Como os cachorros latem! escrita por Eric Elgae


Capítulo 1
Como os cachorros latem- Oneshot


Notas iniciais do capítulo

Família, relacionamentos, cuidado, carinho...
Uma pontinha de realidade...
E é isso que os espera hehe
Boa leitura



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-Manão?

-Fala- o irmão mais velho suspirou, irritado. Os últimos dias tinham sido pesados.

-Como os cachorros latem?

O caçula tinha uma expressão de quem dependia de algo para viver, como se a resposta aquela pergunta fosse um passo muito importante a ser dado, algo que definiria o futuro.

-Que pergunta é essa, Clay?

-Me fala, como os cachorros latem?

Lucas suspirou. Estava sem paciência, na verdade andava meio de saco cheio de tudo. A mudança que tiveram que fazer nos últimos dias, toda a rotina alterada... Aquilo estava mexendo com ele bem mais do que imaginara que mexeria.

Olhou nos olhos do irmão mais novo. O caçula o encarava resoluto, o corpo tenso, apertava as mãozinhas, ansioso como só uma criança ficaria diante de uma pergunta daquelas.

Tinha como ficar com raiva daquela coisinha chata?

Não sabia dizer não para o irmão mais novo. Por mais que tivesse vontade de matá-lo a maior parte do tempo, adorava aquela chatice que não saía do seu pé.

O olhinho cor de mel estava arregalado, o cabelo castanho bagunçado. Estava com a boca fina apertada, ansioso por uma resposta.

O pijama não tinha sido trocado ainda, e estavam na hora do almoço. Se seus pais vissem aquilo, com certeza lhe dariam uma bronca daquelas.

-Vem, vamos falar disso lá dentro. Vou esquentar sua comida, enquanto você troca de roupa.

Estendeu a mão, mas o pequeno ficou encarando-o sério.

-Eu preciso saber como os cães latem.

Suspirou. Aquele ali quando implicava com alguma coisa...

-Eu te falo só depois que você comer e tomar banho. E direito.

Clay cruzou as mãozinhas no peito. Sua carinha de bravo divertia o irmão.

-Seu chato!

Virou as costas, e entrou na casa batendo os pés, ainda com os bracinhos cruzados. Lucas riu, divertido.

-E lave bem atrás das orelhas.

-CHATO!!!

-- --

Enquanto esquentava dois pratos no micro-ondas, Lucas pensava em como a vida dava voltas.

Pouco tempo atrás, morava em uma cidade pequena, tinha seus amigos de toda uma vida, seus pais tinham tempo para ele e para o irmãozinho, seus parentes estavam a ruas de distância.

Agora, moravam em uma cidade grande, mas em uma casa menor, e em um bairro distante de tudo. Na escola, parecia um ser de outro planeta, estava difícil se enturmar, uma vez que todo mundo tirava sarro do seu sotaque interiorano.

E se sentia só.

Os pais arrumaram um trabalho melhor, achavam que aquilo seria bom, na cidade grande as oportunidades eram maiores, e tudo seria mais fácil.

Ledo engano.

Os dois trabalhavam cedo, por isso Lucas levava o irmão para a escola, e buscava quando terminava a sua aula. Ficava com ele até as seis da tarde, hora que a mãe chegava, e passava um pouco de tempo com eles.

Cada dia menos tempo. Ela estava cada vez mais cansada, simplesmente apagava no meio de uma conversa, ou enquanto falava com alguém ao telefone.

O pai então... chegava praticamente na hora que os dois iam pra cama, dava um beijo de boa noite enquanto tirava a gravata, e só.

Nos finais de semana, a mãe botava a casa em ordem e o pai arrumava uma ou outra coisa que precisava de conserto. Aquela casa parecia que nunca ficava boa o bastante sem dar algum problema.

E no domingo iam almoçar. Quando chegavam, o casal caía na cama, já sabendo que teriam mais uma semana pela frente. Os filhos só observavam, sem poder opinar muito. Era a rotina deles, fazer o que?

