Nossa Família escrita por fbisinotto


Capítulo 1
Feliz Aniversário


Notas iniciais do capítulo

Karmasano



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Fiz o que ele mandou. Não era grande coisa, mas ainda sim, foi apenas mais um capricho meu. O campus, à minha frente, estava solitário como nos últimos meses, porém, nunca abandonado. Li mais uma vez o que Nagisa escreveu e abri um sorriso de satisfação: ele estava certo.

Longe da nostalgia, isso é um sentimento latente, ainda pulsa em cada um dos ex-alunos da classe E, e afaga o canto mais gelado do meu peito. O lugar está vivo, e todos que um dia ali trabalharam sentem o mesmo que eu, sem exceção alguma. É uma linda maldição, poética e vivaz.

“Mesmo sendo um fora da lei, você ainda tem que dar o braço a torcer, Akabane-kun. Ele será sempre parte da nossa identidade. Somos todos filhos do mesmo pai.” Leio mais uma vez o trecho final da carta, era comovente, mas ainda não sei ao certo se o “pai” que ele menciona era nosso professor ou o próprio campus. Bem, o conteúdo ainda era o mesmo, e verdade seja dita, o garoto escreve bem.

Estava de uma distância razoável da escola, a clareira de grama fina balançava conforme o vento, e meu cabelo acompanhava o ritmo, estava tudo muito calmo. Mesmo com a felicidade de visitar o lugar novamente, a quietude ainda era um pouco triste. Talvez esse fosse o lugar mais cheio de vida que conheci, e mesmo assim, era o mais ameaçado.

Tanto por Koro-sensei quando pela própria escola, nós tínhamos sempre nossos valores postos à prova. Incontáveis vezes nossas experiências juntos mostravam nosso valor e, com um sorriso gratificante no rosto, eu posso afirmar: nós vencemos. Vencemos Kunigagoka, vencemos os Cinco Grandes, vencemos nosso professor polvo maníaco e, ainda mais que isso, vencemos nós mesmos. Diga-me um nome de qualquer aluno da classe 3-E e eu direi uma conquista.

Então assim termina. O último a fechar a casa. Duvido muito que mais alguém além do Shiota imaginaria que seria eu – o orgulhoso modelo psico-playboy da turma E – quem iria dar o último adeus ao campus. Infelizmente, meu momento de glória foi desestabilizado por uma presença.

Havia alguém na porta da escola, apoiando os ombros na viga de madeira da entrada, alguém me olhando. Era tão alto quanto eu, mas a luz do sol da manhã atrapalhava a visão. Avancei um pouco ao sol e fiz sombra com a mão sobre os olhos. Olhos... Marrom avioletados. Mais um passo e o vento agita meu cabelo. Cabelo... Loiros puxado um pouco para o vermelho, me lembrava cor de pêssego. Ficou claro quem era assim que vi sua expressão irônica: sorriso de canto, sobrancelhas levemente franzidas e braços cruzados: Asano. O filho do antigo diretor. Meu rival e clone. Gakushu.

– Belo dia, não é, Akabane-kun? – Disse tão logo quanto reparou minha aproximação.

– Lindo. Verão... Não dá pra esperar nada melhor que isso. – Respondi com a mesma expressão, disfarçando minha surpresa.

– E o que faz o orgulhoso modelo da classe E aqui? O dia não está ensolarado o suficiente pra você aproveitar? – Desencostou da parede e colocou as mãos nos bolsos, ainda me examinando.

– Boa pergunta. O que ele faz aqui? – Inverti a situação, agora era ele quem me devia respostas.

Deu uma risada e fechou os olhos, tirando as mãos dos bolsos, assim como todo o ambiente, Asano estava sereno. Não ironicamente tranquilo como sempre, apenas despreocupado. Era plausível, se livrou das amarras do pai, garantiu seu futuro em algum outro lugar, com certeza, e ficou livre do apocalipse, perfeito. Mas havia algo destoava da imagem que esperava ter dele, ainda mais nesse momento não acadêmico: usava uniforme.

