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Capítulo 3
Capítulo 2 — Galeno Withlock


Notas iniciais do capítulo

Olá!



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Enzo não tentou se acalmar nem por um minuto, a fúria guardada em seu peito rugia e ardia sem parar. Sua mente estava afogada em pensamentos loucos; Anonimato segurava a cabeça com as mãos apertadas, fincando suas unhas grossas em sua própria pele fazendo alguns fios de sangue surgirem. Ouvia gritos em sua própria mente e os reproduzia. Falas e depois murmúrios, e gargalhadas malignas.

— Malditos.

A voz de Enzo estava por um fio. Ele arrastou as duas grossas mãos pela escrivaninha do computador e derrubou tudo que estava ali, jogou a cadeira de madeira contra a parede fazendo um buraco nela e despedaçando a cadeira em três grandes blocos de madeira. Agarrou as garrafas de bebida da mãe, e as jogou na parede, em meio a berros e xingamentos aleatórios sem sentido. Quebrou todas as garrafas, e ficou caminhando sobre os cacos como se não sentisse dor, o sangue de seus pés se misturou com a bebida derramada, criando uma poça de álcool sangrenta.

Correu até a cozinha e agarrou duas longas facas, as raspou pelas paredes até chegar aos quadros velhos da sala, os rasgou com as lâminas afiadas e depois jogou as facas em direção ao lustre de cristal antigo. Enzo começou a chorar de ódio, seus berros ficavam altos. Gritos loucos e ensurdecedores tocavam na mente de Anonimato, dizendo para ele o quão sua escrita era horrível, o quão sua história era horrível, o quão seus personagens eram desprezíveis. Um grande eco se alastrava pelos seus tímpanos. Sua cabeça estava latejando mais que o normal, a veia de sua testa estava mais excedida, e suas pupilas mais dilatadas.

Enzo costumava surtar, principalmente quando estava sobre os efeitos. Mas nada nunca foi tão profundo como neste dia. Então ele se lembrou de detalhes um dos seus dias anteriores... Ah, o garoto.

— Moleque infeliz! — o homem louco gritou, soqueando a parede.

Então ele pensou em seu vilão.

— Não! — mais um berro louco oriundo da boca de Enzo. — Galeno não é desprezível! Ele é um Deus, um homem poderoso, um homem mal, um homem grande! Ele não precisa de ninguém! Nem Deus é maior que Galeno! O Inferno estremece ao ouvir seu nome!

Anonimato gritava o nome de Galeno Withlock. Esse era o personagem principal de sua história, o grande vilão que assassinava brutalmente suas vítimas, que deixava seu sangue espalhado pelo chão e carbonizava seus corpos até virarem cinzas. Um grande assassino que teve a mente perturbada por acontecimentos trágicos em sua vida que antes foi perfeita.

— Galeno! — Enzo o clamou. — Se ele viesse, mataria todos! Sim, sim. Isso! Galeno vai matá-los! Ele vai... Ele vai...

A voz de Anonimato sumiu, suas mãos estavam tremendo. Seus olhos esbugalhados, seus lábios esbranquiçados. Ele perdera a razão. Apenas fiapos de voz saíam de sua boca. Enzo se ajoelhou no meio da sala, com os joelhos em cacos de vidro, olhando para toda a loucura que fizera; todas as coisas quebradas e seu próprio sangue no chão. Enzo sorriu débil, rindo, ele amava o caos.

— Galeno! — repetiu, em gritos, olhando para cima com a boca aberta. — Ele vai perseguir esses leitores fantasmas filhos do inferno! Que ousam ler minha obra prima e ignorá-la! Galeno fincará facas em sua garganta, giletes em seu estômago e vai esmagar os olhos, e quebrar seus pescoços! Galeno vive! E vai matar todos! Todos! E a culpa será a mais deliciosa vingança que eu terei contra aquele que me desafiou!

Anonimato voltou a rir alto. Sua cabeça doía, latejava como seu tivesse alguém martelando seu crânio. Sua pele vermelha, suas veias excedidas, seus olhos esbugalhados, falta de ar por uns instantes. Enzo estava na mesma posição de sua mãe quando ela morreu naquela mesma sala. Por um segundo ele pensou que fosse sua hora de partir como Ametista havia partido. Mas, então, a porta de entrada da casa foi arrombada. Enzo olhou para quem estava na soleira, um homem alto de fardas negras com uma arma na cintura.

