Carta Para O Paraíso escrita por Dama do Poente


Capítulo 1
Palavras...


Notas iniciais do capítulo

Há 9 anos perdi uma das pessoas que mais importavam na minha vida. Não lembro muito o que falava com minha avó, mas creio que poderia contar tudo à ela...
Confio que posso contar à vocês também! Ou, pelo menos, posso desabafar aqui!



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Nova Iguaçu, 27 de maio de 2015

Querida avó,

Não sei se tem correio no céu, mas eu sempre quis por pra fora tudo o que vem acontecendo nos últimos 9 anos desde que a senhora se foi. E eu nunca soube onde seu corpo descansa, porém, com o tempo aprendi que só sabia me expressar com palavras se as escrevesse, então, lá vamos nós.

Mamãe e papai se divorciaram, a senhora deve saber, e eu não liguei muito para esse fato: eles já estavam separados desde sempre, não é?! É, eles estavam, mas o rótulo de “filha de pais divorciados” me assustou da mesma forma e a coisa foi tomando um rumo tão diferente do que eu imaginava, que a partir daí, não soube mais quem eu era.

O processo divórcio foi longo e repleto de descobertas: não, eu não era a filha única que pensava e isso me fez entender porque meu pai nunca teve muito tempo para mim... Ele ainda não tem, vovó, e tá ficando tarde demais para ter.

Um ano depois de sua partida, minha tia, a irmã de minha mãe, também se foi. Pensei que jamais fosse parar de chorar, e, se os mortos realmente observam seus entes queridos, você sabe que eu não parei, embora possa parecer que sim.

A verdade, vovó, é que eu aprendi que ninguém realmente se importa. Todos aqueles que disseram que estariam com você te abandonam dois meses depois da promessa, vão para longe de todas as formas possíveis: física, psicológica e sentimental. E quando chegam a tentar se reaproximar, já é tarde, muito tarde: um muro se forma ao redor de cada um, e nele não há portas. Só buracos irreparáveis.

Depois disso, minha vida e eu nunca mais fomos as mesmas. Vi-me em um total estado de torpor, segurando lágrimas, mordendo lábios trêmulos, guardando verdades em meu coração. Vi minha mãe, tão cheia de alegria e tão bondosa, ser julgada como nunca, enquanto tudo o que ela tentava fazer era levar o que sobrara de nossa família adiante. E minha avó, a mãe de minha mãe, ela se perdeu na dor de enterrar uma filha e eu nunca mais a achei. Talvez nunca mais ache, infelizmente.

Minha adolescência não foi das melhores, e ninguém ao meu redor me ajudava: os que podiam, foram levados por contratempos, e os que sobraram só sabiam de seus bel-prazeres, conseguidos as minhas custas. Tiravam-me do zero, me faziam crer que eu era um erro da natureza, e por muitas vezes desejei morrer. Desejei que Deus tivesse misericórdia de mim e me levasse até ele. Até você! Num sonho, no entanto, ele disse que ainda não era minha hora, que eu deveria esperar.

Pelo quê, eu gostaria de perguntar, mas não me atrevo: nunca fui do tipo que retruca grandes autoridades, mesmo quando meu ser todo quer reclamar de algo. Nunca reclamei com meu pai por ter sido “abandonada”, nunca reclamei com minha mãe por qualquer coisa que acontecesse no meu dia-a-dia: eu fechava os olhos, respirava fundo, e dizia a mim mesma que passaria. Menti tanto sobre isso, que um dia virou verdade... Só que durou pouco, e aqui estou eu, escrevendo mais uma carta que nunca será enviada, porque não tem um correio para o céu e nem serviço de e-mail.

Orações bastam para alcançá-los, mas o que fazer quando não basta para mim? O que fazer quando tudo o que eu queria era receber um abraço e que alguém me dissesse que tudo ficaria bem?

Vai ficar? Tem com a senhora me dizer? Porque eu estou um pouco cansada de seguir e não encontrar um lugar para parar... Estou cansada de achar que vou parar, como quase aconteceu aos 12 anos, e só continuar...

Quatro anos depois que a senhora partiu, eu realmente cheguei a pensar que estava indo ao seu encontro: fiquei tão doente, ninguém sabia o que eu tinha... Mamãe pensou que poderia ser um câncer nos ossos, mas foi apenas uma inflamação, tratável com remédios e fisioterapia... Curei o físico, mas o emocional estava em carne viva, inflamada, incurável.

Cinco anos se passaram desde essa doença: eu continuo vendo a mesma cardiologista, a mesma psicóloga. Costumava ver meu pai uma vez por semana, e nunca reclamei para ele que sentia falta dele (porque eu nunca soube que poderia sentir falta de algo que nunca tive realmente); nunca reclamei que queria que ele fosse meu pai da mesma forma que era pai da outra garota... De que adiantaria? Ele não me compreenderia, não me compreende; e agora que eu não o tenho visto com tanta freqüência, já não sei se ligo ou não... Ou se deveria ligar.

Vovó, amar é algo doloroso! Aprendi isso quando me apaixonei e não tive coragem de ir até o objeto de minha paixão. Mas não é só esse tipo de amor que dói: qualquer um deles é doloroso... E o pior deles é aquele que se foi.

A senhora partiu e deixou um buraco irreparável em meu coração. Nunca será preenchido e parece que, conforme o tempo passa, ele só se abre mais. Não sangra, mas algo sai dali e flui por minhas veias...

Realmente espero que essa carta ajude a diminuir a dor que sinto, mas se não, que a senhora esteja vendo o quanto a amo!

Com todo o carinho do mundo, e desejando que fique em paz

Sua neta,

Victória V.L. Pinheiro


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Notas finais do capítulo

E é isso: uma desabafo escrito de última hora, num momento de muita necessidade.
Beijos para todos, em especial os que sentem muita falta de alguém!



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