Capítulo III

Malina

Ao abrir os olhos, os acontecimentos da noite passada vieram-me logo à mente.

***

Momentos depois de me sentar no chão, os meus pais apareceram a correr na cozinha, de olhar aflito e preocupado - provavelmente devido a todo o barulho que fizera – que se intensificou ao verem-me daquela maneira.

Fizeram-me perguntas como;

“O que aconteceu?”

“Estás bem?!”

Enquanto era levantada com a ajuda de ambos, como se não me conseguisse por em pé sozinha, sorri, respondendo que tudo estava bem, que apenas estava com uma indigestão de algo que comi. Apesar do que dissera, a preocupação, não desapareceu e de certeza que agora irão vigiar-me para ver como vou ficar, conheço-os bem de mais para saber tal coisa.

Uns quinze minutos depois, quando já estava eu sentada ao balcão com uma chávena de chá que me aquecia as mãos geladas, ouvi alguém bater à porta do restaurante. Gritei que estávamos fechados, caso a pessoa – burra – não tivesse lido a tabuleta ou já viesse com uns copos a mais.

Foi então que ouvi a voz do único primo com quem tenho algum tipo de relação amigável, Mamoru, do lado de fora do estabelecimento. Levantei-me e ia correr até à porta, quando me comecei a sentir novamente mal, abrandando o passo, indo a andar até ele. Abri, deixando-o entrar, enchendo-me também de perguntas. Pedi-lhe para que baixasse o volume da voz, para que os meus pais não o ouvissem e eu pudesse saber como é que ele adivinhara que eu estava mal. Foi aí que o nome da Serena veio à conversa, sendo ela a causadora da presença do meu primo, só que assim que ouvimos os meus pais aproximarem-se, terminamos por ali, se bem que ainda tive tempo de ser informada por ele que a minha melhor amiga estava do lado de fora.

Os meus pais aproximaram-se e todos se cumprimentaram. Expliquei que fui quem lhe mandou uma mensagem sobre o que acontecera, se bem que eles não acharam lá muita piada, já que eu o fiz sair a meio da noite de casa para vir até aqui. Dispensava que eles se chateassem novamente comigo, mas antes isso que descobrirem que na verdade quem o trouxera até ali foi uma certa britânica que se encontrava no lado de fora, provavelmente super preocupada comigo.

Minutos depois de lhe contar o que aconteceu, o Mamoru foi-se embora, e quando saiu, ainda tentei espreitar para fora querendo avistar a albina, mas sem sucesso, só me restava vê-la no dia a seguir.

***

Assim que terminei de trajar o meu vestido verde, o único e preferido, juntamente com um casaco um pouco a cima do busto, que tapava somente um pouco das costas descobertas e dos braços completamente destapados pelas alças do vestido, apressei-me a sair de casa - depois de calçar as sapatilhas brancas com um laço da mesma cor, que o Goenji me comprara à uns meses – e de traças o cabelo em duas longas tranças que me caiam por cima dos ombros, para me encontrar novamente com a inglesa com quem não falava desde a noite passada. Podia ter-lhe enviado uma mensagem a contar o que aconteceu, mas talvez o Mamoru lhe tenha informado sobre o que me aconteceu.

Apanhei o bus de sempre que me leva diretamente à universidade. Podia bem ir de bicicleta mas com a má indisposição com que estou, duvido que aguente muito a andar. Se bem que o bus não ajuda muito já que o cheiro que tem, é horrível de mais para descrever, o que me piorava a má indisposição.

Estava a aproximar-me da entrada da universidade quando vi uma albina acenar-me, como sempre, apesar de estar com cara de poucos amigos, que ao aproximar-se de mim, piorou.

–Bom dia para ti também.- e posemo-nos a caminho da prédio universitário.

–Bom dia só se for para ti.- reclamou. Já podia imaginar o que vinha dali- Sabes o quão preocupada eu estava contigo depois do que aconteceu?

–O Mamoru não te contou o que aconteceu?

–Contou.- respondeu- Mas o desmiolado do teu primo não explicou grande coisa. Apenas que estavas mal do estomago e que vomitas-te.

