Todos os dias, eu via aquela garota passar pela confeitaria. Ela deveria ter uns 15, 16 anos. Nunca tive a coragem de perguntar. Algo nela me intimidava; não sei se fosse como era bonita. Me fazia sentir como se eu não fosse nada demais. Talvez fosse sua voz, que eu ouvia sempre que podia. Ela quase sempre passava cantando a mesma música, What a Wonderful World. Foi ouvindo-a que aprendi a letra, e sempre cantava para mim mesma, imaginando se, um dia, eu poderia ter a coragem de cantar pra ela.

Ela sempre andava encurvada, com uma mochila nas costas e uma sacola de papel nos braços. A sacola era para carregar pão. “O meu pão.” Eu pensava, me lembrando de que era eu quem os assava, pincelava com a gema para que ficassem dourados, tão dourados quanto as sardas em seu rosto. Me mantive otimista, e sempre que a ouvia chegando, começava a cantar com ela. Não sabia o significado das palavras da música, mas sabia que era bonita. Tão bonita quanto a garota.

Aprendi seu nome quando ouvi minha mãe soletrá-lo em sílabas para escrever um bilhete: Au-tumn. O outono não era minha estação favorita antes, mas a partir daquele momento, eu decidi que seria. Decidi que tomaria coragem, e um dia, ao menos diria um oi. Não alimentava esperanças de que ela prestaria atenção em mim, uma garota pequena e comum, com cabelos escuros e escorridos, olhos da mesma cor escura que tinham os pãezinhos que queimavam no forno. Não chegava aos pés dela: ruiva, de olhos grandes e azuis, que me faziam viajar na minha imaginação, e visualizar todos os mares, lagos, céus, todas as coisas azuis que eu podia.

Continuei a procrastinar a respeito do momento por muito, muito tempo. “Amanhã.” Eu pensava, mas o amanhã não chegava nunca. Tentei continuar com isso por muito tempo, para sempre até. Não consegui: minha mãe anunciou uma mudança de bairro no meu décimo sexto aniversário. Só tinha mais uma semana, e não me sentia pronta pra isso. Nunca me sentiria pronta para encarar um adversário tão grande assim, minha ansiedade. Passei meus últimos dias adiando em frente ao forno que refletia meu rosto, repetindo o mesmo ‘Oi, Autumn’ Inúmeras vezes. Claro, os pães quentinhos eram deliciosos, mas não podiam me ajudar nesses momentos.

Chegou o dia: Uma quinta-feira qualquer, eu me mudaria à noite, e ela já estava a caminho. Dessa vez, não cantava a mesma música de sempre: cantava Somewhere Over The Rainbow. “Talvez esse lugar além do arco-íris não tenha nervosismo..” pensei, e suspirei fundo. Tentei me olhar no forno, e dar uma arrumada no cabelo, mas não adiantava. Como sempre, ele nunca ficava no lugar. Teria de ser assim: eu, sem-graça como sempre, e ela, linda e única, sem comparação. Já deveria ter me acostumado, mas não conseguia. Saí pelo arco da entrada, e parei em frente à ela: usava um vestido amarelo, longo, e o cabelo em uma trança comprida, deixando o rosto à mostra. Eu ainda usava o suéter cor-de-vinho da minha mãe, e engoli em seco. Ouvi chamarem meu nome, mas ignorei.

“Olá, Autumn.” Eu disse, encarando o chão. Ela sorriu, e acenou. Corei.

“Olá, Connie.” Respondeu, e eu ergui a cabeça imediatamente.

“C-como sabe meu nome?” perguntei, e juro que a vi corar.

“Eu..sei mais sobre você do que deve pensar.” Murmurou, e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, minha mãe me puxou pra fora da padaria.

“Adeus, Autumn..”

“Até logo, Connie.”