Era para ser você escrita por Tamires Rodrigues


Capítulo 55
Ellie




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O clima embaraçoso, frente aos pais de Mabuchi, foi amenizado pela menção que ele fez à filha. Pude responder com sinceridade ao seu comentário.

— Ellie é mesmo um amor, comparando-me com uma princesa, mas acho que é melhor eu deixá-los descansar e ir para a empresa resolver... – as palavras em inglês fugiram de mim, por isso franzi a testa e sacudi as mãos no ar – as coisas – balbuciei em português.

Os pais de Mabuchi contiveram um sorriso de quem estava achando tudo muito divertido.

 

Deus!

 

Quando o assunto era passar vergonha, eu era a campeã. Fechei meus olhos brevemente, pedindo aos céus para ser engolida pelo chão. Contudo, quando os abri, três pares de olhos me encararam com curiosidade.

— Eu vou assinar os papéis da alta na recepção, pode esperar por mim, Jasmim?

— Claro.

Gregory se afastou, deixando-me mais uma vez com seus pais. Por fora sorri, por dentro quis morrer.

— Então, Jasmim, – Catherine sorriu – Greg é um bom patrão?

Os últimos dois dias brilharam na minha mente e meu rosto aqueceu.

— Depende de seu bom humor – arrisquei.

Ela riu com suavidade. Dei uma boa olhada na mulher. Ela exalava elegância na forma como estava sentada. Meus olhos foram então para Yamato, pai de Gregory. Marcas de expressão davam ao seu rosto um ar de sabedoria e seus olhos eram atentos e ao mesmo tempo gentis. Ao contrário de Gregory, cujos olhos eram sempre muito afiados.

— Catherine não é um nome japonês – comentei distraidamente. Tanto para matar o silêncio, quanto para sanar minha curiosidade.

— Meu pai era japonês e minha mãe americana – ela respondeu. Meu Deus! Até a sua voz soava elegante. Como ela conseguia? – Meu segundo nome é Yumi. Catherine é uma homenagem à minha avó.

Sorri, querendo também perguntar o porquê de Gregory ter um nome americano e não japonês, mas desisti.

Após assinar os papéis da alta, Gregory assegurou aos pais de que estava tudo bem e que eles poderiam ir para casa. Fiquei surpresa quando, ao se despedirem, ambos tenham me dado um abraço. Tão surpresa que não consegui responder.

— Ainda precisa de mim? – perguntei a ele.

Meu coração bateu acelerado esperando a resposta. A última meia hora tinha sido estranha e os últimos dois dias mais estranhos ainda.

— Você quer ir para a empresa ou...

A pergunta ficou no ar como uma sentença não dita. Mas eu precisava que ele dissesse.

— Ou...?

— Ir comigo até minha casa.

Rápido demais, estranho demais, minha mente gritou. Abri a boca, não sei se para dizer “sim, claro”, ou “de jeito nenhum, nem pensar”.

— Não vou voltar para a empresa hoje e, se você concordar, podemos trabalhar lá mesmo – ele completou.

— Tudo bem – respondi, acreditando que decididamente eu estava louca.

 

***

 

Durante o caminho até a casa de Mabuchi, ele e Ellie conversaram sobre a queda e o quão perigoso aquilo tinha sido para ela. A conversa era íntima e tentei focar minha atenção na janela do carro e nas ruas por onde passávamos, mas me peguei diversas vezes escutando as palavras de preocupação e carinho trocadas entre os dois.

Meu queixo caiu quando chegamos, ao fitar a enorme mansão de dois andares. Era imponente, tal como ele, e um sonho para qualquer design de interiores como eu. Entretanto era difícil me imaginar morando num lugar tão... Imenso. Minha adoração pela casa intensificou-se ainda mais quando cruzei o hall de entrada e caminhei até a sala de estar.

 

Bom Deus.

 

Meus primeiros pensamentos foram respectivamente: Que sala de estar linda! Seguido de: Que sala de estar enorme! Senti inveja do profissional que a planejou. Tinha tanto bom gosto e combinava muito com Mabuchi. Meus olhos analisaram as paredes pintadas num tom de cinza claro e calmo. Eu me lembrava de ter visto aquela cor num catálogo algum tempo atrás. O nome da cor, “melancolia”, tinha chamado a minha atenção. Imaginei que não seria bacana dizer, num projeto de design, que as paredes seriam pintadas de melancolia.

