Faith Hardeed: A Sina da Digna escrita por Misofonico


Capítulo 1
Capítulo 1 - Porcas & Parafusos


Notas iniciais do capítulo

* Plágio é crime. Não copie essa história, por favor.* Não gosto de leitores fantasmas. Se manifestem nos comentários, por favor.* Seja bem-vindo(a) e boa leitura.



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– Faith, acorda! Faith, levanta! Faith!

Acordo na hora com o gritos de Harlie na porta do meu quarto. Massageio as pálpebras com as costas das mãos tentando me manter despertada.

– O que foi, Harlie? - Pergunto após um longo bocejo preguiçoso.

– Hoje é o dia em que aquele empresário passaria para ver suas obras de arte...

– Harlie, que horas são? - Interrompo-a me preocupando de repente.

– 9:30! - Conclui Harlie consultando seu velho e gasto relógio de corujinhas.

– Ai meu Deus! Perdi a hora! - Exclamo inquieta saltando da cama e escancarando as portas do meu antigo guarda-roupa enquanto pego meu macacão surrado e minhas botas gastas já despida. Harlie se retira tampando os olhos com vergonha.

Em poucos minutos entro avoada na cozinha e sinto um grande alívio ao ver que Harlie tinha preparado seu próprio café da manhã. Uma tigela de cereais estava sendo devorada por uma garotinha ruiva faminta. Sorrio e me dirijo à minúscula geladeira de nossa cozinha. Abro-a e me deparo com uma maçã, uma caixa de leite e uma pequena lata de atum congelada.

– O leite está talhado - Harlie diz após engolir o resto do seu seco cereal matinal- O cheiro é tão horível quanto a aparência. Não toque nisso!

– Okay! Obrigada, Harlie - Agradeço após assentir enquanto lanço a caixa com o laticínio fora da validade na vazia lixeira. Pego a maçã e já imagino seu doce sabor em minha boca quando ouço a buzina do ônibus escolar de Harlie. Ela se levanta e pega a mochila costurada que comprei num brechó.

– Faith, me ajude, por favor - Pede ela tentando se manter ereta com o peso da mochila a atrapalhando. Apanho a maçã vermelha da geladeira e a coloco delicadamente na sacola de lanches da minha irmã. A entrego, beijo sua testa e a vejo subir no veículo barulhento com os alunos da escola próxima a minha casa. Harlie acena para mim da janela e eu a imito forçando um sorriso convincente. O transporte coletivo segue seu rumo deixando poeira e crianças atrasadas para trás. Fecho a porta que range e subo para o segundo andar com dificuldade. Dormi de mal jeito e minhas costas agora estão me torturando. Que ótimo! Penso caminhando até a porta velha, mas lustrosa no final do corredor. Giro a maçaneta e entro no quarto escuro cheirando a mofo. Ligo a luz e encontro mais uma vez um triste e conhecido rosto. Meu avô parecendo cada vez mais cadavérico deitado em sua cama especial. Antes dele ficar desse jeito me contou que fora um presente de casamento. Instantaneamente me lembro da minha falecida avó. Como era bom estar confortável em seus braços calorosos ouvindo suas lindas histórias acompanhadas de biscoitos recém-assados. Cof! Cof! Meus felizes pensamentos se dissipam quando a tosse do velho homem deitado diante de mim me trazem à realidade.

– Como vai, vovô? - Pergunto retoricamente já que ele não responde há um ano - Pelo visto nada bem...

Coloco minha mão sobre sua testa enrugada e percebo uma temperatura elevada. Ele tosse novamente só que mais forte. Me viro para a mesa de cabeceira e pego alguns frascos de remédios em comprimido. Os tiro da embalagem e deposito-os em sua boca juntamente com o resto da água do dia anterior armazenada numa jarra de vidro escuro. Me achego a ele e beijo sua grande testa antes de me afastar.

– Fique bem, vovô. Melhoras.