Lucas suspirou. Como queria poder conversar ao vivo com os melhores amigos, com a garota que gostava, e prometeu voltar pra namorar, e talvez até, num dia muito distante, casar. Sentiu saudades do cheiro de sabão da roupa da avó, e do cheiro irritante do charuto do avô.

E os primos, que saiam pra catar fruta em árvore, e terminavam sempre brigando, ele se ralando todo por que nunca conseguia subir direito num pé de qualquer coisa, e ficava embaixo tentando alcançar um deles. E quando desistia, pegava uma sacola e ia guardando o que eles jogavam lá de cima.

Saudades podiam doer fisicamente. E muito.

Acabara de completar quinze anos. Sentia-se preso e esquecido. Não tinha diversão, tinha responsabilidades.

E ninguém pra compartilhar isso.

Conversar pela internet não era a mesma coisa que um papo ao vivo. Sentia falta de ouvir a voz, olhar nos olhos, cutucar, essas coisas.

Agora era isso: estudar, e cuidar do caçula e da casa. E tinha que fingir estar bem, pois via o quanto os pais ralavam pra poder proporcionar uma vida que eles consideravam boa o bastante para os dois.

Parecia simples, mas para ele, era como carregar o peso do mundo nas costas.

Pelo menos isso servira para estreitar os laços com o irmão. Sempre cuidara de Clay, mas agora a responsabilidade era inteiramente sua. Apesar de estar com nove anos, o mais novo se comportava como um bebe às vezes, o que realmente tirava Lucas do sério.

Mas morria de pena do irmão. Se ele, mais velho, sentia-se daquela forma, que dirá seu irmãozinho.

Clay não era muito corajoso, qualquer coisa o amedrontava. Seu avô dizia que isso era normal, os homens da família demoravam a ter coragem pra fazer tudo, mas quando faziam, ninguém superava. Dizia que era fase, e era pra deixar o menino quieto.

Só se fosse pelo lado do pai, por que pelo lado materno, e esse Lucas puxara com certeza, ninguém tinha medo de nada. Tinham era é muita curiosidade, se metiam em tudo que era dito pra não se meter, não fugiam de problemas, pelo contrário, pareciam procurar por eles. E mesmo quando não procuravam, se aparecesse algum, enfrentavam da melhor forma possível.

Clay tinha medo de escuro, tinha medo de barata- céus, sério? Barata?- de trovão, e de ficar sozinho. E quando sentia medo, corria pro lado dele, se enroscava nas suas pernas e nada o tiraria dali.

Nessas horas queria enfiá-lo em uma caixa e mandar pra qualquer polo da terra, mas aí via os olhos claros do irmão, assustado, e ficava todo derretido.

Afinal, aquela malinha era seu irmão. Tinha que cuidar dele, mesmo que nunca tivessem dito pra fazê-lo. Era sua responsabilidade.

E ele nunca iria assumir, mas gostava de saber que o pequeno confiava nele, o admirava, tinha nele um referencial.

-Pronto. Agora me fala.

A vozinha irritada o despertou dos devaneios. Quando se virou, o mais novo o encarava sério, com o cabelo úmido bagunçado, a roupa de ficar em casa amassada.

-Colocou a camisa do avesso de novo. E podia ter pegado uma roupa passada.

-Aiiii meu saco.

-Ei, onde aprendeu a falar assim, moleque? Quer tomar uma bifa, é?

-Humph...

-Deixa de graça, vira essa camiseta.

Enquanto Clay se atrapalhava com a roupa, pegou os pratos, e um suco na geladeira. Colocou na mesa, e fez sinal pro outro se sentar.

-Come.

-Só quando você me responder.

-O que?

-Caramba, seu velho. Eu te perguntei agorinha há pouco, como que os cachorros latem?

-Pra que você quer tanto saber disso?

-Eu...

O pequeno ficou quieto. Pareceu meio perturbado até.

-Clay?

-Preciso saber...

-Come. Depois que você comer tudinho, eu te falo.

-- --

-Fala.

Os irmãos estavam sentados no fundo da casa. Lucas estava nos primeiros degraus que davam da cozinha para o quintal, e Clay estava nos degraus de baixo.

-Não sei.

