She escrita por Clarinha


Capítulo 1
Capítulo 1




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Eu a olhava de longe. Via-a brincar com suas amigas, rindo como sempre fazia. Ela feliz. Seu sorriso era encantador e a forma que seus longos cabelos negros cheio de ondas balançavam quando ela se mexia me hipnotizava. Eu suspirei quando ela se afastou, as amigas dela a puxando para algum lugar. Meu amigo se sentou ao meu lado seguindo meu olhar e vendo-as rindo enquanto se afastavam. Ele olhou pra mim e suspirou.

- Você deveria esquece-la. - eu o olhei como se houvesse nascido mais uma cabeça ao lado da sua.

- Eu não consigo, você sabe disso.

Ele sorriu tristemente pra mim. Ele se levantou e me chamou pra ir comer alguma coisa na cantina. Fomos conversando até lá e ele vez ou outra parava para olhar melhor alguma menina. Ação que me fazia apenas rolar os olhos e o puxar comigo para andarmos o resto do caminho. Meu amigo era um idiota movido a testosterona. No auge dos seus dezessete anos não perdia a oportunidade de fazer uma piada de duplo sentido.

Comemos como mortos de fome em meio a brincadeiras de nossos amigos, um mais idiota que o outro. Brincamos e eu tive que aturar eles dando em cima de meninas diferentes enquanto me chamavam de viado. Eu apenas balançava a cabeça e enfiava mais alguma coisa na boca. Engraçado como o tempo passava rápido quando estávamos fazendo alguma coisa e logo o sinal anunciando o fim do recreio soou.

Os diversos adolescentes espalhados indo para suas salas faziam uma barulheira atordoante. Eu e Renan, meu melhor amigo, fazíamos parte da multidão que ia para as salas de aula onde eu sofreria por mais algumas horas. Nós ainda estávamos conversando quando chegamos a sala e nos escoramos preguiçosamente no espaço de parede ao lado da porta ainda conversamos. Alguns amigos e amigas vieram conversar com a gente enquanto apenas esperávamos a maldita professora de física.

Ela chegou antes que as amigas. Sua risada de sino ecoando perto de mim me fez refletir que ela deveria ser muito feliz, pois estava sempre rindo. Eu não podia reclamar exatamente, eu adorava vê-la sorrir. Suas duas melhores amigas também riam, mas eu quase não as ouvia. Quando ela passou pela porta eu instintivamente fechei os olhos, seu perfume me atingindo diretamente. Era bom, lembrava um jardim muito florido na primavera.

Renan me cutucou repetidas vezes até que eu abrisse os olhos, o olhando com certa raiva. Dei um empurrão em seu ombro, mas ele apenas riu. Quando a professora chegou entramos conversando e nos sentamos em nossas carteiras bem no fundo da sala. Eu procurava prestar atenção na aula, mas vez por outra me distraía desenhando alguma coisa no meu caderno.

Quando a aula acabou e a professora saiu da sala eu olhei para o meu amigo, querendo saber sobre sua opinião para um desenho apenas para ver que ele estava em sono profundo. Peguei meu caderno e o bati com ele na sua cabeça. Ele acordou assustado e eu apenas ri. Depois de muito me xingar, de quase ganhar uma ocorrência e de me socar no ombro ele apenas deitou sobre o braço de novo e dormiu. Eu ri, mas me senti sendo observado.

Clarisse era uma daquelas meninas super populares e que ficava com todos os garotos “decentes” da escola. Já havia ficado com Renan várias vezes e ele era louco com ela até descobrir Thalita, uma menina loira de olhos verdes clarinhos. Os cabelos dela eram cheios e cacheados, completamente o oposto de Clarisse (que possuía um corpo perfeito e cabelos muito escuros lisos) já que seu corpo era pequenininho e suas curvas quase infantis. Clarisse me olhava e sorria. Eu apenas desviei o olhar dela, constrangido e tornei a escrever a matéria no caderno.