— Quem é você?! — Enzo gritou com o homem. — Saia da minha casa

O policial negou de leve, e mais outros dois apareceram atrás dele. Os três seguiram em direção a Enzo, que se levantou rapidamente e começou a andar para trás, até esbarrar numa poltrona e cair de bunda no chão. Dois dos policiais seguraram os braços e o terceiro as pernas, e carregaram o louco para fora.

— Me larguem!

Enzo berrava e se contorcia nas mãos nos policiais, ao chegar do lado de fora, foi jogado no banco de trás da viatura, e ficou batendo no vidro da janela, com as mãos ensanguentadas, gritando. Sua cabeça ainda doía, estava enfraquecendo, começou a sentir uma grande exaustão. Flashes de memória apareciam em sua mente, confundindo-o. Agora ele estava calado. Recordando-se do que fez em casa, das coisas que ele quebrou, do sangue no chão, das bebidas derramadas. E depois a figura de outra pessoa, e de repente sentiu mais raiva ainda, mas estava cansado demais. Adormeceu, desejando uma boa xícara de café forte.

Do lado de fora da viatura estava Sarah James. Ela conversava com um dos policiais dizendo que há anos Enzo os assustava com surtos psicóticos, e que naquele dia, tinha sido o pico.

(...)

Enzo acordou com a cabeça doendo, e com o corpo dolorido. Ele estava numa cela isolada, olhou para cima e viu a janela quadrada refletindo um pouco do pôr do sol. O escritor imaginou há quanto tempo estava ali, não poderia ser muito considerando que ainda estava sentindo as dores do pósefeito.

— Ele está acordado.

Enzo ouviu uma voz grossa falando e abriu os olhos, o homem estava do outro lado das grades. Após o depoimento de Sarah James à polícia e a avaliação do comportamento de Enzo quando foi pego, a polícia do Condado de Madrin tomou o caso como situação psicológica.

Dois homens entraram, um estava com uma longa seringa nas mãos e o outro com uma camisa de força. Não deu tempo sequer de Enzo contestar, o sedaram rapidamente e o vestiram na camisa de força, em seguida o carregaram para o lado de fora da cela. Enzo estava sendo encaminhado para uma clínica psiquiátrica no centro da cidade, a Westin Hills.

(...)

Suas pálpebras fechadas tremiam, seus cílios roçavam devagar. Por uns instantes, sentiu uma pontada forte na cabeça, tentou levar suas mãos até ela, mas enfim percebeu que estava imobilizado. Enzo abriu os olhos com dificuldade, a luz o incomodou brevemente. Demorou alguns segundos para perceber que estava numa maca de hospital, envolvido por uma camisa de força. Ainda sob os efeitos do sedativo, Enzo sequer se moveu, apenas sentiu a maca se movimentando, saindo da ambulância, sendo empurrado em direção a uma grande porta dupla, com um letreiro médio iluminado com as palavras: Clínica Psiquiátrica de Westin Hills.

O escritor fechou os olhos, cedendo ao sono. Quando acordou, estava num quarto gelado, trancado e silencioso. Já sentia as forças ressurgindo vagarosamente, fazia horas que estava sem seu efeito, e sem seu poderoso café. Pequenas turvas memórias atravessaram a mente de Enzo, ele berrou alto em ódio.

Leitores fantasmas. Galeno Withlock. O menino.

Leitores fantasmas. Galeno Withlock. O menino.

Leitores fantasmas. Galeno Withlock. O menino.

O menino... O menino... Galeno... Fantasmas...

Essas três coisas rondavam o pensamento de Enzo sem parar. E continuou assim pelas próximas quatro semanas que se seguiram dentro daquele quarto; dentro daquela clínica.

**

O sinal marcando o fim da aula de Soul e Alice já havia tocado há trinta minutos, ambos estavam no pátio do colégio, pouco cheio, sentados lado a lado num banco de madeira. Alice estava mexendo em seu celular e Soul lia uma revista sobre política ou algo similar, esperando impacientemente Lydia sair de sua aula de química.

— Por que a gente não pode, simplesmente, largar a Lydia aí? — Alice reclamou pela sétima vez naquela manhã, jogando o celular na bolsa. — Ela é bem grandinha, sabe o caminho de casa sozinha.

Soul revirou os olhos por trás da revista e a baixou.

— Alice, pra quê tanta pressa? — ele enrolou a revista e a enfiou na bolsa que estava sobre o seu colo. — O máximo que você tem pra fazer em casa é lavar a louça.

— Hoje é o seu dia de lavar a louça! Argh! — a menina resmungou cruzando os braços. — Quero chegar logo em casa e ver se Anonimato atualizou Cemitério das Cinzas.