-Como assim não sabe?

-Não sabendo, ué.

O pequeno fez uma cara decepcionada. Abaixou o rosto, e sussurrou, extremamente chateado.

-Pensei que você sabia de tudo...

Prevendo o chororo que viria em seguida, Lucas se apressou.

-Bom, pode ser que...

Clay levantou o rosto, os olhinhos brilhando de ansiedade.

-O que? Fala...

Se agarrou a perna do irmão com força. Lucas estranhou aquela reação.

Exagerada.

-Sei lá, deve ser do mesmo jeito que as pessoas, só que em “cachorrês”.

O pequeno franziu o rostinho.

-E como as pessoas latem?

Lucas riu.

-As pessoas não latem, criatura.

Clay fechou a cara. Soltou a perna do irmão, e cruzou as mãos no peito.

-Você acabou de dizer que é do mesmo jeito que as pessoas.

-Humph... eu quis dizer que eles devem latir, do mesmo jeito que as pessoas falam. O ar passa na garganta, e os tubos que a gente tem aqui –apontou pro pescoço do menor- fazem sair o som da nossa voz, como se fosse uma flauta.

-Então deve ser assim?

-Sim, acho que é.

-Hum...

Clay ficou sério, introspectivo. Balançava os pés do degrau onde estava.

-Mas por que você queria tanto saber disso?

-Será que tem como a gente consertar a flauta de um cachorro?

-O que?

Clay o olhava ansioso. Aquilo estava começando a perturbar era Lucas.

-Clay, você quer me contar alguma coisa?

O pequeno ficou muito sério. Se levantou e encarou o irmão.

-Eu preciso saber como os cachorros latem, por que aí eu posso consertar uma coisa...

-Consertar o que?

Clay ficou quieto. Parecia pensar se poderia contar ao irmão ou não.

-Promete que guarda segredo.

-Prometo.

-Tá mentindo. Eu pedi pra você não falar pro pai que eu fiz xixi na cama e você tinha prometido igual fez agora.

Lucas suspirou. Estendeu a mão, com o dedinho esticado.

-Promessa de escoteiro.

O pequeno sorriu, e juntou o dedinho com o do irmão.

-Agora sim.

-Fala.

-Hum... melhor eu te mostrar. Vem comigo.

O pequeno passou por Lucas, entrou correndo na casa, e calçou uma botinha de chuva.

-Vem, anda Lu.

Lucas estava curioso com aquilo. O que será que Clay estava aprontando?

O caçula saiu de casa, acenou pro mais velho, e foi caminhando pela rua. Lucas o seguiu intrigado, observando Clay olhar de um lado pra outro.

-Clay, o que é que tá rolando? Fala logo.

-Melhor você ver.

-Clay, fala alguma coisa, ou a gente volta pra casa agora.

O pequeno começou a correr. Só gritou uma palavra.

-Dodó.

Lucas estacou.

Há uns dois anos, eles perderam um cachorro que chegou a casa no dia que Clay nascera. Ninguém sabe de onde veio, mas ele ficou na casa, e os pais de Lucas resolveram adotá-lo.

Ele era uma mistura toda exótica: a maioria das pessoas dizia que era cruzamento de um Dálmata com Pastor Alemão, mas ninguém sabia ao certo.

Mas o que importava era que o cachorro trouxera novo fôlego ao lar. Os pais se sentiram mais a vontade, mais esperançosos depois que o cachorro chegou.

Lucas o nomeou. Olhou pra ele um dia, estava cansado dos pais chamando o animal de “Cachorro”, e resolveu chamá-lo do primeiro nome que veio a cabeça.

E ficou Dodó.

Até Clay completar sete anos, foi tudo maravilhoso. O cachorro mudava o ambiente da casa, toda vez que alguma sombra de tristeza ou preocupação ameaçava pairar por ali, ele se virava pra chamar a atenção, e tudo ficava, no mínimo, tolerável.

Lambia a mãe, se enroscava nas pernas do pai, puxava Clay pelas fraldas, e pulava nas costas de Lucas.

Nunca deixava a peteca da família cair.

