Capítulo Único

— Uma dança, por favor?

Hinata ergueu seus olhos por um instante. Havia focado demais em seus sapatos negros que lembravam muito os de sapateado que sua irmã mais nova, Hanabi, tinha. Hanabi costumava ser boa em sapateado até abandonar as aulas, quando tinha 13 anos. Como uma boneca programada que a pilha acaba, ela se esqueceu de cada movimento e agora parecia apenas tentar matar uma barata com seus pés quando tentava sapatear. Ela, Hinata, nunca havia tido aulas de sapateado – a verdade era que os sapatos estavam baratos e elas os comprou. Combinava com uma ou duas coisas que havia em seu guarda-roupa. Combinava com a cor dos seus cabelos.

Quando viu a quem convidara – e ela não achava que seria convidada para dançar por ninguém – sentiu vontade de olhar novamente para seus sapatos que lembravam muito sapatos de sapateado. Ela até mesmo se imaginou saindo do salão de dança sapateando – seu rosto corou um pouquinho mais nesse momento – para evitar aquele menino.

Não que Sasuke fosse o tipo para ser evitado, ele na verdade ficava muito bem naquele terno. Combinava com sua boca reta e seus olhos que pareciam de algum boneco de cera. Ele estaria de boa na Madame Tussauds. Tinha a pele pálida e cheiro forte de perfume. Hinata pensava que astros do rock cheiravam daquele jeito. O problema de Sasuke, contudo, era que Hinata não conhecia quase nada dele, tirando o que todos conheciam dele. Então ele não deveria tirá-la para dançar. Muito menos continuar encarando-a como se esperasse uma resposta.

Quer dizer, quando eles haviam conversado? Em alguma aula de física? Talvez no dia em que ele pedira papel higiênico para ela, pois havia espirrado e não tinha?

“Não, Sasuke-san, muito obrigada” foi o que ela pensou em dizer. Infelizmente Hinata não era assim tão boa com palavras, muito menos quando estava na frente de alguém que nunca havia falado com ela e que até a amedrontava – cruzes, Sasuke não conseguia ficar em um lugar sem ser encarado por um monte de gente! – então o que infelizmente saiu da boca dela foi um “hunhun”que pode ser interpretado de diferentes formas.

Na China o hunhun quer dizer que você quer um pãozinho. Na França eles usam o hunhun para falar “uau, como o dia está maravilhoso hoje!” e na Rússia o hunhun quer dizer que você precisa de uma granada agora mesmo – ou de algum casaco de pele.

Na mente de Sasuke, “hunhun” quer dizer “me leve para o meio da pista, debaixo do globo espalhado, oh, grande cavalheiro!”. Acabou que ele a puxou para o meio da pista mesmo, com uma mão em sua cintura, outra mão em sua mão e uma distância segura entre os dois troncos. Hinata perdeu a fala. Ela nem conseguiu ouvir o copo de vidro de Karin caindo a alguns metros dali.

Hinata nem mesmo conseguia pensar em algo. Sua mente estava girando um pouquinho e ela se sentia tonta, mesmo que Sasuke nem tivesse a tentado girar ainda. Ela não queria estar ali, vestindo um vestido rosa que destacava seus sapatos que lembravam o sapateado. Naruto havia convidado Sakura para o baile de primavera de Konoha, então ela não queria vê-los juntos. Mas Tenten a havia arrastado, pois precisava da cobertura de Hinata para se pegar com seu primo – a mãe dela nem conseguia imaginar a filha botado a língua na boca de outra pessoa! E agora, quando Hinata pensara que finalmente ia se livrar da mesa quieta, onde observava seus sapatos, bebia um ponche bem ruim de laranja e groselha, além de ver um ou outro casal sentar em sua mesa como se não a vissem lá, afinal a festa estava acabando, Sasuke aparece para chamá-la para uma dança.

Ela se sentia na última cena de Dirty Dancing – apesar de Sasuke não ter o “molejo” de Patrick Swayze.

— O que você tá fazendo? – conseguiu dizer depois de alguns segundos que eles iam para lá e para cá, mais duros que um poste. Hinata era uma péssima dançarina e Sasuke não ficava para trás.

Hinata não sabia para onde olhar, então olhava a orelha dele, levemente pontuda. Tipo um elfo.

— Estou dançando – respondeu como se fosse óbvio. Os olhos dele estavam nos pés dos dois e suas sobrancelhas estavam juntas. Parecia tentar entender, afinal, como se dançava.

Ela se sentiu meio burra, mas logo se recuperou. Tentava ignorar os olhares que via, enquanto perguntava:

— Por que comigo?

— Você estava disponível. E disse sim.

Hinata agora mirou o rosto dele como se ele estivesse meio doido. Na confusão da dança desajeitada e muito feia, ela tomou cuidado para não trombar em outro par e falou:

— Eu disse que não – murmurou envergonhada, afinal não queria destratá-lo nem nada assim. Apesar de suas diferenças sobre desempenho social, gosto musical, gosto por filmes, amizades, gosto por livros, sapatos e perfumes, além da diferença bem grande de suas notas em Filosofia, ela e Sasuke até eram parecidos. Era o que Hinata pensava, claro.

— Você disse “hunhun” – imitou o som dela.

— Não é um sim...

— Não é um não.

Ficou quieta. Ele tinha razão, não havia negado.Se calou e continua movendo seus pés de um lado para o outro.

—Você... hm... ficou sentada naquela mesa a festa toda.

Hinata sentiu vontade de perguntar se ele havia a observado. Concluindo que Sasuke não tinha muitos motivos para observá-la, respondeu sem mais perguntas.

— Não queria estar aqui.

— Eu também não.

Tirou os olhos das orelhas pontudas dele – que agora estavam rosadas, por causa da iluminação do local (Ino, a presidente do clube, havia aprontado tudo de forma perfeita, do mesmo modo que penteava seus cabelos toda manhã) – e o encarou novamente, quase esquecendo de continuar “dançando”.

— Então por que veio? – perguntou timidamente, torcendo para ele ouvi-la através de Digital Love, do Daft Punk, que havia começado a tocar. Era a banca preferida de Neji. Hinata imaginou se ele estava beijando Tenten no mesmo ritmo das batidas, como ela “matava baratas” com Sasuke, de um lado para o outro.

Sasuke a olhou. Ao contrário da pele, seus olhos não estavam rosados. Continuavam negros como qualquer coisa preta. Negros como um notebook. Negros como um celular desligado. Negros como grampos de cabelo. Negros e confortáveis de se olhar. Hinata ruborizou só um pouquinho mais, seu nariz tingido de vermelho rubi. Vermelho como os olhos de uma pessoa se drogando. Vermelho como o botão x de fechar o Word. Vermelho como tirar quatro numa prova.

— Por que você veio? – devolveu ele, com a mesma pergunta.

Hinata não costumava revidar ninguém e, como não revidava ninguém, também não o revidou. Respondeu como a menina boa e gentil que era. A menina que não queria estar ali. Certo, talvez só um pouquinho, agora...

— Eu pensei só em acompanhar uma amiga – disse num tom que não era baixo, nem alto, nem bonito, nem feio, nem educado, nem mal-educado, nem bom, nem ruim, nem fogo, nem gelo.

A música ia acabando, mas Sasuke não a soltou. Ele a manteve na zona do conforto, segura por alguns centímetros de seu corpo, mas ainda assim por perto. Perto o suficiente para ela quase ver um sozinho se formando naqueles lábios de cera.

— Eu pensei em dançar um pouco.

E Hinata se imaginou saindo ali sapateando. Dessa vez com Sasuke.