Já fazia semanas, um mês exatamente, que Anonimato havia sumido. Um mês sem capítulos, um mês desaparecido do Dark Side Home, e isso foi o suficiente para Alice se desesperar.

— Eu acho que ele parou de escrever, Alice. — Soul falou meio baixo, olhando os próprios pés, parecia quase comovido. Na verdade, ele tinha medo da reação da irmã.

Alice enterrou o rosto delicado nas mãos finas, fazendo um barulho de choro.

— Por que ele teria parado? Ele era incrível. A história era ótima. Ele... — Alice não tinha mais o que dizer, ficava procurando as palavras no ar, mas elas não apareciam. — Bom, pode ser ela também, certo? Anonimato é um substantivo sobrecomum, então pode ser uma mulher! Ah, não importa, estou com saudades!

Soul deu risada e abraçou a irmã de lado.

— As coisas são assim, Alice. Elas vêm e vão, temos que agradecer por terem existido, não é? — ele esboçou um leve e raro sorriso. — Não fique triste, acharemos uma história nova.

Alice fungou baixinho, sem chorar, depois soltou uma exclamação.

— E se ele estiver... Ah que horror... — Alice pôs as mãos em seu rosto, arregalou os olhos e olhou o irmão. — E se ele estiver morto, Soul?

O estômago do rapaz gelou, os lábios ressecaram junto com a garganta e ele ficou levemente mais pálido, mas depois de poucos segundos, Soul passou a mão pelo rosto, parando nos cabelos bagunçados, e umedeceu os lábios. Voltou a olhar a irmã.

— Está tudo bem com ele. Tenho certeza que está tudo bem. Já, já tudo volta...

Soul foi interrompido pelo volume alto do sinal que anunciou o fim da aula de química. Alice deu um salto de susto e pôs a mão no peito, ficou um tanto ofegante por alguns segundos, mas seu semblante se tornou menos infeliz quando viu Lydia caminhando até eles, sacudindo levemente o cabelo e apoiando a mochila em seu ombro, dando a Alice a alegria de ir embora.

— Oi, gente...

— Não queremos saber, podemos ir agora? — Alice ajeitou a mochila nas costas e apontou para o portão de saída. — Estou com fome.

Soul se levantou, cruzando a mochila no peito, olhando Alice.

— Vamos logo. — ele resmungou, indo em direção ao portão.

Lydia bufou, ajeitou a bolsa no ombro esquerdo e seguiu Soul, Alice foi atrás dos dois, mas logo acompanhou seus passos e agora andavam lado a lado quando finalmente cruzaram o portão, onde já havia uma multidão de alunos, os do período da manhã saindo e os do período da tarde entrando. Passaram pela aglomeração e seguiram, enfim, pra casa, numa calçada vazia e silenciosa.

Detrás de uma das casas, havia uma figura estranha. Ela observava os três adolescentes furtivamente, enquanto eles caminhavam sozinhos pela calçada comprida. A figura saltou detrás da casa, com um sorriso escárnio, e caminhou em direção às crianças.

A figura estranha era um homem. Alto, de cabelos escuros e compridos – modelados em um corte malfeito – até os ombros. Tinha um bigode não muito grosso, que acompanhava uma barba rala pelo queixo quadrado, sobrancelhas grossas, quase monocelhas. O homem usava vestes pretas compridas, que arrastavam no chão e escondiam as longas botas negras. O homem estranho tinha olhos muito vermelhos – quase cor de sangue –, e também tinha uma cicatriz em forma de N no queixo, e havia outra marca curvilínea que atravessava a sobrancelha direita, e por fim, tinha seus dentes amarelados que deixavam seu sorriso sujo.

— Lydia, Alice, Soul.

Sua voz era rouca e quase inaudível. Ele passou os olhos pelos três adolescentes, e parou um pouco mais demoradamente em Soul, mas logo desviou o olhar. Na hora em que a figura se pronunciou, Lydia agarrou a mão de Alice com medo.

— Nós o conhecemos? — Alice se atreveu a perguntar, em um tom destemido embora ela estivesse com arrepios no corpo inteiro.

O homem soltou uma risada debochada, alisando a barba rala.

— Responda. — Soul insistiu, olhando intrigadamente para o homem. — Nós o conhecemos?

A figura deu três passos para frente, aproximando-se mais deles.

— Oh, crianças — ele riu, abrindo os braços como se esperasse um abraço. — Sou eu, Galeno.

Lydia apertou mais forte a mão de Alice, que olhava Galeno com uma leve curiosidade e descrença, enquanto Soul observava o homem com seriedade.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada por vir até aqui ♥