Quando a aula acabou eu juntei meus materiais depressa e saí da sala. Renan já havia parado de babar na carteira e nós nos despedimos na porta, ele entrando na van enquanto eu me escorava no muro da escola. Esperando ela sair. Quando ela passou por mim esperei apenas alguns instantes antes de ir embora. Ela ia pra casa sozinha e morava na minha rua.

Quando a avistei, ela já havia colocado os fones como sempre fazia e dançava no meio da rua, sem se importar com o que os outros poderiam pensar. Eu amava isso nela, o fato de não ligar pra opinião alheia e estar sempre de bem com a vida. Gostava de sorrir e fazer piadas, gostava de agradar todos que passavam...

Suspirei. Renan estava certo, eu deveria tentar esquecê-la. Tentar de novo pelo menos. Procurá-la em todo o canto não é um hábito saudável. Mas eu não podia evitar. A casa dela era antes da minha. Observei-a entrar e sumir dentro da casa azul. Caminhei mais um pouco até chegar em casa. Minha casa era simples, pintada de um tom clarinho de verde. “O verde traz esperança” era o que minha mãe dizia quando perguntavam por que ela trocou o ‘lindo tom de azul’ que tinha antes. Eu gostava da cor da casa.

Entrei devagar, tentando não fazer barulho. Fui andando até o meu quarto, ouvindo minha mãe cantando na cozinha, ouvindo uma rádio qualquer. Meu quarto tinha as paredes todas brancas, mas uma delas coberta de desenhos (coloridos ou não). Minha cama de casal coberta por uma colcha xadrez preta e cinza, meu guarda-roupa preto e uma escrivaninha branca completavam o quarto. Joguei a mochila na cadeira giratória vermelha da escrivaninha e me joguei na cama, tirando os tênis.

Peguei o meu cubo mágico na escrivaninha e quase inconscientemente passei a testar combinações. Até que minha mãe acabasse o almoço e me chamasse eu já havia quase concluído o cubo. Normal pra alguém que faz isso todos os dias. Minha mãe me esperava já sentada a mesa. Seus cabelos longos ondulados do mesmo tom escuro que os meus presos por uma bandana. Seus olhos castanhos mostravam cansaço, mas ela sorriu.

Comemos em silêncio a comida que ela preparou. Quando acabamos levei minhas coisas até a pia e lavei o que tinha usado. Ela me fez algumas perguntas sobre a escola e eu as respondi rápido, tornando a ir para meu quarto. Sentei-me na escrivaninha e fiz tudo referente a escola bem rápido, querendo me livrar daquilo o quanto antes.

Quando acabei já era perto das três horas. Calcei meu tênis e peguei minha câmera fotográfica preferida na prateleira, indo para rua. O bairro que morávamos era residencial. Sossegado e verde. Muito verde. O parque não ficava muito longe de casa e eu sabia que ela estaria lá.

Fui tirando fotos pelo caminho. Do céu, das árvores, das pessoas. Dos cachorros carentes e sujos e das flores delicadas e cheirosas. O parque, como sempre, estava cheio de crianças. Algumas de bicicleta, outras de patins, algumas com cachorros, andando com os pais. E ela.

Todas (ou quase todas) as tardes ela trazia a irmã pequena para brincar. A menina fofa de cabelos cor de mel tinha por volta de 5 anos e não se parecia muito com a irmã.

A garota que fazia com que eu fosse ao parque todos os dias para vê-la sempre ficava perto dos brinquedos das crianças, sentada em bancos de madeira. O que ela escolhera hoje tinha as costas voltadas para um jardim de flores do campo. A cada dia um livro novo estava em suas mãos e ela os lia com um sorriso pequeno.

Fotografei as crianças brincando antes de ir ao meu objetivo. Fotografei-a de vários ângulos, gostando da iluminação e do lugar em que ela estava. Entretive-me tirando as fotos até que em uma delas os lindos olhos verdes fitaram a câmera. Mil coisas se passaram na minha mente. Ela iria me xingar. Eu não havia pedido permissão para fotografa-la. Eu nunca pedia. Ela nunca me vira, porém. Mas hoje ela viu.

