura enquanto trocava as sacolas para uma mão só.

— Foi ótimo! Você tava certo, lá é maravilhoso, estava com tanta saudade da praia... Ela comentou rindo. Esgueiramo-nos por entre os convidados da festa tentando achar os outros, o cheiro fresco das bebidas perfumava o ambiente.

— Lá é show de bola mesmo, eu trouxe o que tu pediu. Eu lembrei-a, acenando para as sacolas que eu trazia; Ana vinha distraída abraçada com meu braço direito, ela concordou com a cabeça e sorriu.

— Lá no Lucas eu te pago – ela então me fitou por um segundo com um olhar interrogativo – o quê que aconteceu? Você tava com uma cara de bravo... Ela me perguntou, nos aproximávamos agora da piscina onde eu vira Raul e os outros.

— Encontrei o Frazão... Irmão, me ajuda com essas coisas aqui. Chamei um dos amigos do meu curso na Universidade, Ana soltou-me o braço para que eu pudesse entregar as bebidas e elas foram levadas para o freezer ali perto.

— Na Tenda? E o que aconteceu? Ela perguntou, segurando-me pelo pulso para me impedir-me de ir cumprimentar os outros. Agradeci o companheiro com um meio abraço e voltei-me para a loira.

— Na distribuidora, ele chegou falando do Lucas e aí a gente se estranhou, mas deu em nada não. Eu acalmei-a, recostando-me na bancada da churrasqueira atrás de mim; Ela franziu a testa e me estudou com o olhar.

— Não sei qual que é o seu problema com ele. Ela disse quase resmungando; eu devolvi o olhar quase que incrédulo, a ingenuidade da Ana me assustava as vezes...  Quem sabe ela fizesse aquilo só para me irritar... Vai saber. Dei de ombros.

— Eu não gosto dele. A gente vai junto lá para o Lucas mesmo né? Eu desviei do assunto, a expressão animada voltou a iluminar o rosto da minha amiga.

— Vamos sim, deixa eu achar as meninas então, até já já. Ela me deu um beijo estalado no rosto, roçou a mão na minha e foi embora, perdendo-se no meio da multidão.

Dei um suspiro cansado, meus olhos ardiam levemente de sono e minha garganta seca começava a me incomodar, passei a mão no rosto. Uma música nova começava e luzes azul e verde dançavam pela casa, iluminando a piscina e os rostos alegres daquela noite; o cheiro das bebidas, da fumaça perfumada e das frutas nos coquetéis inflavam o ambiente eufórico que se formava, ri comigo mesmo... Seria uma noite boa pra caralho. Raul tocou meu braço com a ponta gelada de uma garrafa de cerveja, apanhei-a e abracei meu amigo.

— Salve, salve, companheiro. Eu saudei-o, ele riu.

— Salve, meu maninho. Tudo certo? Ele perguntou, recostando-se comigo na churrasqueira e me entregando a minha garrafa.

— Tudo em paz, meu mano. Abrimos cervejas e tomamos um gole, Raul observava a multidão, a música eletrônica conduzia a noite.

— E com a Ana, como que tá? Ele me perguntou, sem olhar para mim; um riso distraído crescia no seu rosto.

— Tá na mesma mano, tudo em paz. Tu falou com o seu irmão? Eu ri pra mim mesmo e engoli mais um gole da cerveja, Raul não bebeu.

— Falei, o moleque não cansa de fazer merda, depois eu te pago, de boa? Raul não despregava os olhos da multidão.

— Não precisa meu mano, ta tranquilo, bora lá que eu tenho que guardar as coisas do narguilé no carro. Eu me afastei da churrasqueira e andamos juntos em direção à rua.

— Tu não anima de acender ele não, aqui? Raul perguntou enquanto nos aproximávamos da porta.

— Eu fumei ontem já meu mano, animo não, e to só com as essências aqui, o narguilé ficou em casa. Eu respondi.

— Boto fé, tranquilo então. Resignou-se meu amigo, deixamos a festa.

Lembrei que me esquecera de abrir o pacote que chagara para mim na noite passada, obriguei-me a lembrar de fazê-lo amanhã pela manhã. Guardei minhas coisas no carro e voltamos para a festa fugindo do ar frio da noite, Raul já terminara sua garrafa e a minha mal descera três goles do seu ponto inicial. Entramos na festa e nos perdemos no mar de gente, os corpos chocavam-se na dança e tudo o que eu queria era voltar à piscina.