Me despeço e saio do local após apagar a luz e encostar a porta barulhenta. Desço as escadas rápida como um guepardo e deixo minha amada casa com minha fiél bolsa em mãos. Tranco minha residência e olho para os dois lados. Nesses últimos dias assaltos tem ocorrido com frequência e não quero perder o pouco que possuo. Sigo pela mesma rota de todas as manhãs em direção ao meu trabalho. Pelo caminho meus ouvidos são atacados pelos ruídos da cidade grande. Veículos, pessoas e tudo mais que não me lembro agora. Após começar a sentir o coração bater nas costelas de cansaço e ver que metade da água do meu corpo está em minha pele na forma de suor paro para recuperar o fôlego. Me sento num banco próximo. Olho para o céu claro da manhã e respiro fundo com os olhos fechados. Escancaro um sorriso e me ponho de pé com energia renovada. Respiro e inspiro mais uma vez me sentido mais confiante a cada segundo em que o oxigênio enche meus pulmões.

– Hoje não aceito não como resposta.

Pego o celular do bolso e disco um número rapidamente. Chamando.

– Bom dia! Aqui é da Porcas & Parafusos, precisa que nós elaboremos, fabriquemos ou consertemos algo por você? - Diz a voz grave de um homem que conheço como meu chefe. Garcia Gonzales.

– Na verdade não. Aqui é a Faith e preciso do número do engravatado que passou aí hoje mais cedo, por favor.

– Ah, é só você... - O homem fala murchando aos pouquinhos - Pegue uma caneta e anote, menina. Ele não parecia satisfeito ao deixar a oficina.

Faith anotou o número, agradeceu e se despediu do patrão. Em seguida ligou para o grande interessado em sua arte e aguardou ansiosa por uma segunda chance.

– Alô. É o Sr. Fields? O crítico de arte californiano e escultor moderno? - Pergunto tentando elogiá-lo e assim fazê-lo se esquecer do bolo que o dei.

– Em carne e osso - Respondeu o homem em seguida após uma risada presunçosa - Você deve ser a garota da Porcas & Parafusos que pinta como nunca vi. Muito talentosa você, hein?!

– Sou euzinha. Obrigada! - Respondo fazendo questão de deixar claro em meu tom que gosto de elogios. Sim, como uma artista nata adoro ser reconhecida por meu trabalho. Soberba? Talvez uma pitada - Queria saber se o sr. ainda estaria disposto e interessado nas minhas telas.

Um minuto de silêncio surge.

– Sabe o que é, Faith? Eu não gosto de ficar plantado numa ocasião destas. É falta de profissionalismo e de educação e eu encontrei outras pessoas com trabalhos e técnicas mais interessantes que as suas - Ele solta com um tom arrogante - Além de que suas obras nem eram tão boas. Digamos que eram feias. Nem sei onde eu estava com a...

– Pense no que fala seu almofadinha metido. Sobre a falta do profissionalismo eu até entendo, mas não venha falar mal das minhas obras de arte porque elas dão de dez à zero nessa sua cara feia de marmota -Disparo com o sangue tão quente quanto a lava de um vulcão em erupção - Você não saberia o que é arte de qualidade nem se ela esmurasse esses deus dentões de castor. Agora se dirija para os aposentos do Sata...

Ele xinga e desliga o celular na minha cara. Sinto uma sensação percorrer todo o meu corpo. Adrenalina. Enfrentei um homem que pode me levar para a cadeia sem esforço algum e não senti um pingo de medo. Era a coisa certa a fazer penso comigo pegando minha bolsa e indo para o meu trabalho mais do que atrasada. Dessa vez o caminho parece mais curto e não sinto um tiquinho de fadiga no percurso. Tudo parece mais belo que o normal. Mas isso não deveria estar acontecendo. Estou sem comida em casa, tenho um parente prestes a morrer, trabalho num local fedido e sujo com baixa remuneração, não vendi minhas telas pela grande quantia de dinheiro que esperava, mas estava me sentindo bem comigo mesma. Talvez seja porque extravasei tudo que estava acumulado numa maldita ligação ou por qualquer outro motivo. Quem sabe o carma? Ou talvez esse seja o efeito da fome já que não comi nada no café da manhã. Mas nada importava agora. Localizei a placa do meu local de trabalho no fim de uma larga calçada e em minutos estava entrando por sua porta, que tocou o sininho de latão preso à ela. Crash! Ouço o som de vidro se partindo e então percebo que a oficina está muito silenciosa. Diria vazia se não fosse pelo barulho. Caminho silenciosamente até a parte de trás dela. Pelo caminho não vejo Garcia nem Janette, sua filha que trabalha na recepção. De repente me sinto confusa e estranha. São pássaros grasnando? Sem perder tempo abro a porta que separa a recepção da oficina e encontro meia dúzia de pessoas extremamente pálidas e, por incrível que pareça, absolutamente belas. Uma mulher de cabelos castanhos cacheados se sobrepõe com um sorriso maléfico.