E, contrariando tudo que eu pensara, ela sorriu. Sorriu, fechou o livro, acenou e deu dois tapinhas no banco, como se me chamasse para sentar com ela. Desliguei a câmera, totalmente encabulado. Mas ela ainda sorria, então eu me aproximei.

- Eu quero ver como ficou essa foto Pedro. – ela disse em tom de brincadeira, os olhos brilhando.

Meu coração acelerou. Ela sabe meu nome. É claro que sabe, idiota, vocês estudam juntos desde a primeira série. Sentei-me ao seu lado, sem saber ao certo como agir. Liguei a câmera e abri na ultima foto tirada. Ela mostrava uma menina vestida com um short jeans desfiado e camiseta branca simples, com um casaco xadrez por cima, com um livro pousado na perna e rosto sério, olhando para câmera, no centro de inúmeras flores.

Passei a câmera para mão dela com cuidado, nossas mãos se roçando no ato. Ela sorriu ao ver a foto. Para meu desespero ela mudou de foto, vendo todas as outras que eu havia tirado dela. Meu rosto queimava pela vergonha de ter sido pego. Mas logo as fotos dela acabaram e ela encontrou fotos de crianças, da natureza e de tudo que vi no caminho pra cá. Quando as fotos acabaram ela me devolveu a câmera.

- Por que estava me fotografando? – a voz dela soava divertida, mas gaguejei ao responder.

- Você é linda demais para não ser fotografada, Camile. – um rubor cobriu meu rosto e esperei pelo tapa que não veio.

Ela me olhava com uma expressão engraçada, sem nunca tirar o sorriso do rosto. Sorri ao ver que ela também estava corada. Fiquei olhando-a por um tempo. Seus olhos tinham um verde mais claro do que o das arvores que a rodeavam, mas mil vezes mais bonito. Seus cabelos eram escuros, mas não pretos. O sorriso não saia do rosto bonito. Uma mecha da franja lateral caiu em seu olho e ela apressou-se para tirar. Sua cabeça estava baixa e ela ainda estava corada. Sem pensar muito peguei a câmera e fotografei o momento. Ela corou ainda mais e me olhou assustada.

- Apague isso Pedro. Agora. – apesar da ordem ela sorria, então considerei que não precisava seguir o que ela disse.

- Por que? Ficou bonita.

Ela riu baixinho e me deu um tapinha no braço. Camile olhou as horas em seu relógio de pulso e suspirou, dizendo algo muito baixo para eu ouvir. Ela sorriu pra mim e gritou a irmã, chamando-a com gestos. A menina pequena lhe deu um “joinha” e um rosto sorridente com covinhas e começou a descer do brinquedo. Ela olhou pra mim, parecendo chateada.

- Eu tenho mesmo que ir agora.

Tenho certeza que naquela hora meu sorriso saiu bem menos verdadeiro. Assenti lentamente, sem saber como responder. Ela estava fugindo de mim ou realmente precisava ir? A irmãzinha dela logo apareceu, sorridente e muito falante. A diferença de 10 anos não parecia afasta-las e Camile sorria para ela. Ela levantou-se e estendeu a mão para a irmã, que aceitou-a prontamente. Um tchau sorridente foi murmurado pra mim e logo elas se afastavam.

Eu sabia que nunca mais teria a mesma chance que tinha hoje e tudo que mais queria era dizer mais alguma coisa. Mas apenas fiquei sentado, olhando as duas garotas se afastando. Antes que se afastassem demais, porém, ela virou-se, sorrindo brilhantemente.

- Você vai voltar amanhã?

Pisquei, encabulado, sentindo o rubor cobrir meu rosto.

Assenti debilmente, sorrindo e ela assentiu também, acenando pra mim num "tchauzinho" pequeno. Enquanto ela se afastava, peguei minha câmera e sorri pra ultima foto tirada. O destino resolvera ser gentil comigo, e eu iria aproveitar ao máximo a oportunidade que ele me dava.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Não se acanhem, comentem.