 Perdi meu amigo para a primeira loira que lhe tocou o pulso, deixei-os se agarrando no meio da casa com um riso cômico. Quando estava quase chegando à área da piscina fui interceptado por uma das amigas da Ana: Carolina Santana.

— E aí, Carol. Cumprimentei-a, dando um beijo no rosto da garota.

— E ai Rodrigo, tudo bom? Ela me perguntou, sorrindo. Carolina Santana é do tipo de garota com a qual se conversa por horas com extrema facilidade, ela é alta, tem os olhos negros como seus cabelos, a pele é suavemente bronzeada e seus traços lembram bastante aos traços de uma índia, ela tinha um sorriso caloroso e as bochechas fartas.

— Tudo tranquilo, nós vamos lá pro Lucas então? Perguntei, conduzindo-a para o rumo da piscina.

— Vamos sim, foi mal por você ter de ir com a gente, é que eu tenho que comprar uma coisa lá na Imaginarium da Vilas Boas e a Ana morre de medo de ir lá muito tarde da noite. Ela se desculpou.

— Relaxa, tá tranquilo, lá é tenso mesmo; tu viu a Ana por ai? Ela tinha que me mostrar alguma coisa... Eu perguntei, olhando em volta enquanto passávamos pela churrasqueira, onde um monte de garotas falava bem alto sobre alguma coisa que devia ser realmente hilariante, pois elas riam bem alto.

— Eu falei com ela agorinha, mas ela deve estar lá em cima falando com a Bia. Ela comentou, olhando em volta.

— Bia? Que Bia? Nesse momento uma das amigas da garota, Raquel Queiróz, e um rapaz que eu não conhecia aproximaram-se de nós.

— Oi gente! Raquel saudou-nos, abraçando a amiga por trás e dando o rosto para que eu a beijasse.

— E ai. Respondemos eu e a Carol, quase em uníssono.

— E ai, mano, Renato Gouveia. O rapaz me cumprimentou, logo depois de beijar a testa da Carol.

— Prazer, meu irmão, Rodrigo Noyer. Eu apertei a mão do rapaz e ele apertou de volta. Tinha um rosto quadrado e não usava barba, era um homem grande e tinha os cabelos cor de palha, os olhos eram verdes amarelados e os dentes largos.

— O Renato faz medicina lá na UFEPA, Rodrigo. Carol comentou, sorrindo para o rapaz.

—Massa demais, tu tá em qual período? Perguntei, dando mais um gole na cerveja que eu quase esquecera na minha própria mão.

— Tô no terceiro, mano. Ele respondeu, dando um gole também no copo que carregava. Julguei que era alguma vodca misturada com energético, primeiro pela cor, segundo pela grande quantidade que o rapaz bebeu e terceiro pela estremecida que a bebida provocou quando ingerida.

Alguém colocou a mão no meu ombro quando dei um gole na minha cerveja e me virei para ver quem era.

— Opa, mano, tu pode me ajudar a acender o narguilé aqui? Eu não tinha certeza se conhecia o rapaz que pedia a minha ajuda, mesmo tendo quase certeza de tê-lo visto na faculdade algumas vezes.

— Posso sim, mano. E acompanhei-o até a piscina, onde grande parte dos meus amigos, várias garotas e alguns desconhecidos reuniam-se em volta de uma mesa redonda com dois grandes hookahs no centro, onde havia um local onde eles eram encaixados. Raul acenou para mim com uma das mãos enquanto a outra se encontrava nos ombros da garota que ele conhecera a pouco na casa.

— Acende aí pra gente, irmão. Ele disse, tomado pela embriaguez, e foi acompanhado por um coro de aprovação.

— Cadê as essências? Aquilo havia me queimado pouco da paciência, mas tudo bem, Raul passava dos limites de vez em quando.

— Naquela maleta prateada aí a trás. Indicou um dos rapazes à esquerda do Raul, Alexandre Godoy.

Desencaixei a porcelana das duas torres e levei-as para a mesa atrás de mim, onde estava a maleta. Alguém me tocou o braço e eu virei-me para ver quem era... E era ela. O rosto quase corado da garota me encarou por menos de um segundo, antes de se abrir num sorriso tímido, fazendo o negro dos seus olhos brilharem um pouco. As covinhas que despontavam daquele rosto tinham um ar de cumplicidade e, por um instante, eu sorri com ela. Mas por um instante apenas.

—Oi! Tu quer ajuda? Ela perguntou, era uma voz macia... Nada fora do comum. Era uma voz linda.