Continuei minha varredura visual, fitando os sofás, que certamente não deveriam estar repletos de pelo de gato e de furos como o meu, e soltei um suspiro ao me deparar com uma lareira. Ter uma lareira sempre foi meu sonho de consumo.

Mabuchi pigarreou e tinha um olhar divertido em seu rosto.

— Minha lareira nunca tinha recebido um olhar tão apaixonado como esse antes.

Ellie riu. Sorri também.

— É uma lareira muito bonita – murmurei.

— Ela aquece bem – Ellie disse, com sua doce voz de criança, fazendo o meu sorriso aumentar.

— Aposto que sim – pisquei para ela e depois apontei para seu braço, fazendo uma careta. – Está doendo?

Ela espiou seu pai por entre a franja e balançou a cabeça com cautela.

— Não, mas eu vou ficar de castigo, né pai? – indagou baixinho.

 Novamente me senti uma intrusa, ouvindo a conversa particular dos dois, por isso sutilmente dei espaço a eles e voltei a admirar à lareira, franzindo a testa quando uma fotografia me chamou atenção. Gregory, Ellie e uma mulher. Ellie ainda era um bebê e seus olhos olhavam fixamente para a câmera. Não precisei de muito raciocínio para entender quem era a mulher segurando-a nos braços.

Akemi. Seu cabelo era preto e comprido e seus olhos pareciam cansados na fotografia, mas seu sorriso incrivelmente brilhante, assim como o de Gregory. Não sei ao certo o que eu esperava, mas, depois de ter visto a foto no batente da lareira, senti-me um pouco instável.

 

***

 

Ficamos trabalhando na sala mesmo, sentados distantes um do outro, ele no seu notebook e eu no meu, enquanto Ellie descansava no sofá. Não havia muito o que eu pudesse fazer longe da empresa, exceto cuidar de seus compromissos – cancelei todos para aquele dia – e responder aos e-mails acumulados na caixa de entrada. O que não demorou mais do que uma hora. Por fim, quando notei Mabuchi absorvido em seu computador, aproveitei para digitar um rápido e-mail para Susan.

 

Para: Susan Parker

De: Jasmim Sinclair

Assunto: Saudades

 

Estou com saudades. Acha que podemos nos ver em breve?

Beijos.

J.

 

 Como eu esperava a resposta não demorou muito.

 

De: Susan Parker

Para: Jasmim Sinclair

Assunto: Saudades

 

 Um passarinho me contou que seu aniversário é em breve. O que acha de sairmos para comemorar? Conheço um bar perfeito para isso. Chama-se Skulls, já ouviu falar?

 

P.S: Também estou com saudades.

 

 Eu sorri com sua resposta, mas fiz uma careta na menção do meu aniversário. Era no dia seguinte e eu ainda estava tentando registrar o fato de estar ficando mais velha.

 

Para: Susan Parker

De: Jasmim Sinclair

Assunto: Saudades

 

Vou precisar de algumas cervejas para aceitar que estou ficando mais velha. Depois do trabalho, talvez perto das sete e meia?

 

De: Susan Parker

Para: Jasmim Sinclair

Assunto: Saudades

 

 Às oito soa perfeito para mim. Do jeito que você reclama do seu chefe odioso vai ser bom sair para espairecer. E pare de drama, você só está fazendo 22 e eu já estou entrando nos 40.

 

Bufei ao ler as palavras chefe odioso e rapidamente digitei um sorriso.

 

De: Jasmim Sinclair

Para: Susan Parker

Assunto: Chefe odioso

 

 Talvez ele não seja tão odioso assim...

 

 

De: Susan Parker

Para: Jasmim Sinclair

Assunto: COMECE A FALAR

 

 Você mesma o chamou assim da última vez que falamos dele. Então estou supondo que: ou você passou por uma lobotomia ou algo ainda mais sério aconteceu. Como assim, o bastardo não é um bastardo???????

