Uma quinta-feira muito especial escrita por Rose


Capítulo 1
Capítulo Único (novamente)


Notas iniciais do capítulo

agora com a copa!



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- Filho...Tem certeza que ficará tudo bem?

- Sim papai, não se preocupe...Eu sei que o senhor precisa trabalhar.

- Eu vou me esforçar para que a final da copa eu possa assistir em casa – já estaremos quase nos mudando para Angra, mas os primeiros jogos eu preciso ficar no restaurante...

- Eu vejo os jogos com a Adriana, papai! Será que o tio Félix consegue vir?

Mais decepcionado que Jayminho, Nicolas deu um abraço forte no filho agradecendo a compreensão, nessas horas ele se sentia um homem de muita sorte com um filho tão maduro para entender toda a revolução que estava prestes a acontecer na vida deles.

A urgência de se mudarem para Angra antes que as aulas começassem novamente para Jayminho estava matando Nicolas aos poucos...Como ele gostaria de sair de férias nem que fosse por um dia para que pudesse levar o filho para assistir algum jogo da copa do mundo que se aproximava, de tão atarefado nem se lembrara de tentar se inscrever pela internet para o sorteio de ingressos. Tarde demais, pelo Félix não parecia se preocupar tanto com futebol como seu filho.

- Pelas contas do rosário, carneirinho!!! Eu devo ter salgado o mar morto para ouvir isso logo no almoço da domingo, melhor, lanche da tarde porque se dependesse do seu ritmo a santa ceia seria santo breakfast...Antes eu não esperava tanto para almoçarmos – mesmo sabendo que antes, bem antes era muito diferente desse agora; Félix fazia seu humor ácido presente nessas pequenas coisas a fim de demonstrar sua insatisfação com o que acabara de ouvir, por sorte suas mãos esguias mais uma vez repetiam o gesto de separar os háshis para que pudesse iniciar sua refeição e com um pouco de sorte isso pudesse melhorar seu humor.

- Félix! Poderia ao menos falar um pouquinho mais baixo? - Nicolas a tudo assistia como se fosse a primeira vez que ele almoçassem juntos tamanho o encantamento em vê-lo comendo cada uma das especiarias especialmente reservadas para seu cliente mais exigente.

- Falar baixo por quê? Eu não sei se você reparou que o restaurante já fechou, agora ele só abre para o jantar! Bom, jantar nenhum por que do jeito que o senhor anda ocupado eu vou comer miojo com salsicha lá com a Márcia, quem sabe ela tem tempo para mim?

- Está com saudade da 25 de março? – Niko esforçou-se para não gargalhar na sua infâme tentativa de ser irônico, já que a cada dia que passava Félix estava mais e mais manhoso como se alguma dessas inúmeras indiretas fosse resolver o impasse que ele mesmo havia criado.

- Eu não admito mais nenhuma palavra a respeito da 25 de março, só porque você foi falar com a minha mamy não lhe dá o direito de me lembrar do hot-dog do Félix a todo momento...Carneirinho, não pense que eu não sei que você usa a 25 quando já não tem argumentos para me convencer a fazer algo do seu jeito.

Nicolas ainda não havia aprendido a mentir e ficou tão rosado como um dos camarões que Félix acabava de comer descartando só a cauda com um sorriso levemente malicioso e tão conhecido que acabou por deixar seu carneirinho mais vermelho que o próprio pecado.

- Não, Félix! Definitivamente como gerente desse restaurante você tem que entender que eu não posso largar tudo na semana que a Copa do Mundo vai começar para viajar com você...Não olhe assim...Também não posso sair para jantar nem no dia 11 ou 12, o restaurante vai estar uma loucura! Você ainda não reparou como essa cidade está lotada? Não posso largar o Edgar aqui com o novo sushi-man...Eu preciso fazer a fama do restaurante, não afundá-lo justo na Copa...Até porque vamos para Angra em breve. Até eu conseguir que o novo restaurante lá dê lucro vou precisar desse aqui de vento em popa....Não posso queimar o Gian faltando logo na semana mais cheia do ano aqui em São Paulo – Dia dos Namorados, jogo do Brasil, cheio de turistas. Por que a gente não fala de outras coisas? – na tentativa de recuperar a situação para seu controle ele dá uma piscadinha, em vão...