— Tu sabe montar? Eu perguntei, olhando para ela e deixando escapar um riso inocente.

— Eu queria aprender na verdade, nunca pude ter um. Ela comentou rindo, posicionou-se de lado para a mesa e de frente para mim enquanto eu procurava a pinça para começar a preparar a porcelana. A garota tamborilava os dedos na mesa enquanto me estudava com os olhos.

— Por quê? Teus pais não gostam? Eu perguntei, olhando a garota nos olhos. Eram negros e possuíam esse brilho cômico, como se fossem os olhos de uma criança. Ela deu um meio sorriso antes de responder.

— É... eles são meio chatos com esse tipo de coisa então eu nem toco no assunto, sabe? Ela estreitava os olhos enquanto falava... Tenho que para de encara-la desse jeito.

— A maioria dos pais é assim mesmo, relaxa. – Ela deu um pequeno sorriso - quer que eu te ensine então? Perguntei.

— Quero. Ela respondeu, sorrindo.

Passamos uns vinte minutos naquela mesa preparando as porcelanas, geralmente eu não demoraria tanto, mas aquela garota se revelara especialmente fácil de conversar e sinto que durante os vinte minutos que passamos sozinhos naquela mesa eu não tenha tirado os olhos dela por muito tempo uma única vez. Não saberia dizer ao certo se ela de fato aprendeu a preparar um hosh de qualidade, talvez por que eu não tenha me lembrado de ensinar com todos os detalhes importantes ou quem sabe não era aquele o principal propósito dela ali... Creio que nunca saberei.

 Ao fim dos vinte minutos o par de carvões que fumegavam no fogareiro estavam prontos e, enquanto posicionava-os em cima do papel alumínio, eu me lembrei de perguntar o nome da garota.

— Beatriz, Beatriz Mendonça. E o seu mesmo? Ela respondeu, rindo da situação.

— Rodrigo Noyer. Eu respondi, beijando a mão da garota com um gesto teatral. Rimos e nos aproximamos dos outros novamente.

— Aleluia, meu irmão! Gritou Raul, levantando a garrafa de cerveja na minha direção.

— Folga não, maluco. O adverti, rindo. Encaixei as porcelanas nas torres da mesa e me voltei para Beatriz, que ria para uma amiga sentada na mesa.

— Eu vou pegar uma bebida pra mim, quer alguma coisa? Eu perguntei, me aproximando.

— Pega um copo de Gummy, por favor, eu vou sentar com a minha amiga ali, senta lá comigo? Ela indicou um par de lugares entre Raul e uma moça loira de costas para nós.

— Sento sim, vai lá. Eu confirmei com um meio sorriso e me afastei.

Voltei para dentro da casa e fui até o lugar onde as bebidas estavam dispostas, as luzes fortes e o barulho ensurdecedor da música me deixavam tonto. Acredito que tocava alguma música eletrônica que eu desconhecia, mas a verdade é que ninguém estava prestando muita atenção na música... A festa aproximava-se no seu ápice. Avistei a Ana e a Carol perto das bebidas, ambas serviam doses generosas da vodca antes de misturarem a bebida com energético.

— Vai com calma, moça, a gente tem um compromisso mais tarde. Eu brinquei, beliscando a loira.

— Relaxa, quer? Ela respondeu, sorrindo, e ergueu a garrafa pela metade para mim.

— Quero, por que vocês não vêm sentar comigo e com o Raul? A gente tá lá na área da piscina. Eu disse, segurando a garrafa antes que ela escorregasse das mãos ébrias da minha amiga.

— A gente vai jogar verdade ou consequência com aquele povo da Agrária, mano. Mais tarde a gente vai lá. Respondeu a Carol um pouco antes de bebericar o seu copo.

— Entendi, e que horar vocês querem ir? Eu perguntei, servindo a vodca em um copo de vidro.

— Umas nove e quarenta mais ou menos. Ela respondeu enquanto Ana dava um longo gole.

— Beleza. Eu concordei, as duas fizeram menção de se afastar, mas a Ana pegou no meu pulso.

— Fica ligado no celular, que horas são? Ela perguntou.

— Acabou de dar oito. Eu verifiquei

— Tá, qualquer coisa me liga. Ela apertou meu braço e se foi.

