Soulmate escrita por Sonhadora Anônima


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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As pessoas da realeza normalmente não têm uma alma gêmea. É curioso como, de todas as pessoas que nascem com o contador zerado, a maioria pertence à realeza. Príncipes, condes, lordes.

O rei acha que é melhor assim – ou talvez ele apenas diga isso para tentar se consolar, por sua relação com a rainha não ser o que ele realmente desejava.

Talvez por isso ambos sejam tão amargos comigo. Os números em meu pulso provam que minha alma gêmea está lá fora, em algum lugar.

Sendo um príncipe, eu não deveria ter uma alma gêmea. Ainda mais sendo o herdeiro do trono. Mas eu tenho

Eu sei que eles já sabem quem é. Há métodos para descobrir – fazer a contagem e calcular o dia e hora exatos, e depois procurar quem tem um contador que se encaixa.

Mas eu não sei. Não quis que eles me dissessem, pedi que eles guardassem segredo.

Não sei por que fiz isso. Acho que é mais emocionante assim, descobrir por si só.

De qualquer forma, eu meio que tenho uma ideia de quem seja.

Algumas almas gêmeas têm uma conexão telepática. Alguns conseguem se comunicar em sonhos. Ambos são extremamente raros, e mais raro ainda é alguém ser os dois ao mesmo tempo.

Assim como eu.

É assim que eu sei que minha alma gêmea é um garoto. Ele conversa comigo em minha mente às vezes. Não muito, entretanto. Eu não costumo responder, sempre nervoso demais com o que ele possa pensar, então ele geralmente tagarela sozinho.

Ele nunca me disse seu nome, mas eu sei que ele não é daqui. Ele é de um país além-mar. Ele tem a mesma idade que eu. Ele vai para a escola (ao contrário de mim que, sendo da realeza, tenho aulas em casa com um tutor especial). Ele tem um irmão mais velho, já casado, e duas irmãs mais novas. Ele joga no time de vôlei da escola. Ele sabe tocar guitarra. Ele sabe desenhar bem. Ele quer ser desenhista de quadrinhos.

Eu também já o vi em sonhos algumas vezes. Nós geralmente estamos em um campo, à beira de um riacho, sentados e apenas conversando. Se ele for como nos sonhos, ele é mais baixo que eu, com cabelos escuros e brilhantes olhos azuis. Ele tem um sorriso bonito.

E ele sorri bastante. E fala bastante. Como eu fico calado a maior parte do tempo, ele fala sem parar sobre como foi o seu dia, o que ele fez de divertido, o quanto ele brincou com suas irmãzinhas e como o jantar que sua mãe fez estava delicioso.

Ele me faz perguntas algumas vezes. Ele nunca perguntou meu nome ou quem eu sou – assim como eu, ele também quer ser surpreendido. Mas ele me faz perguntas pessoais, como se eu tenho irmãos, o que eu gosto de fazer, quais são os meus livros favoritos. Como suas perguntas são simples, eu sempre respondo.

De acordo com meu contador, eu o conhecerei pessoalmente no meu aniversário de dezoito anos.

Eu conto isso a ele em uma noite, quando nos encontramos no sonho de sempre.

Ele abre o sorriso mais lindo de todos e segura minha mão entre as suas.

“Então esse será meu primeiro presente para você.” Ele diz alegremente. E começa a discorrer sobre como ele irá me comprar algum outro presente, talvez um cordão com um medalhão. “Para você sempre me ter por perto, como uma lembrança”, ele diz.

Eu sorrio e tento parecer animado.

Mas eu sinto-me triste por saber que provavelmente não ficaremos juntos.

O meu aniversário se aproxima com uma velocidade incrível. Meu nervosismo aumenta conforme os dias passam.

E, conforme o grande dia se aproxima, ele fica mais e mais animado. Tagarelando mais do que de costume.

Dessa vez, ele começa a fazer planos para o futuro. Ele fala sobre como ele quer poder me mostrar o seu país, e me levar para fazer trilha com seus amigos nas montanhas que rodeiam sua cidade. Ele fala de como quer me apresentar à sua família, e de que ele quer que eu prove a comida de sua mãe, e que ele irá cozinhar para mim também – ele sabe fazer um bolo delicioso, ele diz.

Eu tento não me sentir triste. Eu tento não me sentir culpado.

Eu realmente quero fazer tudo isso que ele sugere. Eu quero conhecer seus amigos e jantar na sua casa, quero vê-lo fazer o bolo e talvez até ajudá-lo. Quero acampar nas montanhas com ele e passar horas e horas conversando com ele. Quero ficar ao lado dele.

Mas, como um príncipe, isso é algo que eu nunca poderei ter.

O meu aniversário finalmente chega.