– Então essa é a filha deles? - Pergunta a mulher me fitando com seus olhos vermelho-rubi totalmente frios - É esquisita. Esperava mais de uma poderosa tão forte...

Todas as pessoas do cômodo começam a rir menos eu. Sinto um arrepio correr por minha espinha.

– Comigo é o contrário - Digo encarando à todos - Pelo som de ave lá fora eu já esperava uma galinha como você, querida!

Todos me encaram feio agora. A garota força uma risada demonstrando que não gostou da minha resposta e abra a boca revelando caninos longos e brancos. Seus olhos agora estão num vermelho mais escuro e sombrio e vejo o mesmo ocorrer com o resto de seus amigos. O tão distante medo toma conta do meu corpo. Vampiros. É o que eles são penso rapidamente abrindo a porta e correndo o mais rápido que posso, mas no caminho à porta ouço outra grasnada e garras se prenderem ao meu macacão enquanto sou puxada violentamente para trás. Viro a cabeça e vejo um grande corvo me jogar no local onde eu estivera. Risadas chegam aos meus ouvidos e sinto minha nuca perfurada arder. Me levanto no mesmo segundo a tempo de ver o pássaro se transformar na garota mal educada de cabelos encaracolados.

– Achou que podia dizer o que bem queria e fugir? - Ela pergunta lambando os dedos ensanguentados vigorosamente - Antes de te levarmos para Pesadelo vamos nos saciar um pouco, sabe?

Ela e seus amigos se aproximam de mim dando mais risadinhas enquanto escancaram suas presas sedentas por meu sangue. Um rapaz de cabeça raspada se adianta e me empurra contra a parede. Sinto minhas costas doerem mais do que doeram hoje quando acordei. Uma mistura de medo, dor e raiva se alastra por mim. Não posso deixar Harlie e o vovô sozinhos. Eles precisam de mim e não quero deixá-los. Sinto a respiração falhar enquanto a mão do vampiro aperta meu pescoço quase o quebrando. Ele gargalha junto ao seu bando ou sabe-se lá como um grupo de vampiros é chamado e faz o que tanto almejara. Crava os dentes em meu pescoço com violência tremenda. Sinto vontade de morrer. Uma dor que nunca havia sentido toma conta de meu corpo. Tento respirar com dificuldade enquanto o resto dos vampiros me observa com os olhos brilhando de desejo.

– Deixa um pouco para a gente, Cass! - Grita uma garota de aparência oriental com uma grande cicatriz na testa.

– Me solte! - Consigo sussurrar enquanto sinto meu corpo destruir-se de dentro para fora. Enquanto as gotas de meu sangue escorrem por meu peito me lembro do ponto fraco dos vampiros. A luz do sol. Então estico minha mão para o teto sem saber o motivo e clamo em minha mente para que ele quebre. De repente um formigamento transpassa meu braço erguido e o telhado estala e cai. Poeira, luz e gritos tomam conta da situação. Me vejo livre do rapaz sanguessuga e toco meu pescoço que apresenta duas perfurações ensanguentadas. O vampiro que me devorava agora estava desacordado com uma pedra na cabeça e sua pele branca agora estava vermelha, mas não era sangue. Sinto cheiro estranho de defunto e fumaça encher o local onde conserto e reparo itens. Ouço corvejadas e vejo meia dúzia de corvos abandonarem o local através de uma escura tubulação. Olho para minhas botas gotejadas de sangue e vejo cinzas no lugar onde o garoto moreno estivera. Respiro fundo com dificuldade e ouço o som de uma aglomeração nas portas da oficina. Não posso ficar mais aqui então saio correndo pelo que restou das portas dos fundos.


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