- Quer saber Carneirinho? Eu acho que estou te fazendo mal, você só fala em dinheiro, em lucro, em trabalhar...Nem parece o carneirinho saltitante que eu conheci há alguns meses atrás...Delicioso! Mas não suficiente para me animar... – E ela dá um suspiro em desalento.

- Eu delicioso, Félix? – os olhos claros se tornararam ainda mais reluzentes na expectativa de ouvir a confirmação.

- Não, carneirinho, o sushi! – E ele não segurou a gargalhada, afinal ele sabia o que Nicolas esperava ouvir, mas nem por isso se faria de fácil.

- Félix!

Poucos dias depois Félix seguia impaciente pela casa de sua mãe, nem seu pai o aguentava perambulando de um lado para outro enquanto lhe fazia companhia.

- Que foi, Félix?

- Nada, papi...

- Você quer parar de me chamar de papi?

- Sim, papi...Desculpe, sim papai.

- Que foi dessa vez? Brigou com a sua, seu...aquele rapaz ou o que quer que ele seja?

- Não exatamente....

Revirando os olhos César simplesmente desejou ter um filho homem como se seu simples desejo pudesse se tornar realidade. Infelizmente Félix sabia o que significava aquele olhar e pediu licença e saiu, não queria iniciar nenhum discussão, já lhe bastava a desfeita que Nicolas estava lhe fazendo. Por sua vida toda havia procurado dinheiro e poder para agora já próximo dos quarenta anos descobrira que isso é o que menos importa, se sua vida estava resumida a cuidar de seu pai e um sorriso de olhos claros que lhe abraçava todas as noites o que mais ele poderia desejar?

Sim, um único jantar em uma quinta-feira de junho...Félix sabia que Nicolas estava certo, mas porque ao menos uma vez ele não poderia fugir um pouco das regras? Seria tanto prejuízo assim se uma noite que o sushi-man indicado a chefe revelação do ano não comparecesse? Sim, seria, especialmente quando a noite a se faltar seria uma quinta dia dos namorados e dia do jogo do Brasil na copa do mundo.

“Eu devo ter feito háshi da santa cruz para ter nascido no país do futebol...”

- Félix? Félix?

- Hããã...Sim, mamy...

- Querido que você faz sentado aí nessa escada...Vem cá...Nessa correria toda eu esqueci de te contar um coisa...Acho que você, o Nicolas e as crianças vão adorar...Bom, talvez seja melhor levar só o Jayminho...

Arqueando as sombrancelhas negras, Félix ainda teve tempo de ajeitá-las enquanto tentava dar continuidade àquele jogo de adivinhações...Será que sua mamy iria mandá-los para algum lugar exótico de lua de mel?

- Mamy...Talvez seja melhor só o Nicolas e eu viajando...A senhora pode ficar com o Jayminho e o Fabrício? Estava pensando em Bora-Bora...

- Félix?! – Ela não disfarçou a risada larga – Eu estou falando de outra coisa, não da sua lua de mel...Bora Bora...Nem o Maciel e eu fizemos tanto e olha que...Deixa para lá...O que eu vim te dizer é que o hospital San Magno possui algumas entradas para a Copa do Mundo e eu queria levar vocês, a Paloma e a família dela, pra assistir a idéia do Brasil, vamos?

- Es-tréia do Brasil? Mamy eu devo ter feito pole-dance na santa cruz pra escutar algo assim...Desde quando eu gosto de futebol?

- Filho...Quando eu acho que você mudou você vem e me fala isso? Cadê seu patriotismo?

- Está no primeiro mundo, óbvio!

- Félix, eu aposto que o Nicolas gostaria de assistir a um jogo, a não ser que ele já tenha comprado ingressos...Quer saber? Eu vou ligar pra ele e convidá-lo, você que fique aqui em casa rabugento como seu pai.