Há um grande festival acontecendo no país inteiro em minha homenagem. Pelo que meu pai disse, a festa se estenderá por pelo menos uma semana. Banquetes, shows, competições, tudo para comemorar minha chegada à maioridade.

Ele fala comigo bem cedo pela manhã. Diz que já chegou em meu país – ele está em uma viagem da escola.

“Você viu que está acontecendo uma grande festa para o príncipe?” Ele me diz animado em minha mente. “É incrível vocês fazerem aniversário no mesmo dia, não?”

Eu não respondo isso, mas não faz diferença, porque ele continua tagarelando como sempre.

“Ei, ei, tem umas girafas aqui perto, na rua! Eu nunca tinha visto girafas!”

Eu olho para meu pulso, vendo que faltam apenas dez horas para finalmente nós nos conhecermos. Provavelmente nos encontraremos quando houver o meu discurso em público na praça central.

Estou nervoso, e com medo. E se eu não conseguir um momento a sós com ele?

Não que isso importe de qualquer jeito. Não ficaremos juntos mesmo.

Durante o dia inteiro, enquanto eu cumprimento os nobres que foram convidados a passar o dia no castelo para a celebração, ele fala comigo em minha mente, sempre comentando o que está achando do país. Como ele falou com um dos donos das girafas e o dono o deixou tocar nelas. Como ele provou o nosso tradicional bolo de carne com pimenta e teve que beber quase uma garrafa inteira de água depois – e como seus amigos riram dele por isso. Como ele e os amigos se perderam dos colegas e professores na multidão, e acabaram indo parar em uma loja de relíquias, e que ele comprou o medalhão que prometera. Ele descreveu detalhadamente o medalhão – uma peça de ouro oval, com um pássaro voando entalhado, que se abre para revelar um espaço para guardar uma foto; ele diz que já colocou uma foto dele mesmo ali.

De vez em quando, ele me pergunta o que estou fazendo. Tento ser evasivo nas respostas, dizendo apenas que estou cumprimentando alguns amigos de meus pais, que estão todos ocupados se preparando para a festa. Ele pergunta se haverá uma festa para mim ou se eu e minha família simplesmente comemoraremos no festival para o príncipe; eu respondo apenas que ele descobrirá em breve.

Eu estou morrendo de medo. O que ele pensará quando descobrir que eu sou o príncipe? Que nós nunca poderemos ficar juntos e nem fazer nada daquilo que ele planejou?

A noite cai, e a lua e as estrelas brilham no azul escuro do céu.

Eu estou vestido em minha melhor roupa, que feita especialmente para esta ocasião. Sento entre meus pais em um carro a caminho da praça. É exatamente a dois quarteirões do palácio real, mas meu pai é bastante rígido com a segurança.

Eu fico cutucando o contador em meu pulso. Agora falta menos de uma hora. A luva e a manga comprida da minha camisa cobrem o contador, mas eu fico repuxando-os para longe do caminho, para observar os números se movendo, lentamente se aproximando do zero.

Minha mãe me repreende, diz para eu parar de mexer nisso. Ela afasta minha mão de meu pulso e ajeita minha manga. Meu pai me diz para eu me concentrar no discurso. Eu apenas abaixo a cabeça e murmuro um sim fraco.

A praça está lotada, e todos gritam quando o carro passa pela rua. Eu olho para cada rosto na multidão, tentando encontrar ele. Será que ele está aqui? Tem que estar, os nossos contadores estão quase chegando a zero.

O carro para de frente para um tapete vermelho que leva até o palanque montado no centro da praça. Meu pai desce primeiro, então eu desço, e por fim a minha mãe. Eles dois caminham à minha frente, enquanto eu vou mais lentamente atrás, sorrindo e acenando para a multidão, ainda tentando encontrar ele, embora seja inútil. Ainda faltam alguns minutos.

Eu alcanço o palanque e fico ao lado de meus pais. O rei agradece a presença de todos e começa a discursar sobre coisas nas quais eu não presto atenção. Tento controlar o impulso de coçar meu pulso, e passo o olhar pela multidão tentando reconhecer seu rosto.

Quando meu pai termina de falar, é a minha vez. Eu me dirijo ao microfone escondendo perfeitamente o meu nervosismo. Fui treinado para falar em público. Sorrio e discurso sobre como estou feliz com o festival, agradecendo o carinho de todos.

E as palavras são de coração. Eu raramente saio do palácio, mas, quando o faço, faço questão de falar com todos na rua, procurar saber quem são as pessoas que vivem em nosso reino, em que condições elas vivem. Estão felizes? Estão saudáveis? Falta-lhes algo? Sempre quero saber, pois um dia serei responsável por todas essas pessoas. Serei responsável por garantir que tenham acesso à educação e à saúde, por garantir o básico dos direitos humanos – um lugar para morar, comida para se alimentar.

