vozes no poço escrita por Aphrodite Laclair


Capítulo 1
E então é uma canção de adeus


Notas iniciais do capítulo

olá, bros. essa fic foi escrita para o terceiro chall relâmpago da tl (cujo tema era Angst Today, Angst Tomorrow, Angst Forever), onde prompts foram sorteados e eu, amaldiçoadíssima, peguei "one half of your otp is a disembodied artificial intelligence". realmente não está fácil pra ninguém



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vozes no poço

(ou você consegue ouvir esses sussurros? é o lamento das pessoas que se afogaram nesse poço, sempre por amor)

“Ele disse que eu não sei mais o que estou fazendo” Nico diz para a máquina, que se contenta em soltar um ruído de deboche. “Eu disse então que ele é um idiota”

“Você quer mesmo minha opinião nesse assunto?” a máquina responde, profundamente desinteressada. Está claro que ela tem uma opinião muito bem formada, obrigada, sobre toda a situação, mas não irá compartilhá-la. Não sem insistência. Nico, que a conhece bem, revira os olhos, muito cansado para todo aquele teatro — em qualquer outro dia ele se deixaria envolver naquela teia de bom grado, mas não naquela noite. Não depois de tudo.

“Afrodite” Nico diz, num tom vago. Um aviso? Um pedido?

Mas será que interessa mesmo? Nico de vê confrontado com a verdade desagradável quando Afrodite não responde. A máquina se desligou.

Ele permanece toda, toda a noite esperando que ela volte para se desculpar.

Ela não volta.

“A verdade, cara” Aiolia começa, terceiro copo de cerveja firme entre seus dedos, sem perceber que Shura vira discretas quantidades de água em meio ao líquido amarelo sempre que ele se distrai. “é que eu e— bom, eu e os outros caras, certo? nós estamos preocupados. Parece que voce está—”

“O que Aiolia quer dizer” Shaka interrompe, profunda paciência irritante em sua voz, e Nico mais do que nunca se vê imerso em vontade de enchê-lo de socos. “é que nós estamos… bom, digamos que receosos, com o modo como você anda se comportando”

“O modo como eu ando vivendo a minha vida, vocês querem dizer? A vida que não é da conta de vocês?”

“Não seja tão passivo-agressivo, Nico” Mu responde, completamente passivo-agressivo. “Nós só estamos tentando te ajudar”

“Então parem” [longo, longo silêncio] “Eu não preciso da ajuda de vocês”

“Eu disse que não precisava da ajuda de nenhum deles” Nico diz para a máquina desligada. “E desde então não atendi as ligações de ninguém”

[pausa]

“Será que eu sei mesmo o que estou fazendo, Afrodite?”

[uma janela bate em algum cômodo distante, e nico se levanta para checar. na sala de estar, a máquina liga, cada um de seus circuitos e articulações de mentira voltando a vida num processo silencioso. quando viva, ela contempla — vê o futuro de uma forma que jamais seria permitida para humano nenhum. ela não é humana, entretanto. pelo menos, não o suficiente

quando nico volta ela não está mais ali]

“A questão é que eu me sinto muito sozinho às vezes” Nico diz e então soluça. Começa a rir histericamente, antes de voltar ao silêncio tão rápido quanto o quebrou. Há muitas garrafas vazias por ali. Se Afrodite sentisse cheiros, tem certeza que não aguentaria. Como é só uma máquina — só uma máquina — não importa realmente.

“É da natureza humana” Afrodite responde, quietamente.

“Você se sente sozinha, Afrodite?”

“Eu não sou gente”

“Mas você se sente?”

[pausa] “Não”

[sim, sim, sim, sim

simsimsim]

“Nunca?”

“Eu não sou gente, Nico”

“Camus vai se casar” Nico anuncia, despretensiosamente. Por milagre, Afrodite estava ligada quando chegou. Ultimamente, foge dele com mais determinação do que o diabo foge da cruz. Ele não sabe por quê — e, honestamente, desistiu de querer saber.

“Com Milo?”

“Não. Com outro”

“Quem?”

“Não sei”

“Quando eles terminaram?”

“Ninguém sabe”

“Mas eles eram feitos um para o outro!”

“Acontece”

[a gente era feito um pro outro também, afrodite. mas você nunca quis ver]

“Ela não quer mais falar comigo” Nico resmunga, girando a bebida no copo. É gim, puro, e reflete a luz da lâmpada fluorescente neon do teto do bar vazio.

“Ela nunca quis falar com você, para começo de conversa” Mu responde, despreocupadamente, olhos firmes na silhueta de Shaka do outro lado do vidro. Ele está esperando no carro, porque Mu jurou a ele que não iria demorar. Agora apenas se pergunta quando se tornou tão mentiroso, e em coisas tão ridiculamente banais.

“Ela quis!” Nico insiste, na determinação insistente e espiral dos bêbados sem dignidade. “Ela quis… Antes… Ela só não quer mais”

“Bom, então você tem de deixá-la ir, não é?”

“Ela não quer embora”

“Você nunca perguntou, Nico”

[silêncio]

“Eu a conheço, Mu, e ela não quer ir embora”

[do lado de fora, shaka dá a partida no carro e some na esquina escura. mu observa sem dizer nada, sorriso melancólico deslizando no canto de seus lábios]

“Você me ama” Não é uma pergunta, então Nico não responde. Aguarda, tenso e tonto de expectativas construídas e sedimentadas na incerteza da afeição da máquina. “Você me ama” ela repete, e Nico, vulnerável na sua posição no meio da sala, meio bêbado, cheirando a rua e noite, começa a se perguntar o que Afrodite pretende. A conclusão é nada, é claro. Afrodite está apenas muito satisfeita com seus próprios jogos e diversões particulares para refletir sobre os sentimentos de qualquer outro.

“O que você quer?” ele finalmente pergunta, depois de cinco minutos de silêncio pesado de amargor.

“Nada. Eu só queria ter certeza”

“Do quê?” Nico diz, agressivamente, e se não fosse o desgosto em sua voz — se aquela não fosse a sua voz — ele jamais teria acreditado que havia sido ele mesmo que tinha dito aquilo. Tão cansado. Tão exausto.

“De que valeu a pena tudo que eu fiz”

[e então as luzes se apagam e ela vai dormir]

Para as pessoas o tempo sempre é o de gente, enquanto que para as máquinas o tempo é o de deus. Afrodite passa longas semanas imersa num sono mais pesado que a própria morte — e, de certa forma, isso é verdade, porque no seu posto de máquina, é a morte que a aguarda sempre que vai dormir. E, quando acorda, ela vive, e é no ciclo de renascimento que Afrodite sempre prevê o fim. E os começos.

Há algo de profundamente solitário em saber o início e o final de tudo que pode talvez vir a existir.

“E então eu disse a ela” Nico resmunga para Aiolia, que ouve atentamente. “eu disse a ela Afrodite, eu não aguento mais. Eu disse desse jeito: Afrodite, eu não aguento mais”

“E ela?” Aiolia é ansiedade. “E ela, Nico?”

“Ela disse” suspiro, pausa. “ela disse eu sei”

“E então?”

“E então eu não sei”

“Ela foi embora?”

“Ela foi dormir”

“E quando ela acorda?”

[longa pausa]

“Eu não sei, Aiolia”

[ela não acorda nunca mais]


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