Completei a metade restante do copo com um energético e enchi outro copo com o gummy. Voltei com os copos para a mesa, Beatriz conversava com a amiga dela e pelo que me parecia ninguém tinha colocado a mangueira nos narguilés ainda... ainda bem. Cheguei na mesa, entreguei o copo da garota e peguei um par de mangueiras prateadas dentro da maleta prateada.

— Tu vai pra onde depois daqui? Eu perguntei para a garota enquanto encaixava as mangueiras.

— Não sei, tava querendo ficar aqui um pouco e depois ir pra casa... Ela comentou, me estudando com o olhar.

— Vai ter um show da banda de um amigo meu no parque mais tarde, se tu quiser ir... Eu a convidei, hesitante. Terminei de encaixar as mangueiras e sentei-me ao lado dela, segurando as pontas firmemente no colo.

— Seu amigo tem uma banda? De que? Ela perguntou, virando o corpo na minha direção. Eu notei um brilho de curiosidade em seus olhos.

— Uma banda de rock, eles tocam pra caramba. Eu expliquei, dando um gole no meu copo.

— Aah, massa demais.... Ela comentou, e eu vi aquele brilho morrer diante dos meus olhos. Ela desviou os olhos dos meus e deu um gole do seu copo – Onde vai ser?

— No Vilas-Boas. Eu respondi prontamente, já sabendo a resposta.

— Não vai dar pra ir, é meio longe lá de casa e eu vou ter que acordar cedo amanhã... Foi mal. Ela desculpou-se, esbouçando um sorriso.

— Tá tranquilo, deixa pra próxima. Eu desviei os olhos dos dela pela segunda vez, toquei as bordas frias do copo... eu devia me levantar. Respirei fundo e ergui o copo até que ele me tocasse os lábios, sorvendo a bebida com voracidade. O álcool queimou-me a alma, pisquei com força e voltei a olhar para a Beatriz, ela agora ria de alguma coisa que a amiga que lhe segredava.

— Tá pronto ai, irmão?  Perguntou-me um rapaz alto e negro que acabara de sentar-se do meu lado direito, ocupando a cadeira que antes ocupara a garota que acompanhava o Raul.

— Tá sim mano, bora ver se ficou bom. Eu respondi, esquecendo a morena ao meu lado.

Retirei todo o ar dos pulmões e levei a ponta fria da mangueira aos lábios, como um homem sedento eu suguei aquela fumaça para dentro de mim, preenchendo o vazio do meu peito com aquele aroma perfumado. Senti minha cabeça vacilar e minha mente se embaralhar, antes de perceber que fechara os olhos, eu os abri para um mundo confuso e mal iluminado. Passei a mangueira para o rapaz que se sentara, soltando a fumaça aos poucos para o céu estrelado e recostando-me na cadeira... minha mente aquietara-se mas meu corpo pesava uma tonelada.

— Tá boa? O negro me perguntou, limpando a ponta prateada na camiseta e levando-a aos lábios.

— Boa é pouco, meu irmão, tá sensacional. Eu respondi, rindo comigo mesmo enquanto o rapaz vacilava e recostava-se na cadeira, devolvendo a mangueira.

— Tá maluco, meu irmão. Ele comentou, rindo uma risada sonora enquanto deixava a fumaça escapar aos montes pela boca.

— Passa uma delas ai, mano. Pediu uma ruiva do outro lado da mesa. Eu me levantei vacilante, segurei uma das torres o mais firmemente possível e a ergui alguns centímetros, entregando-a para a garota.

— Caralho moleque, tá a grama essa aqui, hein? Raul comentou à minha direita, devolvendo a mangueira.

— Tá demais, mano. Eu respondi, levando novamente a mangueira aos lábios e sorvendo aquela fumaça com todo o fôlego que possuía.

— Deixa eu experimentar? Beatriz me estendia a mão com um sorriso doce e eu, com o mesmo sorriso, eu entreguei a mangueira, terminando de soltar a fumaça pelas narinas.

— Como faz? Ela riu consigo mesma, levando a mangueira à boca.

— Solta todo o ar, puxa devagar, deixa um pouquinho e solta devagar também. Eu ensinei, e a observei tentar.

Ela tentou, e acredito que, talvez devido a fumaça, o tempo passou muito mais devagar do que deveria. Ela sorriu ao levar a mangueira aos lábios, quando tirou o ar dos pulmões suas pequenas narinas inflaram e a garota estreitou os olhos até que estivessem quase fechados. Quando a fumaça começou a entrar seu pescoço se contraiu levemente e suas sobrancelhas franziram-se, seus lábios deixaram lentamente a borda prateada. À medida que a garota deixava cair as mãos sobre o colo seu corpo recostou-se na cadeira, um filete de fumaça escapou pelos seus lábios úmidos e seus olhos finalmente se abriram, junto com um sorriso.