Ter o peso de milhares de vidas em meus ombros me assusta. Se eu fizer algo errado, posso acabar condenando alguém a uma vida miserável e injusta. Tenho que tomar muito cuidado com o que eu faço.

E é por isso que eu não posso ter uma alma gêmea. Porque eu irei querer largar tudo apenas para estar com ele. E se eu tiver que escolher entre a felicidade dele e a felicidade de meu povo, eu irei fazer a escolha mais egoísta possível e garantir que ele seja feliz.

Eu não posso fazer isso.

Antes que eu perceba, eu estou chorando. Tento controlar a situação, forço uma risada e me desculpo pelas lágrimas. As pessoas parecem entender. É muita pressão para uma pessoa só.

Eu distraidamente olho para meu pulso, para a manga que revela o contador.

Os números mostram que falta menos de cinco segundos.

Eu ergo os olhos assustados, e meu coração para por um instante.

Ele está lá, bem na frente, no meio da multidão. Eu o reconheço – os mesmos olhos azuis brilhantes em um rosto redondo, emoldurado por fios negros e lisos. Ele provavelmente me reconhece também, e seus olhos estão fixos em mim, grandes e assustados e surpresos.

Baixo os olhos para ver que o contador em meu pulso alcançou o zero.

Dura apenas um pequeno instante.

Eu sorrio e disfarço, finalizando meu discurso e recuando. Meu pai diz mais algumas palavras, falando a todos para aproveitarem o festival, e então é hora de nos retirarmos. Haverá um show de vários cantores e bandas nacionais, e nós assistiremos a tudo de um espaço seguro do outro lado da praça, de onde ninguém poderá se aproximar.

Quando desço do palanque, eu o vejo novamente na borda da multidão, tentando passar pela barreira. Ele grita meu nome e estende a mão para mim. Eu olho para meu pai, esperando que um milagre possa acontecer e ele permita, mas...

“É ele?” O rei pergunta e, quando eu anuo, ele diz aos seguranças: “Tragam-no para mim.” E então para minha mãe e eu: “Vocês dois vão na frente.”

Meu coração parece estar sendo esmagado. Mas eu anuo e sigo minha mãe, sentindo como se parte de mim estivesse morrendo.

A realeza não pode ter almas gêmeas.

Eu já sabia disso. Cresci sabendo disso.

Ainda assim, logo que me encontro longe da multidão e de seus olhos curiosos, eu choro. Minha mãe me diz para eu me recompor, que eu logo irei superar isso, mas suas palavras não são suficientes para mim.

Ouço ele me chamar em minha mente. Ele está confuso. Porque eu não falei com ele? Porque o ignorei? Porque o rei quer falar com ele a sós?

E então, conforme a conversa com meu pai progride, ele fica furioso. Porque não podemos ficar juntos?

Eu apenas lhe respondo desculpe e continuo a chorar.

Eu me sento longe de meus pais e tento fingir que estou assistindo às apresentações.

Ele já não fala mais nada em minha mente. Imagino que esteja muito magoado. E eu não o culpo por isso.

Enquanto meus pais estão entretidos com o show, um guarda se aproxima discretamente e me cutuca no ombro. Eu ergo os olhos para ele, e ele estende a mão fechada para mim.

“Pediram que eu lhe entregasse isso.” Ele sussurra quase sem mover os lábios. “Não diga ao rei.”

Eu estendo a mão, e ele põe em minha palma um colar com um medalhão oval. Eu arregalo os olhos ao reconhecer o objeto – não por tê-lo visto algum dia, mas porque ele o descreveu detalhadamente para mim. O brilho dourado, os detalhes do pássaro entalhado. É o medalhão que ele comprou para mim.

“Obrigado.” Eu sussurro para o guarda e para ele.

Eu penduro o colar em meu pescoço e escondo o medalhão sob a camisa. Ainda sinto como se parte de mim tivesse morrido, mas agora a dor é mais branda.

Eu tenho algo dele comigo. Uma prova de que ele existe. De que nós estivemos perto um do outro – a poucos metros de distância.

Não sei se irei encontrá-lo novamente. Eu não posso vê-lo.

Mas eu ainda o visitarei em meus sonhos, e ainda falarei com ele em minha mente, e ainda o amarei em segredo. E isso é algo que ninguém nunca poderá tirar de mim.


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Notas finais do capítulo

Quem tem tumblr e é ativo lá provavelmente já viu as tais "soulmate au's", que são histórias (em maioria fanfics) sobre almas gêmeas e vários universos alternativos com várias formas de uma pessoa encontrar sua alma gêmea. Eu estive me coçando pra escrever uma história dessas, mas só agora consegui.Vocês notaram que os personagens não têm nomes, né? Eu ia colocar os nomes, mas lá pro meio eu pensei que seria melhor deixar assim. Fica mais bonitinho.Espero que tenham gostado. Comentem o que acharam =]



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