Mas um dia, tudo acabou sem explicação.

Quando eles se mudaram, Dodó sumiu. Por mais que procurassem, não o encontraram em lugar nenhum.

Cartazes, busca com os amigos ao redor do bairro, avisos no rádio... fizeram tudo que podiam.

Como tinham que ir embora, deixaram um aviso na vizinhança. E se os avôs, dos dois lados da família, soubessem de alguma coisa, avisariam com certeza.

Lucas botou a culpa da mudança brusca no estilo de vida da família, no sumiço do cachorro.

De certa forma, ficou magoado.

Agora, como seria possível que Clay houvesse encontrado Dodó, ali na cidade?

Quando voltou a si, viu o pequeno dobrando a esquina. Correu para alcança-lo.

-Clay, espera aê.

-Vem, manão.

No fim da rua havia um terreno vazio. Nos fundos do terreno, havia uma casinha velha, abandonada há tanto tempo, que tinha buracos por todas as paredes.

Quando Lucas entrou, observou que nem paredes havia mais do lado interno, só as quatro que circundavam a casa. E o teto estava cheio de buracos.

Em um canto, em cima de um papelão, viu uma panela antiga da casa que todo mundo jurava que havia sumido, com um pouco de ração. E ao lado, um pote de sorvete vazio, com água.

E em cima de uma lona velha, uma sombra do que um dia tinha sido Dodó.

Ficou em dúvida, seria impossível ser o seu cachorro, ele havia sumido, como ia reaparecer ali, depois de dois anos?

Mas ao se aproximar, o coração quase saltou pela boca.

O cachorro estava com a pele suja, todo machucado. As patas dianteiras estavam inchadas, e na nuca, parecia que alguém havia raspado o pelo com gilete, e deixado pra infeccionar de propósito.

As costelas estavam aparentes, os olhos meio baços.

Ao se encararem, cachorro e dono deixaram os olhos marejados.

-Dodó...

O cão grunhiu, tentava latir mas não conseguia, só chiava, queria se mover, mas não conseguia.

Clay se aproximou, e acarinhou sua cabeça.

-Fica calmo, Dó, o manão vai me ajudar a consertar sua garganta, e você vai voltar a falar.

-Clay...

Lucas estava chocado. Como aquilo era possível?

-Há quanto tempo... quanto tempo você tem cuidado dele?

O menor olhava pra cima, tentando fazer as contas de cabeça.

-Hum... dois meses, pode ser?

-Dois meses? Tem dois meses que ele tá aqui e você não me contou? Como você tem bancado ele?

-Há, eu junto minha mesada, e as vezes o pai me dá uma grana a mais, eu digo que é pra comprar comida... e é verdade, é comida pro Dó.

Lucas se aproximou. Aquilo não podia continuar daquele jeito.

Afagou o rosto do animal. A confirmação que era Dodó veio quando ele mordeu seu dedo indicador de leve, código que os dois tinham desde que se viram pela primeira vez. Ele sempre fazia aquilo quando Lucas ficava triste, ou voltava de um dia fora que dormira na casa de um amigo, ou na casa de parentes.

-Clay... ele precisa de um médico urgente.

-Mas não pode contar pro pai.

-Como assim? Claro que tem que contar, vou lá agora ligar pra ele...

-NÃO! NÃO PODE! VOCÊ PROMETEU! PROMESSA DE DEDINHO!

Clay começou a chorar. O cachorro só o encarava, cansado.

-Clay, o pai e a mãe podem ajudar. Vamos ligar pra eles, você não vê que o Dó tá machucado?

-Mas...

-Você quer que o Dó pare de respirar é?

-Não...

-Você não quer ver ele latir de novo? Consertar a voz dele?

-Quero... mas...

-Mas o que, Clay? Conta logo.

Lucas o encarou com uma cara tão séria, que o pequeno tremeu. Nunca vira o irmão daquele jeito.

-Eu ouvi o papai falando com a mamãe um dia... que não queria mais ter bicho... por que doía quando eles sumiam.

-Clay...

-E se ele não quiser o Dó mais? Eu quero ficar com o Dó, Lu. Ele não tava assim quando eu achei ele, só magro, mas agora...

