O Espírito Náufrago escrita por KyonLau


Capítulo 1
Capítulo Único




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Espíritos da Natureza nascem a partir dos materiais encontrados em seu ambiente. Os espíritos do mar não são diferentes disso.

Por exemplo, Aquamarine tinha longos cabelos de alga marinha negras, que desciam pelas suas costas e ondulavam em meio à espuma do mar, emoldurando seu rosto. Coral era uma das mais belas. Ela tinha a pele feita das escamas que caíram dos peixes e, quando o sol batia, ela reluzia em todas as cores do arco-íris.

Eu fui o último espírito do mar a nascer em décadas e também sou feita das coisas que cercavam o meu berço. No entanto, eu não sou bonita como Aquamarine, ou Coral ou qualquer outro espírito que eu tenha visto. Meus cabelos também são negros, mas são feitos de piche e ninguém chega perto. Meus olhos são feitos de moedas e eu estou enrolada em redes de pescar rasgadas e anzóis arrebentados. Nenhum espírito ou criatura do mar chegaria perto de mim. Dizem que meu cheiro é ruim, por isso estou sempre sozinha.

Mas recentemente eu não tenho visto mais ninguém, me pergunto o que pode ter acontecido? Para onde todos foram?

Por quê eles me deixaram?

O mar é frio e escuro. Eu não gosto do mar assim, mas sempre que tento me distanciar ele me puxa para as profundezas e me abraça, como se tivesse medo de que eu o deixasse, e eu fico. Ele também não quer ser deixado sozinho.

Hoje, no entanto, eu vi algo diferente. Uma coisa que eu não via faz tempos.

Era uma pequena tartaruga, enrolada em um saco transparente, lutando para se libertar. Como havia chegado ali? Mas eu nadei depressa até ela, feliz. Quanto tempo não via alguém! Tanto tempo... Tanto tempo...

"Como chegou aqui?"

"Qual o seu nome?"

"Quer ser minha amiga?"

Eu queria tanto falar com ela, mas as palavras não saíam. As palavras não saem debaixo d'água, mas eu tinha me esquecido.

Em minhas mãos a tartaruguinha se debatia e eu enfim percebi. Ela estava assustada e com muito, muito frio. Seus olhos, tão pequenos como centelhas, me encaravam e me diziam: ela não podia continuar aqui. Se ficasse, iria para o mesmo lugar que todos os outros...

Ah, eu finalmente entendi.

Meu sorriso se desfez, mas só um pouco. Tudo bem. Eu a soltei do plástico e a empurrei para cima.

"Vá, vá embora! Saia daqui! Vá embora!"

Mas só bolhas saíam da minha boca, enquanto eu observava aquela silhueta ir de encontro á superfície.

O mar está frio e escuro, mas me balança, gentilmente, em direção às suas profundezas mais uma vez. Eu não luto e me deito em um banco de areia, próximo à um coral muito branco e silencioso. Eu fecho meus olhos e adormeço.

Vamos ficar juntos mais um pouco.

E depois eu vou me encontrar com os outros.


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