Alison's Body escrita por Katreem


Capítulo 2
The Day After


Notas iniciais do capítulo

Enrolei muito. Me desculpem! Mas aí está...



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Gemeu em frente ao espelho de seu banheiro, tocando de leve na gaze e chiando com a ardência do remédio. Por sua sorte, o corte não havia sido profundo, mas aquela não era a preocupação de Emily. Ligaria para o celular de Alison, mas ela havia deixado a bolsa em seu carro, e Emily olhava as fotos da garota com lágrimas embaçando sua visão. Não tinha coragem de avisar a alguém sobre o acontecido. Faziam-se exatamente quatro horas desde o desaparecimento de Alison, e aquilo perturbava sua mente de modo enlouquecedor. “Foi culpa minha. Tudo culpa minha.” Repetia em sua mente, enquanto remexia-se na cama, pensando no pior. Tudo o que ela mais queria era ver aquele sorriso maligno outra vez... Abraçar seu corpo... Beijar seus lábios doces. Fez um punhado de remédios em sua mão e engoliu todos de uma vez, forçando-se a dormir. Talvez, dormir para sempre.

Um gemido gélido cortou o sono da garota, e ela levantou tonta pelos entorpecentes. Sua vista estava embaçada, mas ela conseguia ver. Cabelos loiros apoiados sobre a pia de seu banheiro, e aquilo a livrou de qualquer tontura imediatamente. Saltou e caminhou até o banheiro, porém seus pés travaram na porta ao encarar Ali pelo espelho.

Seus olhos estavam avermelhados, como se algo ardente houvesse caído sob eles, as mãos fincadas na pia como se precisasse de controle. Encarava o espelho com um olhar desfocado, de sua boca esvaia o som mais horripilante que Emily já ouvira. Era como se duzentos pregos estivessem rasgando a garganta dela. Puxava o ar sequencialmente com dificuldade e seu queixo estava borrado por algo vermelho. Sangue.

— Ali... — Os olhos de Emily se apertaram em lágrimas e ela correu até Alison, virando-a para si. Estava em um estado deplorável, com as mãos e pés arroxeados, seu tom de pele mais branco que o normal. — O que... O que eles fizeram com você, Ali? — A loira segurou os ombros da amiga e revirou os olhos em agonia, deixando o ruído ainda mais perturbador. — Meu Deus, olha pra mim, meu amor. Olha aqui. Sou eu. Sua Emily. Eles... Te tocaram? — Disse, olhando em seus olhos e examinando-a em cada detalhe. — Por favor, me responda algo!

Alison girou o pulso em um último grito de agonia e seus joelhos tornaram-se fracos, fazendo-a cair aos braços de Emily, junto ao chão. Por mais que Emily chamasse seu nome, ela não parecia ouvir. Não parecia estar neste mundo. Parecia estar numa realidade totalmente aleatória e catatônica. Emily desistiu de tentar acordá-la quando Alison levantou-se e ajoelhou-se, apertando a própria garganta com as duas mãos.

— Você quer vomitar?

O rosto dela abaixou-se exageradamente, de modo que seu queixo tocava seu peito. Sorriu por baixo dos olhos, monstruosamente, mostrando que seus dentes também estavam sujos de sangue, e um líquido saiu de sua boca, inundando quase todo o chão e sujando o rosto e o corpo de Emily. Não havia sido vômito. Não havia sido nada que Emily já vira alguém expelir. Foi quase como um jato forte e morno, preto como graxa e viscoso. Pesado. O olhar da loira apertou-se em uma expressão melancólica e ela levantou-se, correndo e jogando-se para fora da janela. Emily queria ter ido atrás dela, queria ter lhe perguntado sobre tudo aquilo, queria cuidá-la. Mas os segundos atrás a haviam deixado completamente imóvel e histérica. Era como se o líquido houvesse criado raízes que o fincavam no chão. Se consideraria sortuda se conseguisse ao menos piscar. Estática. Era como ela se encontrava no chão daquele banheiro imundo.

***

O iPhone em cima do criado mudo despencou ao chão, depois de várias dançadas devido à vibração, e aquilo fez Emily pular assustada, procurando por Alison. O mesmo vazio que a havia posto para dormir a frustrou, e ela levantou-se desesperada ao perceber que eram quase dez da manhã. Havia perdido três aulas. Ou pior, a chance de caminhar pelo campus e perguntar se alguém havia visto Alison antes que o sinal tocasse, e cada qual se recolhesse para seus devidos cursos. Admirou suas mãos. As unhas pretas e as palmas avermelhadas como consequência do esforço que havia feito para tirar toda aquela porcaria do chão enquanto gritava no silêncio de sua angústia. Ela deveria estar em um sonho. Aquilo não era real. Concentrou-se em esvaziar a mente e por fim, mergulhou num banho frio. Vestiu suas roupas e jogou seus livros na mochila, correndo até seu andar e sala. E tamanho foi o seu susto quando viu Alison ali, sentada na cadeira junto a que Emily sempre sentava, batucando baixo com a caneta em sua mesa enquanto encarava o professor com tédio. Precisou fazer força para andar até lá.