E a última coisa que Félix teve tempo de ver foram as madeixas loiras de sua mãe saindo pela sala.

Félix definitvamente não entendia como um jogo de futebol poderia ser mais importante que o dia dos namorados...Até o comercial da teve dizia para que os casais antecipassem a comemoração...De que adiantaria antecipar se o carneirinho não parava de trabalhar? Toda aquela irritação que só aumentava era por se sentir abandonado justo num dia que ele nunca havia considerado especial, sempre achou que tudo era uma questão comercial para movimentar a economia logo após o dia das mães e agora, bem agora ele se via forçado a cancelar uma reserva disputadíssima num dos restaurantes mais românticos de São Paulo e saber que seu carneirinho iria trabalhar tanto toda aquela semana que quando se encontrassem o dia doze já haveria de ter virado treze.

Além dessa decepção ele ainda nutria um certo quê de competição em dar a Niko algo muito mais especial do que jamais aquela lacraia havia pensado ou feito; sim, ele sabia que não havia a menor chance de ser comparado com o Eron, só que lhe corroía uma certa pontinha (ou seria um iceberg) de ciúme por saber que seu carneirinho havia ficado dez anos com aquele insosso. Talvez o que lhe doesse mais ainda fosse a insegurança de ter que se comparar justamente com a lacraia, sendo que a vida inteira havia pensando que melhor que Félix Khoury não haveria...Mas seria ele tão especial ao ponto que Nicolas suportasse a vida tão difícil que ele estava a lhe propor? Seu pai homofóbico, largar tudo e morar em Angra, manter-se alheio dos insultos que seu pai por ventura o fizesse...Com tudo isso, ainda assim viveriam por dez anos? Terminariam essa vida juntos?

Do outro lado da linha Nicolas se esforçava em explicar a sua futura sogra que não seria possível ele ir até o estádio por causa do restaurante, mas que se Félix fosse e pudesse olhar o Jayminho ele agradeceria muito que ao menos o filho se divertisse. Pilar sem pensar duas vezes se comprometeu a cuidar de Jayminho como um de seus netos.

- Não mamy, eu não vou no estádio levar o Jayminho...Onde está a Adriana?

- Ela vai ficar aqui em casa com o Fabricio e o seu irmãozinho esperando a gente voltar...Eu já combinei tudo com o Nicolas...

- Mas mamy, eu não posso ir no estádio!

- O que você vai ficar fazendo de melhor, a cidade inteira vai parar para assistir o jogo...

- Como assim a cidade vai parar? – Félix arregalou os olhos como se estivesse ouvindo alguma revelação cósmica.

- Aí filho...Eu te criei tão mal, você sempre viajando nessa época e nunca entendendo ou se importando com as pessoas a sua volta...O que quer que você queira fazer vai ter que esperar para depois do jogo...O Nicolas eu sei que vai ver o jogo e voltar a trabalhar...Mas você? Deveria ir com a gente...O Jayminho vai ser sua responsabilidade em um mês ou dois no máximo...Eu não me incomodo em ajudar vocês a terem mais tempo livre cuidando daqueles amores, só que desde que você entendeu que precisa mudar para Angra o que você acha que vai acontecer? O Nicolas vai com os meninos...

- Sim, mamy poderosa, eu sei...Não seja injusta...

Naquela tarde Félix se deu o direito de ficar emburrado no quarto...Parecia que qualquer coisa no mundo seria mais importante que ele, por alguns minutos praguejou contra todos aqueles que pregavam que amor era companheirismo; justo na primeira vez que gostaria de comemorar o dia dos namorados, seu carneirinho estava ocupado...

- Félix...

- Oi Carneirinho...Algum problema com o restaurante?

- Que voz amassada, estava dormindo?

- Estava pensando na vida...Eu chego na sua casa por volta das 11 horas, tudo bem?

- Félix, sua mãe me ligou pra convidar todos aqui para irmos assistir a abertura da copa...

- Vai me dizer que pra ir ver o jogo você tem tempo! Eu devo ter jogado sal no mar morto para você me dizer isso...