— É muito bom. Ela disse, olhando para mim com alegria e passando a mangueira para a amiga ao lado.

— Falei que era. Eu respondi, rindo da garota.

Ela concordou com a cabeça e recebeu a mangueira novamente. Eu olhei em volta, dois outros narguilés haviam sido montados dentro da casa. A festa começara a se agitar e o sorriso dos convidados alargava-se. O barulho que faziam os jovens transformava-se lentamente de um murmúrio incessante para uma confusão de gritos, exclamações, reclamações e risadas.  Garrafas de vodca e cerveja iam e viam por todos os lados, nos copos transparentes bebidas coloridas de verde, azul e vermelho refletiam à luz dos holofotes e lâmpadas da casa.

As luzes da piscina se ascenderam, tingindo as aguas limpas com um brilho púrpura e azul; algumas garotas mais animadas foram as primeiras a mergulhar seus corpos naquelas aguas coloridas, seguidas de rapazes famintos. Eu não encontrava a Ana em lugar nenhum, nem ela nem nenhuma de suas amigas; Beatriz, a medida que bebia, começava a falar bastante e a cerveja inflara o meu senso de humor, riamos como palhaços. Os olhos negros da garota me acompanharam a noite toda, do que riamos eu não me lembro de forma alguma; mas os olhos... Dos olhos eu me lembro.

Com o passar do tempo, a noite começou a esfriar e as pontas dos meus dedos estava brancas de tanto frio. Beatriz tinha pegado o meu casaco emprestado e agora abrigava-se nele como se fosse um casaco de pele... Eu era muito maior que ela. Foi quando o Raul chamou-me para irmos para o show no parque que eu me lembrei de que deveria observar as horas. Pesquei meu celular em um dos bolsos e olhei a hora no visor... 9:35 e não havia sinal da Ana e nem das outras garotas.

— Pode ir indo, meu mano, eu tenho que esperar a Ana. Eu avisei.

— Beleza, mas tu viu a hora? Ele me alertou enquanto se despedia.

— Vi sim, fala pro Lucas que eu vou atrasar uns 10 minutos só, mas eu chego.

— Beleza então, te vejo lá. Raul se despediu, virando-me as costas e dirigindo-se para o carro acompanhado dos outros rapazes. Ele ainda tinha uma garrafa na mão...  Pensei em dizer alguma coisa, mas o momento se foi com o vento, o carro foi ligado e meu amigo partira.

Fiquei por um minuto olhando o carro se afastar, virar a esquina na terceira rua à direita e sumir da minha vista. Minhas mãos vazias estavam frias e eu esfreguei meus dedos uns contra os outros; uma outra mão, uma mão quente, apertou a minha e eu me virei para ver quem era, perdido no estupor do álcool e da fumaça. Eram aqueles olhos negros de novo, eram aqueles lábios vermelhos, era aquele pescoço fino...

— Ei, tenho que ir, a gente se vê depois? Ela perguntou rindo, mas olhava-me nos olhos.

— A gente se vê sim, me passa teu numero. Eu respondi, ainda meio tonto, pesquei novamente meu celular no bolso e entreguei para a garota, ela salvou o número e me devolveu.

— Até mais, então. Ela disse, erguendo a mão direita em despedida.

— Até. Eu respondi, mas ao invés de acenar-lhe eu peguei-a pelos dedos e puxei-a para mim, pousando-lhe um beijo na testa. Eu ouvi sair dos meus próprios lábios um sussurro: “Boa Noite”.

— Boa noite. Ela respondeu, e com um ultimo sorriso ela se foi, andou um pouco até um carro branco onde a amiga lhe esperava.

Eu sentei no meio fio enquanto o carro dava a partida, o farol branco cegou meus olhos por um instante, o carro começou a ganhar velocidade e passou por mim. Elas viraram a segunda à esquerda e também sumiram de vista. Eu fiquei sozinho no meio fio, Ana acabara de me enviar uma mensagem pedindo que eu esperasse na porta... Mas eu não dei atenção, meu olhos estavam fixos no asfalto. Pétalas brancas surgiam por dentre aquela massa cinza, era feia, mas por incrível que pareça... Uma flor nasceu na rua.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Más Companhias" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.