— Sua bunda fica linda nessa calça. — Disse Ali, passando os dentes nos lábios e arrumando-se na cadeira.

Emily arrastou sua banca para junto da dela de modo discreto, correndo a mão para seu braço e o segurando, encarando-a com pura raiva. Sorte sentarem no fundo da sala.

— Você está bem? — Tentava conter a respiração descontrolada, mas o seu desespero era visível.

— Porque não estaria?

— Porque ontem à noite, você...

— Você tem uma tendência a exagerar com tudo, não é?

— Pessoas morreram, Ali! Está em todos os noticiários!

Alison remexeu sua bolsa e pegou seu gloss de framboesa, encarando Emily com admirável naturalidade enquanto o deslizava por seus lábios.

— Alguém que a gente conhecia?

— Pessoas do nosso campus!

— Azar o deles...

— Está brincando comigo?! Que porra toda foi aquela ontem?! — Sussurrava num volume discreto, porém a seriedade e o ódio como falava aumentavam seu tom.

— Foi só uma ressaca, Em.

— Ressaca?! E o que tomou para vomitar aquilo? Um tanque de petróleo? Olhe as minhas mãos! — E as mostrou, fazendo Alison revirar os olhos.

— Deveria procurar uma manicure.

— O que é que você tem?!

— O que você tem?

— Diz a verdade! — Berrou, chamando a atenção de todos, inclusive do professor, que não pareceu nada feliz com a interrupção.

— Srta. DiLaurentis e Srta. Fields, por favor, vou pedir que se retirem. Agora!

Emily empurrou a cadeira para trás com violência e sumiu porta afora, nem mesmo notando que fazia isso sozinha. A loira continuava sentada na cadeira, havia voltado a batucar com sua caneta e parecia não se importar com os olhares fixos e assustados de todos os seus colegas de classe, como se nada estivesse acontecendo.

— Não me ouviu, Alison?! Retire-se! Agora! — Repetiu o professor, com mais rispidez desta vez, esforçando-se para parecer manter alguma autoridade sob a aluna.

Os lábios dela sorriram leves e tortos, os olhos fixos no professor. Suavemente levantou-se, desfilando por entre as cadeiras e batendo os solados da bota preta contra o piso de modo intimidador.

— É isso mesmo que quer? — Seu questionamento mais pareceu uma ameaça, o mesmo sorriso debochado ainda lá. A tranquilidade e a ironia em sua voz não faziam parecer que estava sendo expulsa.

— Alison, por favor, não me faça perder mais tempo. — E virou-se de volta ao quadro, dando continuidade a sua aula. Ela assentiu com a cabeça e cantarolou um “Tá bom...” discreto e dirigiu-se ao corredor.

— Estava quase entrando atrás de você! O que houve? — Emily a abordou na porta, e Alison a fechou com cuidado, caminhando ao lado da amiga.

— Não houve nada, Em.

— Fomos expulsas de uma aula por culpa sua!

— Você que gritou.

— O que me lembra de voltar para onde estávamos. — Emily a pegou pelos braços e a jogou contra a parede, encarando seus olhos de perto. — O que você vomitou?

— Vômito? — Ironizou, deixando Emily com as veias do rosto saltadas de tanta ira.

— Pare de gracinha! Aquilo parecia um animal dilacerado misturado com graxa, e... E era preto e gosmento, e nenhum ser humano poderia vomitar aquilo!

— Devo ter inalado muita fumaça no incêndio, eu não sei... — Respondia de modo tão despreocupado, que Emily não sabia se ficava irritada ou com medo daquilo. Por mais que ela apertasse seus braços, aquilo não parecia machucar Alison.

— Sua desculpa não vai funcionar!

Alison a empurrou e arrumou suas vestes, encarando-a.

— Deveria conversar com o psicólogo do campus. — E saiu, deixando Emily outra vez sem condições de segui-la.

— Não estou maluca! — Gritou e Alison virou-se por cima de seu ombro, gritando um “Te vejo no almoço!” de longe.

E Emily sabia que não estava, por mais que a dúvida em sua própria voz deixasse isso a desejar. Havia sido real. E ela sabia disso porque havia passado a noite acordada, esfregando o cheiro de morte do chão. Respirou fundo e guardou suas mãos no bolso enquanto esperava Ali sumir entre os corredores. Feito isso, deu a volta até o seu dormitório com agilidade. Precisava conversar com alguém, e não era com o psicólogo do campus.

Suas mãos tremiam. Odiou-se por ser tão idiota. Ela estava em seu quarto, com a porta trancada. O que poderia acontecer? Tirando o fato de que sua melhor amiga que ainda amava poderia pular sua janela com a mesma facilidade da noite anterior e escutar sua conversa. Ou quem sabe, poderia até mesmo estar escondida em algum lugar e estar fazendo isso agora. Parecia estar exagerando, mas depois de sua última madrugada, não sabia mais distinguir o possível do imaginário. Era demais para processar.