- Félix, já está feito uma...uma...sei lá...Já está atirando pedra pra tudo quanto é lado...Depois conversamos...Até meus filhos entendem muito melhor que eu preciso trabalhar...E o Jayminho nem 10 anos tem!

Nicolas jurou que pode ouvir Félix mexendo no nariz...Sua voz estava horrível, mas suficientemente audível para que ele pudesse pedir desculpas.

- Na verdade eu expliquei para ela que terei que trabalhar por causa do dia dos namorados...Meu problema agora é outro...

- Fala logo, criatura...Acho que estou de TPM...

- Você não pode ter TPM! – Nicolas não conseguiu segurar a gargalhada, mas segurou a piada para ele não se irritasse mais...

- Nicolas...

- Sua mãe quer levar o Jayminho e ele adorou a idéia...

- E? Não se preocupe, minha mãe, o Maciel e todos os outros vão cuidar muito bem dele...

- Ele não quer ir se você não for...

- Pode esquecer Niko...Pode esquecer...Minha mãe o leva...

Naquela noite Nicolas não perguntou nada quando chegou, apenas beijou Félix carinhosamente na testa e adormeceu em seguida.

Na manhã seguinte antes de sair para escola Jayminho estava cabisbaixo e preferiu passar correndo por Félix que já estava à mesa...Nicolas já havia saído para ir ao mercadão comprar peixe

- Bom dia Jayminho, não me viu aqui na mesa? Isso são modos?

- Desculpe tio Félix...Eu vou pra escola, estou atrasado...

- Quer que eu te leve?

- Não tio, eu não quero atrapalhar...

- Você não atrapalha, eu levo você...Adrianaaaa? Pode avisar a van que eu levo o Jayminho hoje?

Já no caminho:

- Criaturinha, você está chateado comigo?

- Não, tio...

- Seu pai está?

- Não, tio...

- Você só sabe falar ‘não, tio’?

Jayminho riu...Talvez ele não soubesse falar outra coisa mesmo.

- Jayminho...Por que você não quer ir com a minha mãe ver o Brasil na copa? Vai ser tão legal ir num estádio, você deveria ir...Seu pai também...

- O papai tem que trabalhar, tio...Ele me explicou...Ele não te disse que precisa trabalhar?

Félix suspirou, melhor não responder, afinal quantas vezes Nicolas já havia repetido a mesma frase: “Preciso trabalhar”.

- Minha mãe vai adorar levar você...

- Eu queria ir com o senhor junto...Mas o papai explicou que o senhor não gosta de futebol...Então eu fico em casa com a Adriana assistindo...Por que o senhor não gosta de futebol?

- Você gosta?

- Gosto muito!

- Mas se você gosta tanto porque não vai com a minha mãe?

- Eu não sei...Tio! Chegamos na escola...Obrigado!

Félix deciu ir ao shopping encontrar Nicolas e buscar a papelada da semana anterior para fazer a contabilidade do restaurante, pela primeira vez reparou de verdade como estava enfeitada a cidade de verde e amarelo, ele nunca gostou de futebol, diferente do seu pai e da Paloma, sempre a Paloma...Todo aquele verde e amarelo lhe trouxe uma nostalgia, ele nunca havia compartilhado um interesse com seu pai...Talvez fosse assim com o Jayminho, o Nicolas deveria arrumar um tempinho para o filho, pensou que isso seria uma boa conversa para o almoço de hoje.

- Oi Carneirinho?

- Félix, eu não vou conseguir almoçar hoje antes das três da tarde, melhor você levar a papelada e almoçar com seu pai ou sua mãe...Desculpe, amor...

- Eu espero, Carneirinho, eu espero...

- Sem reclamar?

Mordendo os lábios, ainda que sem jeito pelo pedido, Félix confirmou que ficaria bem calado...Já sozinho no pequeno escritório Félix via em cada fechamento do dia como o restaurante estava cada vez mais movimentado...Nicolas estava dando literalmente o sangue para que Edgar pudesse tocar o restaurante quando finalmente eles oficializassem a união e se mudassem para Angra.

