O barulho da chuva era intenso do lado de fora da nova base dos Vingadores. Provavelmente, todos dormiam à esse horário. Mas Wanda não. A morena não achava que conseguiria fechar os olhos por um bom tempo. Aquela sensação que sentiu em seu peito nunca deixaria-a em paz. Sempre que fechasse os olhos, tudo voltaria como um raio em sua mente. As memórias nunca parariam de assombra-lá, não importava o quanto ela lutasse contra isso.

Pietro tinha ido embora, e junto com ele, tinha levado o coração da Feiticeira Escalate. Não só as partes boas, não só a parte que a mantinha viva. Ele tinha levado tudo, e o quê sobrou era apenas uma casca vazia do que um dia fora uma garota cheia de vida. Os olhos azuis da morena que antes brilhavam, agora estavam escuros e sem emoção. Seu cabelo, que antes brilhava sempre que a luz o atingia, agora estava frágil e quebradiço, sem brilho algum. O rosto, antes cheio de maquiagem, agora andava sempre borrado, até que ela parou de usar maquiagem, e a única coisa que havia em seu rosto eram as lágrimas que ela deixava rolar todas as vezes que estava sozinha em seu quarto no meio da madrugada.

A luz da lua atingiu o rosto molhado dela, fazendo-o brilhar levemente por causa das lágrimas. Sem conseguir impedir a si mesma, sua mente voltou-se para dez anos atrás, quando aquele míssel atingiu sua casa. Ela se lembrava das lágrimas escorrendo pelo seu rosto e de Pietro dizendo “Nunca vou te deixar ir embora.” apenas para tentar confortá-la. Como ele segurou-a no colo dele com toda a força que tinha, tentando mantê-la segura, depois que pediu a ele para não deixa-la sozinha.

Ela se lembrava de fechar os olhos, mesmo que escutasse todos os gritos do lado de fora. Como Pietro fazia-a dormir cantando sua canção de ninar preferida, enquanto ela só chorava. Chorava pelo seus pais. Chorava pela sua casa. Chorava por não saber o quê seria da sua vida agora. Chorava por estar passando por tudo isso mas, principalmente, chorava por Pietro. Ela ainda conseguia sentir as mãos pequenas dele acariciando seu cabelo e sussurrando que eles ficariam bem. Que eles logo ficariam sãos e salvos.

A grande piada disso tudo era que ontem eles eram apenas crianças brincando de soldados. Apenas fingindo, enquanto sonhavam com seus finais felizes. Ganhando batalhas com espadas de madeira nos quintais, apenas sonhando. Até que eles entraram no mundo real e cruel, e acabaram se tornando verdadeiros soldados. E acabaram percebendo que finais felizes não existem. Que não se ganha batalhas com espadas de madeira. E que sonhar pode vir a ser uma bela decepção depois.

Tudo que Wanda queria era apenas mais uma chance. Mais um minuto com Pietro. Droga, ela só precisava de trinta segundos. Ela só queria agradecer e dizer que o amava. Mesmo que soubesse que ele morreu com isso em mente, ela queria essa chance. Ela queria poder voltar no passado e mudar as coisas. Ela queria ter seu irmão do seu lado para protegê-la novamente, pois a máscara de garota forte caiu, e tudo que ela precisa é dele. Que é também a única coisa que ela não poderia ter.

Levantou-se da cama silenciosamente e pegou os dois guarda-chuvas que estavam no canto do quarto branco, saindo do cômodo logo depois. Seus olhos ardiam e sua garganta doía. A ponta do nariz estava inchada, e grandes olheiras residiam embaixo de seus olhos, que agora estavam igual um mar no meio de uma tempestade; revoltos e confusos. Antes de sair da base, abriu seu guarda-chuva e começou a caminhar, ouvindo o som oco que suas botas faziam em contato com o chão molhado e escorregadio. O guarda-chuva azul machucava a mão de Wanda pela força com a que ela o apertava.

A garota tropeçou em seus próprios pés e caiu ajoelhada na grama, o seu guarda-chuva vermelho escorrendo de sua mão e caindo aberto no chão, fazendo os pingos da chuva gelada arrepiarem a pele da morena. Ela olhou para cima, ignorando a água que caia fortemente em seu rosto. Mesmo com a chuva, o céu continuava estrelado. As lágrimas que voltaram a sair dos olhos de Wanda se misturaram com a água que descia do céu.

Ela invejava as estrelas, pois agora Pietro era uma delas.

Ela inveja os anjos, pois eles podiam ver Pietro quando quisesse.

Mesmo que ela abrisse a boca para dizer algo, nada saia. Lágrimas eram a única coisa que ela conseguia produzir agora, e teria que ser o suficiente. Chorar era é um jeito de seus olhos falarem quando sua boca não consegue explicar o quanto seu coração está partido.

Wanda passou todo aquele tempo mostrando aos Vingadores os seus piores medos para, no final, o único que se concretizou foi o seu.

E ela se odiava profundamente por isso.