–E foi a verdade.- interiormente, rezava para que a Serena não estivesse a pensar na mesma hipótese que eu.

–Malina, tu não achas que...

Antes dela puder terminar a sua frase, fui repentinamente agarrada por trás e puxada, envolta nos fortes e quentes braços da pessoa que mais amo.

–Bom dia!- cumprimentei-o, tentando esquecer o facto de me ter doido novamente a barriga assim que ele me puxou. Fitei-o por cima do ombro para que me beija-se.

–Bom dia.- cumprimentou-me para de seguida me soltar, indo para o meu lado- Bom dia, Serena.- a albina sorriu, deu um pequeno aceno com a mão e proferiu exatamente as mesmas palavras que nós- Estás melhor?- perguntou-me.

–Do quê?

–O teu primo contou-me o que se passou ontem à noite.- mas será que o Mamoru não sabe manter a boca fechada? Ele não lhe devia ter contado- Queria ter-te ligado mas sei que não posso.

–Oh. Sobre isso. Foi só uma má indisposição. Já estou bem melhor.- estiquei-me, dando-lhe um beijo na face- Obrigada por te preocupares!- assim que me afastei, agarrando no braço do Goenji e encostando-me a ele, pelo canto do olhou consegui ver uma certa albina revirar os olhos apesar de sorrir. Virei a cara para ela e fiz uma careta, brincando com a minha amiga, que se riu.

–Bom dia!- ouvi a familiar voz animada de uma certa pessoa aproximar-se de nós os três, que se colocou entre mim e Serena- Parece que hoje chegamos todos cedo!- exclamou.

–O que é estranho!- ri-me, e o Mamoru percebeu porquê.

Já é normal eu, a Serena e o Goenji chegarmos à universidade, quase uns dez minutos antes de tocar para a entrada, isto para que eu posso estar com um ou com outro, dependendo do tempo que passe com eles durante os outros dias em que têm ou não exames. Em relação ao Mamoru, como passa várias vezes pelo restaurante, nem me preocupo com isso, já para não falar que ele geralmente chega em cima da hora às aulas.

Antes de puder dizer algo, vi o meu primo e o meu namorado afastarem-se de nós para irem para outro local antes de ir para a escola. Provavelmente iam até ao campo para jogarem um pouco das aulas começarem.

Enquanto os via afastarem-se e continua a andar com a Serena até ao prédio, pela primeira vez na minha vida, senti uma enorme tontura que me fez cambalear, apoiando-me no ombro da Serena que ao perceber, agarrou-me antes que eu pudesse cair ao chão.

–Estás bem?- ouvi-a perguntar-me, apesar da sua voz me soar distante.

Comecei a ser puxada pela albina até só pararmos num dos vários bancos castanhos do pátio, onde ela me sentou.

Pouco a pouco, a minha cabeça foi deixando de andar à roda e inclinei-me para trás, na tentativa de que aquilo me passasse mais depressa.

–Comes-te alguma coisa antes de vires?

–Sim.- respondi, pondo-me direita- Quer dizer... Mais ou menos. Eu ainda estou um pouco indisposta.

Aliás, à dias que andava sem apetite nenhum, mas também não lhe pensava dizer tal coisa.

–Malina. Eu ontem estive a pensar nisto durante algum tempo.- a sua voz suava preocupada- Tu já pensas-te numa possibilidade?- arqueei uma sobrancelha, sem perceber ao que se referia. Foi então que ela me fitou, mostrando também preocupação no seu olhar- Já pensas-te no facto de poderes estar grávida?

A minha boca abriu-se, mas dela não saiu qualquer som.

Afinal, não era a única desconfiar de tal coisa. Será que podia ser realmente verdade? A possibilidade não era assim tão vaga e talvez fosse mesmo verdade... O mau estar... Os vómitos... O facto de já ter passado quase um mês... Tudo indica para tal.

Desta vez, fui eu quem baixou a face, fitando a minha barriga, para de seguida colocar as mãos sobre o tecido verde, acariciando o local para depois o agarrar fortemente, ao ser invadida pela possibilidade de ter um novo ser a nascer dentro de mim.