- Desculpe, Félix...Já são 3:30...Você deve estar faminto...

- Carneirinho, tem horas que eu não sei como você aguenta...

- Eu preciso trabalhar Félix, só isso...

- Sim, eu sei, você não nasceu rico...

- Nós vamos começar de novo com essa conversa?

- Não, eu já entendi que não tenho culpa de ter nascido rico, mas vou ter culpa se não mudar meu jeito, não é?

- Temos camarão, atum e pexie branco... O salmão acabou... – Com uma expressão meio sem graça Nicolas nem quis comentar que o volume de clientes estava acima da média...

- Carneirinho, quando a gente mudar pra Angra...Bem, você tem certeza?

- Bobo...O que houve?

- Eu acho que queria que você, o Jayminho, até o Fabricio brigassem comigo porque eu não gosto de futebol, por que eu não consigo deixar de ser egoísta pra pensar só em você e eu tendo uma comemoração de dia dos namorados...Eu fiz tantos planos pra esse dia desde que você me aceitou...

- Você nunca comemorou essa data com a Edith, não é?

- É claro que não, você ainda tinha alguma dúvida? Agora, você, o Eron...

- Foram 10 anos juntos Félix...Eu gostava dele...Bem ou mal tivemos uma história...Mas que isso importa agora? Você vai começar a competir com o meu passado?

- Deixa para lá Nicolas...Pelo menos eu posso te comprar um presente?

Félix saiu do shopping naquela quarta feira desolado, já não sabia se sentia dono de sua vida como antes. Naquela noite ele acabou ficando em casa, sozinho.

- Adriana, é o Félix...Alô, criatura?

- Sim, seu Félix, desculpa é que quase esquentei demais a mamadeira do Fabrício para atender o telefone...

- Por Deus Adriana, até uma tartaruga é mais ágil que você!

- Seu Félix! O seu Niko já me disse para que não levar em consideração o que o senhor me fala...Eu sei que eu tenho culpa porque a dona Amarilys sequestrou o Fabrício, mas eu mudei!

- Nem que eu fizesse chapinha nos cabelos de Maria Madalena, Adriana...Desculpe...Essa quinta, depois do jogo, será que você consegue me ajudar a cozinhar?

- Eu, seu Félix?

- Sim, você, criatura!

- É que eu vou ficar com as crianças para ver o jogo do Brasil e depois preciso colocá-los pra dormir e ...

- Criatura, chega! Já entendi, você também não tem tempo!

- Ai seu Félix, mas o seu Nicolas sempre que cozinha...?

- Tu, tu, tu....

- Seu Félix? Ué, acho que ele desligou...

Vinte minutos depois.

- Adriana, é o Félix...

- O senhor desligou o telefone na minha cara?

- Sim, criatura, desculpe...Por favor, não diga para o Nicolas que eu fiz isso?

- Tudo bem, seu Félix...Mas acho que não vou conseguir ajudar o senhor a cozinhar...

- Eu queria combinar com você então de passar aí daqui a pouco, antes do almoço para buscar vocês..Será que você pode dormir na minha mãe?

- O seu Nicolas sabe disso?

- Não...Eu quero levar o Jayminho num jogo da copa...Vamos sair todos daqui da mansão logo depois do almoço para o estádio...Você fica aqui com o Fabricio ou se o Nicolas deixar levamos ele também...

Adriana estava radiante, ir na copa...Precisava falar urgente com seu patrão.

- O que Adriana? Eu não acredito, ele ligou dizendo isso? Sim, vocês podem ir...Levar o Fabrício? Você acha que ele vai ficar bem? Hummm....A d. Pilar vai levar o bebê dela também? Ai meu Desus...Está bem, vocês podem ir. Só peça para o Félix me ligar assim que puder...