O pequeno se jogou na cintura do mais velho, e começou a chorar, abraçando ele com força.

Lucas o envolveu com os braços, e depois, afagou sua cabeça.

-Ei, eles amam o Dó, assim como a gente, tá? Vem, vamos cuidar dele, vai ficar tudo bem.

-Vai consertar a flauta dele?

Lançou um olhar pro animal quase morto a sua frente.

-Vamos tentar tá bom? Agora corre pra casa, e liga no celular da mãe primeiro, depois do pai, e manda eles virem pra casa correndo, fala que eu to passando mal. Aí me espera lá. Pode ser?

-Pode.

-Mas você tem que ser rápido, e fazer tudo direitinho tá? Como eu te falei.

-Tá bom.

-Vai então. Eu já vou te alcançar.

-- --

Quando o caçula saiu correndo, Lucas olhou em volta, procurando uma coisa pra apoiar o animalzinho, mas não encontrou nada.

-Amigão, vou te levar no colo... aguenta aí, tá?

Aproximou a vasilha com água, o cão cheirou e deu duas lambidas, depois tombou a cabeça e começou a fungar. Respirava devagar, e fechava e abria os olhos com frequência.

Lucas o embrulhou da melhor forma que pode naquela lona velha. Seu estômago embrulhou por causa do mau cheiro, mas ele tinha que aguentar.

O cachorro tentou grunhir, mas nem isso conseguia mais. O tempo agora corria contra.

Levantou Dodó, e caminhou devagar, sabia que qualquer movimento mais brusco seria uma tortura ao amigo no estado que ele se encontrava.

Pé ante pé, foi indo para casa. Com sorte, os pais logo chegariam.

-Você vai ficar bom, Dodó. Tem que ficar.

Era difícil enxergar com a vista embaçada.

-- --

O pai estava conversando com o veterinário na sala de emergência. A mãe estava com os olhos vermelhos, soltara os cabelos castanhos, e balançava o caçula no colo.

-Vai dar tudo certo, fica calmo Clay.

-Mamãe, o Lu disse isso. Ele vai voltar a falar, né?

A mãe olhou confusa pro filho mais velho.

Lucas se aproximou, e colocou a mão no ombro do irmão.

-O Dr. vai arrumar a flauta dele.

Clay sorriu, ainda choroso.

-Vai lá ver o pai, vai. Ele deve saber de alguma coisa.

Quando o menor se afastou, a mãe puxou o maior para o colo. Ele nem reclamou.

-Que história é essa de flauta?

Lucas resumiu. A mãe controlava as lágrimas.

-Ele ficou me perguntando o dia todo como os cachorros latiam... e eu não sabia que era por isso... eu...

-Ei, você agiu como eu queria que um homem agisse. Estou orgulhosa de você.

-Mãe- detestava aquela sensação de nó na garganta- ele vai viver, né? Não seria justo ele sumir e quando a gente o reencontrasse ele morrer, seria?

-Oh querido...

A mãe o abraçou com força. Ficaram quietos, em silêncio.

O pai saiu da sala, trazendo Clay pela mão. As olheiras demonstravam o cansaço e preocupação.

-Ele está sob observação. Só amanhã saberemos como ele vai ficar.

Trocou um olhar com a esposa.

Lucas sentiu um arrepio.

Clay perguntou para o pai:

-Ele vai voltar a falar né?

-Como assim, filho?

-Ele sempre latiu muito, era o jeito dele conversar. Desde que ele voltou, eu nunca vi ele latir de novo. O manão falou que a gente tem tipo uma flauta na garganta, por onde a voz sai. O Dr. vai arrumar a flauta dele, não vai?

O pai suspirou.

A mãe fungou.

Lucas sentiu os olhos marejarem.

Ninguém queria aquela realidade, nua e crua. Queriam ter esperança, a esperança que estava contida na pergunta do membro mais novo da família.

-Vamos pedir pro papai do céu que tudo aconteça da melhor forma possível, tá bom?