 

 

De: Jasmim Sinclair

Para: Susan Parker

Assunto: COMECE A FALAR

 

 A única coisa preocupante me parece ser o seu uso exagerado de pontos de interrogação.

 

 

De: Susan Parker

Para: Jasmim Sinclair

Assunto: O QUE ACONTECEU?????????????

 

 Pare de embromação e responda a minha pergunta. Responda já, antes que eu que decida te ligar e daí sim você não vai conseguir se safar.

 

 

De: Jasmim Sinclair

Para: Susan Parker

Assunto: O QUE ACONTECEU?????????????

 

 Agora não posso falar porque estou em horário de serviço – digitei fugindo do assunto. – Prometo que depois te conto tudo! Te amo!

 

Ocorreu-me de que, se Gregory e eu tivéssemos algo como um romance, meus amigos provavelmente achariam que eu estava perdendo o juízo. Rapidamente abandonei o pensamento, pensando que falta de juízo era pensar que poderíamos ter algo.

Perto das onze minha barriga roncou tão alto que eu podia jurar que qualquer um no raio de um quarteirão tinha ouvido o barulho.  Dei um sorriso sem jeito e encolhi os ombros.

— Pausa para o almoço? – Mabuchi perguntou.

Tentei não parecer muito aliviada com suas palavras, mas a verdade era que eu estava faminta.

— Hoje é o dia de folga de Abby, nossa cozinheira. Vamos ver se ela deixou algo preparado na geladeira – murmurou.

— A vovó disse que ia cozinhar – Ellie falou, sentando-se no sofá. – Abby não preparou nada.

— Ah – tentei esconder minha decepção, mas a fome estava me nocauteando. E para piorar minha barriga roncou mais uma vez. Ellie me deu um olhar assustado.

— Sua barriga tá viva!

Dei risada.

— Provavelmente.

Meia batida se passou e Mabuchi pareceu um pouco envergonhado.

— Almoço fora?

Balancei a cabeça incrédula.

— Vai me dizer que não sabe preparar nada na cozinha? – brinquei sem me conter.

Ele riu.

— Sei, mas sua barriga parece estar criando vida, então quis sugerir algo mais rápido.

Bufei irritada.

— Que engraçado.

Ellie riu e minha súbita irritação se dissipou ouvindo sua risada.

— Biscoito – ela gritou animada. – Faz biscoito de chocolate, pai.

— Mais tarde – ele prometeu sorrindo. – Enquanto isso, que tal prepararmos algo salgado?

— Macarrão! – gritou ela, mais uma vez animada.

Meu rosto se iluminou e meu estômago agradeceu.

— Macarrão soa incrível! – murmurei, então soltei um risinho. – Espera, você vai cozinhar de terno?

Seus olhos rolaram para cima e ele tirou o terno e puxou as mangas de sua camisa para cima.

— Está melhor?

Foi minha vez de rolar os olhos.

— Não é o traje de cozinha ideal, mas bom o bastante.

— Quatro mãos fazem um trabalho mais rápido – ele disse.

Acenei as mãos no ar, desconsiderando a oferta.

— Estou bem aqui, sentada com Ellie – dei de ombros, sorrindo para ela, que me devolvia o sorriso. – Ah, já ia me esquecendo, não gosto de macarrão grudento.

Ellie concordou baixinho.

— Nem eu.

Gregory riu.

— Mais alguma objeção?

— Vai ter sobremesa? – Ellie perguntou. – Abby sempre faz sobremesa.

Balancei a cabeça, soltando uma gargalhada.

— Bem lembrado Ellie.

Se alguém tivesse me dito algumas semanas atrás que eu estaria almoçando com meu chefe e sua filha, em perfeita harmonia em sua cozinha, eu teria dito sem hesitar que essa pessoa estava delirando, mas agora... Parecia tão certo que me assustou.

Após acabarmos de comer, Mabuchi colocou nossos pratos na lava-louça, o que me surpreendeu. Eu tinha a visão dele sempre sendo servido pelas pessoas. Claro, colocar alguns pratos na lava louça não era grande coisa, mas fez com que a imagem que criei dele mais uma vez mudasse.