Ainda era cedo...Supermercado. Não, supermercado gourmet, o mais caro e mais refinado de São Paulo, tão sofisticado como Félix, que estava totalmente perdido em meio as inúmeras opções do que comprar para preparar um jantar surpresa para Nicolas, passou a manhã toda a noite anterior imaginando o que poderia cozinhar enquanto ele trabalhava no restaurante preparando o cardápio do jantar. Só não contava que até o supermercado mais caro de São Paulo estaria lotado de torcedores comprando petiscos para a hora do jogo...

“Félix, calma, quem sabe você leva uma das cozinheiras da casa da mamy para te ajudar? Não! Eu consigo fazer, é só procurar algo básico...O Carneirinho gosta de chocolate, massas...Posso fazer um macarrão nem que seja com um molho pronto e levar algum chocolate para tomarmos um café antes de dormirmos...Hummm....Pensando bem, um cafézinho com chocolate nesse frio que está, até que não seria má idéia...E essa fila para pagar? Será que eu tenho direito ao caixa preferencial?”

Duas horas depois, Félix saiu sorridente com sua sacolas de compras mesmo sabendo que havia deixado uma boa quantia por todos aqueles produtos que lhe vendiam a promessa de um jantar especial para seu amado carneirinho...Ainda precisava passar na casa de Nicolas para buscar as crianças.

- Tio Félix, trouxe chocolate?

- Jayminho!? Tire as mãos dessa sacola, não tem nada para crianças aí...Eu devo ter salgado o mar morto para você olhar pra mim já imaginando que eu lhe traria chocolates só porque fui ao mercado.

O menino apenas sorriu e abaixou os olhos, mesmo que seu tio Félix não lhe trouxesse nada, ainda assim estaria feliz pela presença dele em sua casa, já não via a hora de se mudarem para a praia como uma família completa como seu pai já lhe havia explicado incansavelmente.

- Jayminho?

- Sim, tio?

- Seus chocolates estão naquela sacola menor vermelha, só não diga para o Niko que eu lhe trouxe mais esses, ok?

Jayminho arregalou os olhos...

- Está bem, criaturinha, conte amanhã depois que você comer todos! Só que agora precisamos correr para ir ver o jogo que você tanto queria!

Jayminho ainda não sabia, mal pode conter a alegria quando saiu de casa sabendo que ia conhecer um estádio de verdade.

Félix voltava no carro com Maciel dirigindo e Pilar ao seu lado, apoiado em seu ombro Jayminho dormia, exausto.

- Filho, eu gostei muito que você acompanhou o Jayminho com a gente...

- Mamy, eu que tenho a agradecer...No final foi muito divertido...

E Maciel pode ver Félix ajeitando Jayminho na cadeirinha para ficar de mãos dadas com o menino.

Quase dez horas da noite, finalmente ele conseguia retornar a casa de Nicolas. As orquídeas já deveriam estar sendo entregues.

- Félix Khoury, não há o que temer...Não há na terra pessoa com talento culinário como o seu, é só seguir as instruções...Não foi isso que aquela criatura da loja falou...Mãos a obra...

Do outro lado da cidade Nicolas vivia o perfeito dilema de um homem apaixonado e trabalhador...Não paravam de chegar casais a espera de uma mesa em seu restaurante e por outro lado a cada cliente que ficava na espera na entrada do Gian ele já imaginava quantos minutos isso iria atrasar a ida para casa...Era certo que Félix o estava esperando e que ele queria algo especial nesse dia, estavam próximos de completarem seis meses juntos e o dia dos namorados surpreendemente parecia algo muito importante para Félix, justo ele que se proclamava uma criatura malvada e sem sentimentos...E ele merecia, o que será que passou pela cabeça dele para levar Jayminho ao jogo?

Quando um dos garçons aparece com um vaso de orquídeas brancas enorme a sua frente, Nicolas já sabia de quem seria o cartão...Quanta injustiça, nem ao menos um presente ele havia conseguido comprar para Félix, era tão difícil saber o que ele precisava ou que presente o agradaria...

Nicolas rapidamente limpou as mãos para puxar o cartãozinho preso ao vaso...a letra inconfundível já dizia tudo:

Vem logo, Carneirinho...