Sentou de pernas cruzadas na varanda, ainda de olhos fechados e tirou um controle remoto do bolso. Apertou um dos botões e respirou fundo. Só deus sabe o que diabos ele estava fazendo.

Parei diante dele e franzi a testa em desaprovação. Asano estava em posição de meditação, sabe-se lá o motivo.

– Está esperando um convite formal? – Perguntou. Sempre de olhos fechados.

Começou uma música clássica ao fundo, baixo, nos limites de audição, não era meu estilo preferido, mas era agradável. Bela forma de relaxamento, Asano-chan. Bach? Vivaldi? Wagner? Foda-se.

Dei uma risada debochada enquanto o abandonava e atravessava a varanda, ainda com a carta em mãos. A madeira do chão rangia com meu peso, era familiar, era minha casa. Suspirei quando entrei no prédio, ainda era os mesmo ares de tempos nem tão distantes, o corredor me convidava à nostalgia, que eu gentilmente ignorava.

Deixando Gakushu para trás, comecei a andar pela via principal do velho campus. Ainda podia ouvir Kayano dando um sonoro e alegre “bom dia” para todos, era impossível até para mim não demonstrar contentamento com o sorriso dela.

Chegando perto da sala, lembro-me de Isogai. Talvez o melhor entre nós. Melhor que eu no tiro, ótimo em esportes, grande líder e talvez mais inteligente que eu. Talvez. Ele era um dos grandes motores da classe, e com razão.

Abro a porta após uma longa olha para a placa “3 – E” e, mais uma vez, Asano me surpreende. Ele havia deixado o aparelho de som bem próximo aos meus pés. Chutei a parafernália e fiz uma singela homenagem à mãe de Gakushu. A música estava um pouco mais alta, mas ainda era a mesma. Lia-se “N° 9” no visor. Beethoven, seu gênio.

Na mesa, um altar ao nosso professor. Uma foto dele bem emoldurada, próxima às suas revistas favoritas, nojentas, mas eu ainda respeitava aquilo. Imagino o que Terasaka e seu bando de indisciplinados diria: “Bah! Como se a gente tivesse que dar alguma moral pro que aquele lunático gostava!” Ele escondia precariamente seus sentimentos, mas era uma boa pessoa.

Fiz o que Nagisa mandou. Coloquei a carta próxima às outras. Cada aluno do Koro-sensei havia feito uma simples homenagem e posto ali. E aquela era a minha. Verdade, foi feita pelo Shiota, mas era os meus sentimentos mais verdadeiros sobre nosso mestre, e Nagisa já havia feito a sua, só não fazia diferença quem as escreveu. Aliás, o fato de não ter sido eu o redator da carta a torna ainda mais minha. Não se discute identidade, ainda sou o maior filho da puta dessa classe, lembre-se disso, Koro!

Olho para as cadeiras vazias, um pouco sujas com o tempo, e noto o espaço vazio do fundo da sala: Ritsu. Minha nossa! Aquela garota era um problema talvez tão grande quando o polvo! De quem foi e ideia de colocar uma arma tão sinistra para dividir espaço com recém-adolescentes? Rio um pouco da minha ignorância. Mais que uma arma, ela era o maior exemplo da magia da classe E. Uma arma de destruição que poderia muito bem sobrepor seus parâmetros artificias e declarar guerra a quem não lhe desse ouvidos, em outras palavras: o poder era estritamente dela pra tocar o foda-se e ser feliz. Coisa que ela, filha de Koro-sensei como todos nós, não fez. Uma salva de palmas para Ritsu.

Solto uma leve risada perdida em meus devaneios até que os olhos passeiam para o meu antigo lugar. Fecho a cara, abaixo a expressão e saio dali, antes que a nostalgia tome conta.

No corredor, a música mudou. Eu conhecia, mas faltava algo, não tinha vocais. Ainda andando, reconheci a batida: Sexy Sexy, do Cascade, novamente, bom gosto, Asano-chan.

