Olhos além do véu escrita por Ethereal Serenade


Capítulo 1
Capítulo único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/621299/chapter/1

Primeiro veio a sensação de leveza.

Era estranho, porque sensações do gênero são associadas à tranquilidade, leveza de espírito, da alma, bem-estar da pessoa.

Mas era algo induzido — pelos sombras, lembrou-se com amargo pesar. Obra dos sombras. — e sabia que, naquele momento, deveria sentir medo. Pavor.

No entanto, não sentia. Na verdade, não sentia absolutamente nada.

Apenas uma estranha sensação de complacência. De passiva aceitação. De curiosa compreensão. Lhe tomou o corpo como uma droga que anestesia o corpo e enevoa os sentidos. Talvez fosse algo que os sombras lhe deram. Sentia que não, todavia.

Por que quando fora colocada naquele estado, suas visões voltaram, porém com tamanha intensidade que foi como se vivesse as imagens pertencentes à um futuro longínquo. À princípio, imagens de seu futuro lhe assaltaram a mente; e, bem, Irina sabia muito bem que não seria algo feliz. Tinha plena consciência de que sua vida estava condenada ao laboratório dos sombras. Sentenciada a viver até o fim de sua vida — aquilo poderia ser chamado de “vida”? — sendo uma procriadora. Trazendo ao mundo aquelas hediondas criaturas híbridas.

Então, em meios as visões, uma recordação de Niko lhe veio à mente.

Sendo um oráculo, suas visões iam e vinham inesperadamente, mas nunca uma visão fora interrompida por uma lembrança. Ela e Niko estavam no Setor 4. Eram pequenos, e brincavam de alguma coisa. Corriam alegremente, o som das risadas dos dois parecia incrivelmente alta e reverberante. Aquela imagem não durou mais do que uma fração de segundo, e em seguida tudo se tornou um breu na mente de Irina.

E em então veio o vazio.

Apenas a escuridão, como um sono sem sonhos perpétuo.

Em seu interior, o primeiro híbrido se desenvolvia languidamente em seu ventre.

...

“Vai ficar tudo bem, mi hermana.

Não vai, Irina respondia mentalmente ao Niko de um futuro distante. Não vai. Para mim, hermano, não vai.

“Irina, eu estou aqui. Tudo vai acabar bem. ”

Não para mim, dizia. Não para mim. Repetia. Várias vezes, como se, na intensidade que o fazia, seria realmente capaz de fazer seu irmão escutá-la.

...

Viu aquela garota a que chamavam de Beca. Uma moça bonita, e ao que parecia, forte, resistente às intempéries que a vida naquele mundo oferecia. E aquela menina — uma saltadora, soube no mesmo instante. —, ao que parecia dominara o coração de seu irmão.

As visões que se seguiram, relacionada aos dois, causaram um profundo pesar em Irina. Um peso desconfortável no estomago, um aperto no peito.

Preferiu não ter visto aquela garota.

Ela chorava tanto!

...

Traição.

A palavra surgiu em sua mente, como uma bolha que surge nas profundezas de um rio, e espoca ao alcançar a superfície. Traição. Experimentou a sensação de ser traída — e viu seu irmão.

Ele havia se tornado um traidor.

Naquele estado de contínua inconsciência, Irina chorou.

...

A última das visões eram repetições que oscilavam entre aquela garota e seu irmão. As vezes ela chorava, as vezes sorria. As vezes a razão de seu pranto era Niko, às vezes era o irmão daquela pobre menina. Sentia a dor dela em todos os casos.

No entanto, seu último vislumbre do futuro revelou-a nos braços do irmão — seu amado Nikolai, a quem muitos passaram a chamar de Rato. — Acompanhado de alguém. Um homem. Insensível, egoísta e mesquinho.

Sabia que Niko viria salvá-la, era uma certeza inquestionável. Mas não era o certo a se fazer. E, com plena ciência disso, teve certeza do que fazer — do que pedir, quando o encontro entre os dois acontecesse.

Faça a coisa certa, Niko.

Aquelas palavras se tornaram uma espécie de mantra para Irina. Proferindo para si todos os dias. Todas horas. Todos os minutos e segundos.

Faça a coisa certa, Niko.

Viveria cada momento para falar o que ele realmente deveria fazer quando chegasse ao lugar onde ela se encontrava.

...

Sentiu como se estivesse sendo puxada, para algum ponto acima de si, submergindo aos poucos. Ao despertar, viu os sombras em borrões azulados.

Algo escorria pelas suas pernas. Dores excruciantes tomavam seu corpo.

Mais um híbrido prestes a nascer.

Mas desta vez ela soube que era a última criatura que traria ao mundo. E se tivesse forças ou o mínimo de domínio sobre o próprio corpo, teria sorrido de mais profunda gratidão.

Irina sabia que o momento estava chegando — e que Nikolai faria a coisa certa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Olhos além do véu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.