Um sorriso invadiu o coração de Nicolas, mesmo que Félix o tivesse azucrinado a semana toda ao ponto dele dar graças à Deus essa manhã por ele ter preferido dormir na casa de sua mãe; aquele bilhetinho teve a magia de fazê-lo esquecer de tudo e só pensar em quando poderia abraça-lo novamente....Ao trabalho...

Por sorte os clientes não se demoraram tanto em conversinhas após o jantar, Nicolas percebia que em cada uma das mesas as trocas de olhares que indicavam que cada um daqueles jantares seria somente o começo de uma longa comemoração...Enfim podia deixar o restaurante e ir a sua casa...Já ansiava por ver o carro preto de Félix estacionado no lugar habitual, ele haveria de estar esperando por ele.

- Eu não entendo...Mas o que houve? E agora? Como eu vou...

- Félix, mas...Mas...Que é que você está fazendo nessa cozinha?

- Car-neirinho!?! – Félix virou-se para encontrar os olhos mais lindos de sua vida lhe mirando na porta da cozinha por talvez apenas 1 segundo, em seguida eles começaram a vasculhar a terceira guerra mundial que havia se formado... – Você já chegou?

- Félix, são 11:45...Eu recebi as flores...Elas acabaram me apressando...Eu não sei o que aconteceu aqui...Mas você não faz idéia de como eu queria um abraço seu...

Após um beijo carinhoso Félix ainda tentou se soltar como se fosse possível fugir dos braços de Nicolas lhe segurando pela cintura...

- Eu vou limpar tudo, Carneirinho, não se preocupe...Eu acho que eu sei limpar... – Incrédulo Félix olhava a bagunça que havia feito e se contorcia em fazer Nicolas acreditar que o melhor era que ele saísse da cozinha o mais rápido possível, talvez a melhor idéia fosse pedir uma pizza e abrir uma boa garrafa de vinho...As pizzarias haveriam de estar funcionando...Sim, ao menos o vinho que Félix havia comprado estava intacto no meio daquela bagunça...

- Amanhã a empregada pode limpar, meu amor, mas o que você estava fazendo?...Deixa eu ver?

- Não, Carneirinho, por favor, não...Deu tudo errado...Eu não sirvo pra isso...

- Félix, você tentou cozinhar?

Félix desviou os olhos daquela pergunta, Nicolas já sabia que sim, para que fazê-lo passar pela dor da resposta...Melhor seria deixá-lo limpar tudo...Não, melhor seria que eles não terminassem aquele abraço que Nicolas insistia em continuar...

- Não me importa como ficou...Com certeza deve ter algo gostoso aí que você preparou...Deixe-me provar pelo menos...por favor...- Aquela voz terna ao pé do ouvido de Félix foi o suficiente para que ele concordasse em ao menos explicar o que aconteceu.

- Então o macarrão grudou? E você só percebeu depois que lembrou que precisava marcar o tempo de cozimento?

- Sim...Ficou essa massa compacta aí que eu nem sei do que pode ser chamada...E eu tirei da água e ficou assim, meio uma coisa sem nome...Nem quando eu vendia o hooot-doooog do Félix eu consegui fazer algo tão estranho com a Márcia.

- Félix, macarrão não é miojo...Só miojo você consegue cozinhar e não gruda, macarrão comum precisa de um fio de óleo na água, você não leu as instruções? – Nicolas sorriu com um olhar de mestre sobre o inquieto aluno pego em uma falha.

Passando as mãos entre os cabelos negros o moreno confirmou que sim, ele lera tudo, mas achou que conseguiria fazer tudo em paralelo para poder descansar um pouco antes dele chegar...Estava exausto pela partida de futebol...

- Eu achei que se eu não levasse o Jayminho eu ficaria como meu pai...Ele sempre quis que eu tivesse os mesmos gostos que o dele...Nunca me acompanhou no que eu gostava de fazer...Quando eu vi o Jayminho abrindo mão de ir na copa por querer você ou eu com ele...Você tinha um motivo nobre para não ir...Eu, eu teria somente o meu egoísmo que me acompanhou a vida toda...Mas você tem razão...Eu fiz muito miojo na casa da Márcia e nunca precisei colocar óleo...Acho que aquela pobreza ainda não saiu de mim...Pelas contas do rosário... – Félix (para desepero de Nicolas) estava com um pano de prato na mão para tentar limpar o fogão de todos os respingos que ele mesmo havia provocado ao cozinhar com as panelas sem tampa...