Essa música me faz lembrar Yukiko. Não só pelo título, mas pelo dedilhar da guitarra, era simples, delicado e agradável, assim como ela. “Uma joia entre os porcos” diziam os Cinco Grandes. Estavam certos. A mais bonita de nós, e com um talento subestimado tanto quanto grandioso: fliperamas. Reza a lenda que ninguém a derrotava quando tinha uma ficha para o Super Street Fighter.

Atravessei a porta e encontrei novamente o rival de tempos memoriais.

– Terminou as orações? – Perguntei por ironia.

– Por quê? Está me esperando? – Respondeu com a mesma rispidez. Ainda de olhos cerrados.

Fiquei calado em pé, ao seu lado.

– Prestou suas homenagens, é? Karma-kun foi rápido.

– Você não vai fazer o mesmo? Ele ensinou você também.

– Estou fazendo. – Pela primeira vez, não vi motivos para duvidar de Asano.

– Ouvindo aberturas de animes? Você é estranho pra um leãozinho que só sabe rosnar. – Provoquei, ainda que com um pouco de curiosidade sobre a seleção das músicas.

– Oh não. Eu mordo. Quer ver? – Ainda assustadoramente quieto.

Dei uma risada e sentei-me ao seu lado. Pela primeira vez, não fiquei incomodado com sua presença, era um pouco reconfortante na verdade, ainda mais em momento de luto. Já tentou bater um papo com quem é tão parecido com você? Garanto que será uma mistura de comédia e tragédia.

– Então? O polvo fez essa playlist, Asano-kun? – Disfarcei a curiosidade com minha expressão “foda-se” padrão.

– Não. – Neutro.

–Hã? Então você sabia que ele gostava dessas?

– Não.

– Você escolheu ao acaso e acha que isso é uma homenagem ao polvo? – Certo, minha curiosidade deixou de ser oculta.

– Não.

Eu fiquei puto.

– Seu pai gosta dessas músicas, então?

Silêncio. Longo e desconfortável. Longe do que senti há pouco.

Droga, isso foi um pouco pesado demais.

Asano se levantou e tirou a sujeira das calças, de costas para mim. Ele tinha a mesma altura que eu.

– É exatamente o contrário do diretor. – Quebrou o silêncio, finalmente.

– Qual a ideia então? O sensei te mostrou como se soltar das amarras corporativas do seu pai e ser você mesmo? – Retruquei com um tom mais despojado.

–Sim, Karma. Exatamente.

Interessante. Adivinhei. Mais uma vez a magia da classe E se faz presente, assim como aconteceu com Ritsu. Mais uma falha na realidade, dessa vez, com a prova de que Kunigagoka foi derrotada: a rebeldia de Gakushu.

– Qual o plano? Fazer o que seu pai desaprovaria por completo? – Fiz uma pergunta sincera.

–Não. Sinceramente, não me importo nem um pouco com a palavra do nosso antigo diretor.

Eu abri um sorriso branco. O polvo realmente tocou cada um de nós, sem exceções. A música mudou, essa tinha vocais: One Life, do The Pillows. Boa música.

– Eu vou lecionar. Aqui. – Afirmou Asano. – Espero que meu pai me odeie por isso.

– Oh! Ele vai tirar seu nome do testamento!

– Ótimo. Assim parece que nunca fomos família.

Rimos um pouco, até eu me levantar.

–Você está errado. Somos família. Filhos do mesmo pai. – Corrigi.

Ele segurou minha mão.

– Shiota disse que eu estaria aqui, não é?

– Sim.

– Maldito.

Ajeitamos as mãos enquanto olhávamos a descida do morro. Sem dúvidas sentirei falta disso.

–Então... De quem serão os passos que você vai seguir, Gaku-chan? – Perguntei.

– Do mesmo pai que tivemos, Karma. Do nosso pai. Somos família, não é?

– Absolutamente.


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Notas finais do capítulo

Saindo do poço. Pronto, fiz minha parte que você tanto quis. Agora, o filho é seu.



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