Discou os números com pressa. O barulho da chamada em espera a deixava ainda mais nervosa. Porém, a voz do outro lado da linha a tranquilizou de imediato, ou ao menos o suficiente para que conseguisse falar.

— Spencer? Nossa... É bom falar com você.

— Eu digo o mesmo, Em. Como estão indo as aulas? As notas? A Ali, ela está aí?

— Eu não sei...

— O que disse? — Spencer parecia confusa. Emily respirou e sentou-se em sua cama, segurando o aparelho com as duas mãos.

— Preciso conversar com você sobre ela.

— A Ali? O que aconteceu?

— Sinceramente? Nem eu mesma sei.

— Emily, está me deixando preocupada. Diga de uma vez!

Mas ela não queria falar. Não queria assumir o quanto havia sido irresponsável levando a garota até aquele lugar mal afamado, e pior, dizer que havia a deixado sair de lá com aqueles sujeitos. Mesmo sabendo que não pôde fazer muito para impedir. Porém, o desespero lhe tomava a força do corpo e estrangulava sua garganta. Estava ficando impossível guardar aquilo sozinha. E Spencer parecia ser a única que ajudaria Emily com sensatez.

— É complicado... E estranho... A Ali está... Diferente.

— Diferente?

— Sim, nós fomos à um show e ela saiu com uns caras depois disso, contra a minha vontade. Eu tentei impedir, mas você conhece a Ali. Ela apareceu no meu banheiro depois de horas, e parecia que tinha sido espancada ou... Eu não sei. Ela vomitou uma coisa grudenta e grotesca, e era preto!

— Ela não está tomando algum desses remedinhos de mulher? Você sabe...

— Não que eu saiba, mas era diferente, Spencer! Era uma coisa... Uma coisa do mal. — Disse abaixando o tom e dando uma olhada em seu quarto, assustada com as próprias afirmações.

Spencer deu um suspiro pesado do outro lado da linha e limpou a garganta, claramente atordoada.

— Emily, você sabe, a vida de universitária, você está solitária e tem muitas confusões na sua cabeça, talvez precise ir à um médico e checar se está tudo bem com o seu...

— Spencer, eu não estou mentindo!

— Eu não estou dizendo que está! É que, Emily, Olhe o que você mesma está falando. Não está exagerando? A Ali pode ter tomado algo que ofendeu seu organismo, ou pode estar tomando alguma medicação. Checou isso?

— Não, não me passou pela cabeça.

— Porque não tenta conversar isso com ela, então? Não viaje muito.

— Não conto mentiras e não sou maluca.

— Eu não quis dizer isso. Mas é normal se sentir perturbada com sua nova vida. Costumava ser eu, Hanna, Aria, você e a Ali sempre unidas. E agora cada qual foi para o seu lado, e vocês duas tem bastante problemas de relacionamento, por mais que tenham se aproximado ultimamente. Tente descansar e sair do campus para dar uma volta. Pode estar sobrecarregada.

— Spence, era diferente. — Tentava convencer a amiga, impaciente. Apoiou as mãos na cabeça e respirou fundo, aumentando um pouco seu tom de voz. — Eu temo por ela.

— Espere um pouco antes de acreditar demais em alguma coisa. E me avise imediatamente se algo estranho acontecer por aí novamente, tudo bem? Agora tenho que ir, estou cheia de trabalhos para entregar hoje!

— Boa sorte com seus trabalhos. Até mais. — Disse desanimada, e jogou-se sobre a cama, afastando-se do telefone.

Sentia que sua tentativa de pedir ajuda havia sido em vão. Esfregou as mãos no rosto, angustiada, e encarou o teto, perguntando-se sobre as palavras de sua amiga. Estaria mesmo ela exagerando? Não, Alison sempre havia tido sua dose de maldade. Mas ela nunca aparentou ser maligna. E era essa nova impressão que ela tinha da loira que fazia seu corpo arrepiar-se em ondas de pavor de cima a baixo.

Checou seu relógio de pulso depois de horas olhando para o vazio. Almoço. Emily deveria encontrá-la, mas simplesmente não conseguia. Não tinha vontade nem coragem de tentar desvendar sozinha algo que a apavorava. Era covarde demais para isso. Talvez Pam Fields estivesse certa. Ela deveria ter ficado em Rosewood, debaixo das saias da mamãe e longe daquilo tudo. Talvez ela fosse mesmo uma fracassada, que falhou em proteger a única garota que ela amava. Seus olhos estavam vermelhos de sono mal dormido e acumulado, de preocupação. De dor. Deu a eles um pouco de descanso, e o dia emendou-se com a noite, embalando Emily num longo sonho de onde poderia voltar para a velha e boa normalidade.


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