- Félix...Eu adorei...Tudo!

- Adorou o quê, Nicolas? Você deve estar exausto, faminto, cansado, e muito mais e eu além de não conseguir cozinhar pra você, deixei essa cozinha sem a mínima condição de se preparar algo...- Félix se virou em direção ao fogão...Se ele não limpasse aquilo, até o café da manhã das crianças estaria comprometido...

Nicolas olhou aquele homem algo, moreno e desconcertado tentando limpar o fogão...Como dizer que o que ele havia feito o dia todo foi a melhor surpresa que ele poderia ter? Talvez o melhor fosse falar mesmo...Félix não se convenceria tão fácil do contrário.

- Nicolas, para...Deixa eu limpar aqui? Por que você não vai procurar na internet algum lugar que entregue comida? Daqui a pouco você vai virar a Olívia Palito de tão magro se não comer...

- Eu nunca tive alguém que se preocupasse com o que eu vou comer...Eu sempre fui o cozinheiro...Até com meus pais...Olha pra mim?

- Você não precisa se preocupar em levantar meu astral...Eu...eu só tentei fazer uma...Ah, deixa para lá...

- Feliz Dia dos Namorados...Eu aposto que tem algo aqui que você sabe fazer e nós comemos juntos...Eu não quero pedir comida...

Abrindo um dos armários Nicolas puxou dois pacotes de miojo...

- Vem cá, deixa eu te ensinar uma coisa...

- Você vai me ensinar a fazer miojo a essa hora da noite?

- Não, eu vou te ensinar isso!

Félix adorava quando Nicolas o beijava daquele jeito, abocanhando seus lábios e insistindo para que eles se abrissem e suas almas se encontrassem em uma única frase:

- Eu já disse o quanto te amo, hoje?

- Sim, e eu nunca vou me cansar de ouvir...Você realmente quer que eu faça miojo para você?

- Se é isso que você sabe fazer, sim, é isso que eu quero comer...

E Nicolas sentou-se enquanto Félix procurava uma panela que pudesse ter sobrevido ao caos que aquela cozinha havia se tornado para aquecer a água...

- Delicioso, Félix!

- Eu odeio miojo, Carneirinho...Francamente, como é que você pode ter isso em casa? Não me responda, afinal você ficou com a lacraia dez anos e depois me aceitou...Acho que é melhor eu não fazer você pensar a respeito...Ou talvez você me mande embora...

- Mandar você embora? Ah, Félix, parece que você não me conhece...Você me mandou flores...Levou o Jayminho para ver uma partida de futebol...Cozinhou pra mim...Eu nem consegui comprar nada pra você, mesmo sabendo que hoje você realmente queria fazer algo especial para a gente...

- Carneirinho, se é que eu posso chamar de presente...Naquela manhã depois que...que rolou...Você me acolheu na sua família, me aceitou com todos os problemas incluindo aqueles que você nem sequer fazia idéia...Você me deu um recomeço, que mais eu posso pedir de você?

- O que você quiser...

- Que tal aproveitarmos o final dessa garrafa de vinho lá no seu quarto antes que começemos algo proibido aqui mesmo? Eu comprei uns chocolates...Esses não tem como eu estragar...

- Não...

- Não?

- Vamos para o nos-so quarto... Nosso, ouviu bem? Essa casa, essa vida também é sua agora – Um sorriso malicioso fugindo da cadeira confirmou que a sobremesa seria outra...

- Delicioso, Carneirinho...

- Os chocolates, Félix?

- Não, você, criatura...


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Notas finais do capítulo

Obrigada pra quem comentou a primeira versão, espero que gostem dessa também.
Feliz dia dos namorados!



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