-- --

-Eu sempre fui muito feliz, mas com ele eu era mais feliz. Por que tudo aconteceu assim?

-Não sabemos filho. Já ouvimos casos de cachorros que seguiram os donos por quilômetros, até atravessaram países pra rever a família perdida. Mas nunca achei... que logo nós iríamos viver isso.

-Ele está muito machucado, Clay. Está muito doente, sente muita dor.

O pequeno afagava a cabeça do animal. Com a outra mão, segurava a mão do irmão. Os pais estavam observando de perto.

-É melhor você dizer tchau pra ele, Clay. Ele precisa dormir.

-Mas então, ele não vai mais falar? Nunca mais?

-Não aqui, querido. Mas no céu dos cachorros, sem dor, ele vai latir muito. Quem sabe você não consiga falar com ele um dia?

A família se olhava, toda entristecida.

Não havia mais jeito. Dodó estava com o coração inchado, uma infecção muito forte na corrente sanguínea, e muito debilitado. Ele sobreviveria, mas sofreria muito. O veterinário não sugeriu, impôs a eutanásia.

-Dr, não dá pra fazer nada?

O médico encarou o pequeno. Se agachou até poder encará-lo.

-Podemos parar o sofrimento dele. E deixá-lo feliz por todos estarem perto quando ele for...descansar.

Todos se aproximaram do cão. O médico injetou a injeção no soro.

-Há tempo para dizer adeus. Ainda tem uns quinze minutos. Vou deixar vocês com ele.

Quando o médico saiu, o pequeno abraçou o cachorro, com lágrimas nos olhos.

-Eu só queria poder ficar com você pra sempre. Por que eu te amo. Mas não quero ver você sofrendo. Só queria dizer obrigado... por me amar... e por amar a gente...

Clay chorou com toda a alma. A mãe falou logo depois.

-Dodó... você chegou junto com o Clay em casa... eu...

Ela não iria conseguir falar mais nada. Deu um beijo no focinho do cachorro.

O pai se aproximou, e afagou atrás das orelhas do cão.

-Você simplesmente foi o melhor amigo que um homem podia ter. Te amo amigão, sempre...

Abraçou a esposa, e os dois choraram, sem vergonha dos sentimentos.

Aquilo apertou o coração de Lucas. Faltava ele se despedir.

-Eu... te amo amigão.

O cachorro suspirou, e encarou o mais velho.

E então, Dodó latiu.

Dois latidos firmes, fortes, altos.

E como se sorrisse, ele deitou a cabeça na mão de Lucas.

E dormiu.

Para sempre.

-- --

-Dodó?

Agora ele já não respirava. O veterinário entrou na sala, com os olhos vermelhos.

-Ele está em paz agora.

Clay chorava alto, e soluçava. Se agarrava as pernas dos pais. Lucas queria fazer o mesmo, mas não conseguia sair do lugar.

-Por que, Dr?

-Vem aqui, Clay. Vou te contar uma coisa.

O pequeno se aproximou do médico, fungando. Ganhou um abraço, e depois o Dr. o encarou por trás dos óculos quadrados.

-Eu ouvi você perguntando como os cachorros latem. Já te falaram como?

-Já.

-Bom, eu vou te contar outra coisa. Eles não latem só com a garganta, ou com a flauta que seu irmão te contou.

-Não?

-Não. Eles latem como os humanos falam, como os passarinhos cantam, e como os outros bichos se comunicam.

-Sério?

-Sério. E sabe como eles fazem isso?

-Não.

O médico pegou a mão do pequeno, e levou ao peito.

Clay abriu um sorriso tímido.

-Já sabe a resposta?

-Sei.

-Então... como os cachorros latem, Clay?

-Com o coração!

Todos sorriram.

Havia corações unidos naquela sala. Agora, mais do que nunca.

Por que um cachorro latiu.


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Notas finais do capítulo

Se conseguiram chegar até aqui, gostaria muito de saber o que vocês acharam.
Não sou muito de escrever originais, mas achei que o resultado ficou bom...
Opiniões são super bem vindas, ok? Ok
Brigadão desde já. Bjos e Abraços pra todo mundo



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