Por Quê? escrita por Keyboom


Capítulo 1
Capítulo Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/618141/chapter/1

A qualquer um que passasse por aquela rua, interessava a presença desconcertante de um homem e uma mulher, principalmente a mulher, responsáveis por destruir a calmaria do local que costumava ser considerado de insuperável silêncio e suavidade.

Apesar de naquele momento, quem quer que a visse discordasse, a mulher era realmente bonita. Uma beleza singular, difícil de ser encontrada. A moça charmosa devia ter pouquíssimo mais que 1,60 de altura, e desses 1,60 fazia parte o que provavelmente era 70 cm de fios de cabelo, fios ondulados belíssimos e multicoloridos de tons claros e escuros de castanho, contrastando com o chamativo verde de seus olhos. Uma beleza do tipo que se observa de longe, uma beleza pura e inocente. Mas, também, uma beleza deturpada pelas lágrimas que rolavam por sua face, pela vermelhidão de seu rosto e pela postura cansada e desolada.

Os que acabavam de chegar perguntavam aos outros o que fazia a moça chorar tanto e correr sem rumo pela rua, mas pouquíssimos sabiam responder com exatidão. Alguns até cogitavam que era louca. E era perfeitamente adequado imaginar que pelo menos uma pessoa acabaria cogitando isto, afinal, a loucura é a doença do século 21. Tudo se enquadra na loucura. No entanto, apenas uma pessoa se aproximou da realidade, e explicou que a jovem não corria sem rumo, como pensavam. A corrida era em direção a um homem. De inicio, ninguém foi capaz de encontrar o tal, crendo que a coitada da mulher que ousou explicar era, também, louca. Mas um pouco mais distante, próximo à praça, avistou-se um homem alto e em total oposição a mulher que lhe perseguia, cerca de 20 cm a mais que a moça chorosa, extremamente comum, com cabelos pretos curtos e barba preta no mesmo estado, vestindo uma camisa branca junto a uma bermuda bege. Na plateia improvisada que se formou, correram murmúrios de que a moça dos olhos verdes tinha um péssimo gosto, e aquele homem era tão padrão quanto o sistema burocrático sob o qual viviam.

A multidão parecia prestes a fazer apostas. Estavam completamente divididos em opiniões sobre o futuro: iria a moça alcançar o rapaz comum? Que tipo de assunto tinham a tratar? E à medida que a curiosidade crescia, caminhavam em direção ao possível casal vagarosamente, com intenção de captar todo o acontecimento para uso futuro em suas rodas de fofoca pessoais. E os murmúrios não cessavam, pelo contrário, pareciam aumentar a cada segundo. Pelo menos até que um dos lados dos apostadores venceu: a moça realmente alcançou o rapaz.

E, ao finalmente alcançá-lo, seus olhos assumiram uma postura entreaberta e sua mão esquerda deslizou até sua camisa, segurando-a com força. Mas naquele momento a surpresa de ter conseguido chegar até ele era tanta que a jovem mulher sequer sabia o que tinha a dizer, a perguntar, a exigir saber. Mas as lágrimas ainda rolavam. Lágrimas de amor, de ódio, de confusão. Lágrimas.

Então, após segurá-lo pela camisa e sentir parar, gritou, com melancolia em sua voz:
 — Por quê? Por que depois de tudo que passamos, de tudo que sentimos, por que me deixou? Por que, após todos “eu te amo” mútuos e verdadeiros, me deixou? O que há com você? Olhe na minha face!

Recusando-se, o rapaz manteve sua impecável postura e, sem se virar, respondeu:
 — Porque sim. Porque eu sou mau, porque eu não me importo com você, nunca me importei. Sequer gosto de você! Por favor, me deixe em paz. Considere-me o monstro debaixo de sua cama.

As palavras dele chocaram-na, que imediatamente largou sua camisa e deu alguns passos para trás. O que seu amado havia se tornado? Quem era aquele? Por que seu peito doía tanto? Seu cérebro a dizia que havia se apaixonado pela pessoa errada, por alguém com menos capacidade de amar do que ela. Mas seu coração, seu coração dizia que algo estava errado. Seu coração dizia ter certeza que havia se apaixonado por alguém com a mesma capacidade de amar. Agora parar de chorar parecia um desafio. Sentia-se numa bolha que acabara de ser estourada, e prestes a iniciar uma queda livre. Mas, com o estourar dessa bolha que notou, pela primeira vez, a multidão que havia se formado. As pessoas gritavam, esbravejavam, e naquele momento ela era incapaz de entender o que falavam. Só o que havia se tornado visível era a vergonha. A vergonha de seus atos, do que estava acontecendo. A ansiedade social voltava à tona. Ela imaginava que talvez tivesse acabado, mas estava enganada. Tudo aquilo, toda aquela atenção a deixava em desespero. Ela nunca soube como lidar com aquilo. A fobia social a acompanhava desde pequena, e nunca soube como realmente lidar com aquilo. Ao menos era o que pensava até seu coração adotar um ritmo incomum, como se quisesse dizer algo.

E, realmente, queria. O coração queria lhe dizer mil coisas, mas apenas a uma ela deu ouvidos. E isto fez com que se lembrasse. Lembrasse que era ele que fazia com que se sentisse segura. Protegida. Intocável. Ele a tornava corajosa, e por isso ele era parte dela. Mas, então, por que? Só isso que queria saber. Por quê?

Hesitou. Hesitou, mas finalmente correu, mais uma vez, em direção a seu amado. Desta vez, de olhos fechados, o agarrou pelo braço direito e puxou, com força, antes de notar que agora ele a olhava, e finalmente, ao abrir os olhos, se entreolhavam. Mas o rosto que enxergou não era o que costumava ver. Não era apenas o rosto de seu amado. Era o rosto molhado de seu amado. Lavado por lágrimas, lágrimas estas que escorriam por suas olheiras profundas, outrora invisíveis, desciam por suas bochechas, mergulhavam em sua barba e na queda de seu queixo convergiam num ponto no chão.

O que realmente acontecia? Assustada, o abraçou. Gastou todas suas forças naquele abraço. E sem largá-lo, murmurou:
 — Mas… Por quê?

Tentando parar de chorar, sem sucesso, ele respondeu, sentando-se na calçada:
 — Porque eu te machuco. Eu trago dor para seu coração. E eu não posso permitir isso. Porque eu te amo. E por te amar tanto, não posso ficar com você.

As reações da moça eram adversas. Não sabia se deveria rir da bobagem que escutou, xingá-lo ou ignorar e sair andando. Por fim, jogando-se em cima dele, disse:
 — Se eu não te amasse tanto… Eu juro que te matava. Então, por favor, pare com suas besteiras.

Ao vê-la, pela primeira vez no dia, com um sorriso no rosto, decidiu-se. Selando seu amor, provando sua paixão, expondo a verdade, a beijou.
E nisto, o coração da moça se provou errado. Ela definitivamente não se apaixonou por alguém tão capaz de amar quanto ela. Ela se apaixonou por alguém ainda mais capaz.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Por Quê?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.