Era para ser você escrita por Tamires Rodrigues


Capítulo 43
Gregory Mabuchi


Notas iniciais do capítulo

ESPERO QUE GOSTEM AAAAAAAAAA ♥



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Lembro exatamente da primeira vez em que a vi. Estávamos na pré-escola e todas as garotas queriam ser sua amiga. Akemi tinha uma personalidade de líder e ainda assim conseguia ser incrivelmente doce e atenciosa. Quando tomei coragem para falar com ela, perguntei se queria um pedaço do meu sanduiche com recheio de geleia. Olhando para isso agora, percebo que fui tremendamente tolo, mas tinha seis anos e a garota tinha o dom de me deixar gago apenas com seu olhar. Ela aceitou meu sanduíche e me ofereceu um pouco do seu suco. Meu rosto se dividiu no maior dos sorrisos e, mesmo odiando suco de uva, aceitei.

A partir desse dia nós nos tornamos melhores amigos. Anos depois demos nosso primeiro beijo e passamos a ser namorados. Casamos. Tivemos Ellie. Continuávamos juntos. Sempre juntos. Como algo prometido que inegavelmente daria certo. E que deu certo durante muitos anos. Os mais felizes que já vivi.

Eu fui feliz, Akemi foi feliz e nada poderia estragar isso, nem mesmo os momentos ruins. Que eram muitos. Nós tínhamos feito promessas um para o outro no altar e demos nosso melhor para cumpri-las. E mesmo sendo cético sobre a maior parte das coisas, deixei-me acreditar nos contos de fadas que nem gostava. Até que tudo ruiu como um castelo de areia construído na beira da praia, desmoronou bem diante de mim e não pude fazer nada para impedir.

 

Depressão.

 

As pessoas tendem a crer que depressão é algo facilmente curável. Eu fatalmente acreditei nisso e sinto raiva por ter pensado dessa forma por muito tempo. Akemi tinha depressão desde que consigo me lembrar, mas seu quadro piorou muito após o nascimento de Ellie. Ela se culpava, eu me culpava. Era um círculo vicioso sem fim.

Akemi odiava remédios, eles a deixavam com sono, anestesiada. Odiava terapia porque isso a fazia se sentir fraca, odiava não conseguir levantar-se da cama, nem mesmo para comer em alguns dias. Mas era boa em fingir estar bem e eu ainda melhor em fingir acreditar. Ela estava cansada. Cansada de não se sentir bem na maior parte do tempo.

 

“Sentir muito é ruim, mas não sentir nada além de desespero e desesperança é enlouquecedor”, ela me dizia e então perguntava se eu entendia. Eu queria dizer que sim, mas nós dois sabíamos que eu não podia chegar nem perto de entender.

 

Ela era a mulher mais incrível que já conheci, a luz mais brilhante como dizia o significado do seu nome, mas tinha seus dias ruins. Apesar disso eu não lamento tê-la conhecido nem um segundo sequer. Cada parte dela era a calmaria que abraçava o caos existente dentro de mim.

No dia em que senti a pior dor da minha vida, Akemi aparentemente estava em um bom dia. Acordou-me com um beijo demorado, como costumava fazer quando éramos namorados e tínhamos que nos despedir para voltarmos para nossas respectivas casas.

Tomamos café da manhã juntos como nos velhos tempos, conversamos sobre as notícias do jornal e então subimos para o quarto de Ellie, que havia começado a chorar. Ela estava quase completando um ano de idade e era, sem qualquer sombra de dúvidas, a criança mais inquieta que já pisou na terra e a mais linda.

— Watashi no hikari – Akemi disse, aproximando-se do berço, pegando-a no colo e embalando-a calmamente em seus braços.

— Quer que eu faça ela dormir antes de ir para o trabalho? – indaguei, apoiando meu queixo em seu ombro, enquanto Ellie me encarava com seus olhos pretos e sorria esticando a mãozinha para tocar meu rosto.

— Não! – ela recusou gentilmente. – Você vai se atrasar.

Sorri. Os últimos meses tinham sido difíceis, mas por hora ela estava bem. Era um alivio para mim, vê-la assim.

Soprei um beijo para Ellie e dei um beijo rápido na bochecha da minha esposa.

— Jantar às sete?

— Jantar às sete – ela confirmou, aninhando Ellie um pouco mais em seus braços.

Parei um segundo a mais na porta, observando a cena, e relaxei ao ouvir Akemi cantarolar a canção de ninar favorita da nossa filha. Se eu soubesse que aquele seria nosso último dia juntos teria ficado. Eu teria feito tanta coisa.

— Senhor? – ouvi uma voz me chamando repetidamente e acordei.

Pisquei os olhos algumas vezes, sem acreditar que tinha dormido. Nunca consegui dormir em viagens de avião e fazia bastante tempo que não sonhava com Akemi.

Jasmim se sobressaiu ao meu lado.

— Vai cair! – ela gritou.

Demorei meia batida para entender o que estava acontecendo.

 

Uma turbulência.

O avião estava passando por uma turbulência.

 

Ao meu lado, Jasmim ,assim como a maior parte dos passageiros, estava num estado de sobressalto ansioso. Na poltrona em frente havia uma mulher de meia idade viajando com sua filha pré-adolescente, que, assim que ouviu o “vai cair” gritado por Jasmim, começou a chorar.

O caos estava instalado e ouvir alguém gritando repetidamente que o avião iria cair não estava ajudando em nada. Com uma voz incrivelmente calma o piloto anunciou que havia turbulência, pediu para nos certificarmos se nossos cintos estavam corretamente afivelados e mencionou se caso precisássemos de algo os comissários iriam providenciar.

Eu me mantive tranquilo, mas lembrei da primeira vez que passei por uma turbulência em uma viagem.

— Não vai durar muito – tentei soar calmo, mas firme, olhando-a nos olhos. Qualquer um podia ver que ela estava apavorada e isso despertou em mim uma urgência estranha em acalmá-la.

— Nós vamos morrer! – ela murmurou baixinho, com os olhos arregalados.

Eu não deveria, mas quis rir. De todos os caras do mundo, eu, o menos propenso a lidar com drama, estava sentado ao lado de uma garota histérica.

— Você. Está. Rindo. De. Mim? – cada palavra soou pausada e rosnada.

Deixei meu riso transbordar, sentindo-me culpado pelo o olhar magoado em seu rosto. Não havia como explicar que não era dela que eu estava rindo, mas da situação em si.

— Que engraçado! – ela balançou a cabeça, apertando as mãos em seu colo. – Ria o quanto quiser! – acrescentou, recusando-se a olhar para mim.

— Não vai cair – resmunguei. – A turbulência acontece quando existe uma mudança brusca na temperatura, na velocidade ou na pressão do ar. Olhe para os comissários.  Você acha que eles estariam tão calmos se o avião fosse cair?

 

Sem resposta.

 

Suspirei irritado. Não sei o porquê, mas de repente fiquei mal humorado. Talvez pelo fato dela me achar um idiota tão grande, quando minutos atrás estávamos num clima mais ameno.

— Você pode usar isso como uma nova aleatoriedade – incentivei na tentativa de recuperar de uma forma melhor a nossa conversa.

Lentamente seu olhar subiu para encontrar o meu.

Eu nunca tinha reparado que seus olhos eram tão marrons e grandes, tampouco a forma como seu rosto era expressivo.

Balancei a cabeça desviando o foco para longe.

Tudo que eu não precisava era tê-la em meus pensamentos.


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