— E a sobremesa? – Ellie quis saber.

Eu sorri.

— Você a ouviu – brinquei.

— Acho que tem sorvete no congelador.

De fato havia sorvete no congelador e Ellie sorriu tão grande que fui incapaz de não sorrir também.

— Obrigada – falei, aceitando a colher que Mabuchi estava me oferecendo.

— Você quer conhecer meu quarto? – Ellie perguntou, virando-se para mim. Um pouco de sorvete escorreu pelo seu queixo.

— Claro! – sorri, esperando que o convite fosse para depois, no entanto ela ficou de pé e me puxou pelo braço.

— Você vai adorar minhas bonecas!

Olhei por cima do meu ombro para Mabuchi.

— Você vem?

— Ele mora aqui – Ellie franziu a testa. – Já conhece meu quarto, né pai?

Mabuchi riu, mas ela, que estava me puxando pelo braço com sua mão boa, não percebeu. Subimos um lance de escadas e caminhamos por um longo corredor. O quarto de Ellie era a quarta porta a esquerda e só podia ser descrito como alegre e gigante. A primeira coisa que me chamou atenção foram as bonecas espalhadas e a cama dossel com um colcha rosa brilhante.

— Uma cama de princesa, né? – ela sorriu, sentando.

Concordei com um meio sorriso sentando ao lado dela.

— Uma cama de princesa.

— Quer conhecer minhas bonecas? – Ellie não esperou minha resposta e pulou da cama para pegar algumas e colocar no meu colo.

— Essas são Paris, Tóquio, e Canadá – disse apontando para as bonecas no meu colo.

Franzi a testa curiosa. 

— Suas bonecas têm nome de lugares?

— Foi onde meu pai as comprou – explicou. – Ele viaja muito, então sempre me traz uma boneca dos lugares pra onde vai.

Pra dizer que sentiu sua falta enquanto esteve fora, pensei.

Quando voltamos para cozinha o sorvete estava parcialmente derretido, o que não diminuiu seu sabor ou minha vontade de saboreá-lo, tampouco a de Ellie.

— Como foi o tour pelo quarto de Ellie? – ele perguntou para mim.

— Bem rosa e cheio de bonecas – sorri, cutucando o sorvete com a colher.

— Posso ver TV, pai? – Ellie perguntou, com o rosto sujo de sorvete.

Mabuchi balançou sua cabeça.

— E a lição de casa?

— Hoje não teve escola – ela apontou para o seu braço e deu um sorriso inocente em seguida. – Por favor?

Mabuchi suspirou.

— Só por quinze minutos. Quer que eu coloque o DVD de Cinderela?

Ela balançou a cabeça.

— Quero assistir aquele filme de carros da Disney.

— E quanto as suas princesas? – perguntei.

— Posso gostar dos dois – respondeu, encolhendo os ombros. – Carrinho também é coisa de menina.

— Já volto - Mabuchi disse, conduzindo Ellie para a sala de TV.

Fiel à sua palavra, alguns minutos depois estava de volta.

— Eu provavelmente não deveria deixá-la sozinha por muito tempo – ele disse ao voltar.

— Ellie é um doce! – elogiei comendo sorvete. Um pouco dele escapou da colher e caiu no meu decote. Gregory seguiu o movimento com os olhos.

— Talvez eu não devesse deixar você sozinha por muito tempo também – seus olhos escureceram.

Levei um pouco mais de sorvete a boca e contornei o balcão para ficar na frente dele.

— Hum, é mesmo?

— É.

Mordi o lábio.

— Engraçado, eu achava que podia me cuidar sozinha.

Suas mãos agarraram meu quadril.

— Esse é exatamente o problema – resmungou e me beijou.

Seu beijo foi como um explosivo que aqueceu cada parte do meu corpo, fazendo-me agarrar sua nuca para trazê-lo mais para perto. Suas mãos apertaram de leve minhas curvas e soltei um gemido baixo que o fez sorrir contra minha boca.

— Pai, o volume da TV tá baixo... – a voz de Ellie foi como um balde de água jogado sobre nós. O que tínhamos começado teria que ficar para mais tarde...

 

 


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