Era para ser você escrita por Tamires Rodrigues


Capítulo 34
Fugitiva




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O ventilador girando no teto do meu quarto faz barulho de chuva. É estranho e reconfortante ao mesmo tempo. Eu gosto do barulho que a chuva faz quando cai do céu, me acalma e quando eu não consigo dormir ligo o ventilador e me concentro no som até pegar no sono e Mabuchi... Afundei a cabeça no meu travesseiro e gritei frustrada. Mabuchi estava em cada pensamento meu, mesmo naqueles que não tinham nada a ver com ele. Fechei os olhos com força tentando dormir, mas com uma clareza assustadora minha mente recriou o momento em que nos beijamos. Fiquei me debatendo na cama e acabei arremessando o lençol para o chão.

Desde que cheguei em casa até agora, a temperatura parece ter subido pelo menos dez graus. Levantei da cama, resignada com minha insônia e acendi a luz do quarto.

— Um banho frio vai me ajudar a dormir – resmunguei, abrindo as portas do guarda-roupa, entretanto uma batida na porta da sala me fez recuar antes de pegar uma muda de roupa. Olhei para o relógio no bidê, era quase uma da manhã.

Quem bate na porta de alguém tão tarde? Mal concluí o pensamento e a pessoa do outro lado bateu novamente – ou melhor – esmurrou a porta com força. Debati internamente se deveria ir ou não atender, até ouvir uma voz conhecida chamar meu nome.

— Jasmim? Você está aí? Está tudo bem?

Meredith.

E ela gritava tão alto que em breve acordaria o prédio inteiro. Meio desajeitada, apressei-me para atender a porta e franzi a testa ao encontrá-la toda descabelada e agitada.

— Aconteceu alguma coisa? – nós duas falamos juntas. Meredith tinha a voz uma oitava mais alta do que a minha e estava tão confusa que mais uma vez perguntei o que estava havendo.

— Estou bem! – ela respondeu, arfando como se tivesse acabado de correr uma maratona. Seus olhos me inspecionaram a procura de algo. – De pijama... – murmurou mais para si mesma do que para mim. – Você está de pijama.

Abri um pouco mais a porta, deixando-a entrar.

— Como assim... – iniciei e foi aí que a ficha caiu. Cobri a boca com a mão quando um riso nervoso escapou. – Me desculpe!

Seus olhos me estreitaram perigosamente e eu sabia que isso era um indicativo de que ela estava começando a se irritar. Joguei meus braços ao seu redor.

— Eu sou a pior amiga do mundo! – falei com uma voz chorosa, apelando para o seu lado emocional.

— Eu procurei você como uma louca na Galeria, até me dar de conta de que já não estava mais lá, então meu melhor palpite foi que estivesse no meu apartamento, já que tínhamos combinado que iríamos para lá depois da exposição. Mas adivinhe? – ela riu. – Você não estava lá também. Portanto – Mer cruzou os braços sobre o peito – comece a falar e é melhor que tenha uma boa razão para ter ido embora da exposição sem me avisar e não atender ao maldito telefone! – abri a boca para falar, mas ela ergueu a mão me cortando. Sacudiu a cabeça e soprou o ar para fora algumas vezes seguidas, até que assentiu com a cabeça. – Agora já pode falar.

Tranquei a porta e fui para o sofá.

— Melhor sentar! – avisei.

— Eu estou bem de pé! – resmungou com a cara fechada. Eu sabia que era pura pose, para não demonstrar quão preocupada ela realmente tinha ficado.

— Beijei o Mabuchi! – comecei a contar pausadamente o que tinha acontecido e com tanta calma que me surpreendi, já que ainda estava sobre o efeito de um misto de hormônios e calor.

— Você o quê? – o queixo de Mer caiu e parte minha saboreou o momento.

Limpei a garganta.

Eu mandei você sentar.

— Algumas vezes – continuei. – E o pior é que eu acho... que gostei.

— Meu doce Jesus! – exclamou. – Preciso admitir, – ela riu baixinho, olhando-me como se uma nova cabeça tivesse crescido sobre os meus ombros – é uma boa razão para ter sumido.

— Ele me deu carona...

— Certo! – ela coçou a nuca, sentando pesadamente na guarda do sofá. – Melhor eu estar sentada antes de você continuar.

Acendi o abajur que fica em cima do mini criado mudo e balancei a cabeça.

A verdade é que até mesmo eu estou com dificuldade de entender que diabos foi aquilo. Num momento estávamos conversando e no outro eu tinha enfiado minha língua na garganta dele.

— Ai, que bela forma de descrever! – Mer debochou e me jogou uma almofada e percebi que tinha pensado em voz alta. Corei em constrangimento e coloquei a língua para fora.

— Cale-se! – eu ri, rolando os olhos.

— Só depois que me contar tudo o que aconteceu. Como passaram de enfiar a língua na garganta um do outro – disse fazendo aspas com os dedos de forma sarcástica – para a carona.

Foi minha vez de jogar a almofada nela. Acertei diretamente na cabeça bagunçando ainda mais seu cabelo.

— Se conseguir entender – comentei me protegendo com a mãos quando ela arremessou a almofada contra mim – me explica.

— Como assim? – suas sobrancelhas enrugaram. – Tão confuso assim?

Assenti esfregando o rosto com as mãos.

— Ele é meu chefe, Mer!

— Pare de gritar! – ela riu abraçando uma das almofadas do sofá. – Se acalme!

Me acalmar? Ela estava falando sério? Como alguém pode ficar calma numa situação assim?

— É humanamente impossível.

— Você está soando como maluca!

Um riso histérico borbulhou dentro do meu peito até irromper para fora.

— Maluca? Isso é sério, Meredith Benson? – gritei novamente. – Quem está bancando a maluca aqui, pelo amor de Deus?

— Sei lá! – respondeu ela com humor, esbugalhando o olho esquerdo. – Você?

— Ele é meu chefe! – repeti ainda mais alto.

Tenho quase certeza que, se existisse um livro de coisas a não se fazer, estaria escrito nas primeiras linhas em letras garrafais "não beije seu chefe". Eu estava de fato surtando, mas era impossível guardar tudo dentro de mim por mais tempo.

— Com o que você está preocupada? – Meredith falou um pouco mais séria dessa vez. – Que ele demita você ou algo assim?

Meus olhos alargaram tanto que ficaram do tamanho de dois pires.

— Não! – balbuciei. – Não tinha pensado nisso, sendo sincera, eu nem sei o porquê de estar surtando.

— Isso não faz muito sentido, mas é meu dever como melhor amiga dizer que sim.

Ficamos em silêncio até que voltei a falar.

— Isso só vai deixar as coisas mais complicadas.

— Ei, tente relaxar um pouco, ok? Posso perguntar uma coisa?

— Até duas – concordei, balançando a cabeça.

— Ele beija bem?

Afundei ainda mais nas almofadas e fechei os olhos de repente com mau humor.

— Mais do que bem! Infelizmente – acrescentei.

— Whoa! – Meredith bateu palminhas como uma criança feliz, me fazendo bufar, mas do nada seu entusiasmo sumiu. – Espera, tem algo que não entendi.

Abri um olho.

— Que foi?

— E a Barbie humana que estava com ele?

Senti uma sensação forte de enjoo no estômago ao me lembrar de Tifanny e sentei reta no sofá. Mordi o lábio pensando somente nela agora.

— Tinha me esquecido disso também – suspirei com um gosto amargo na boca. – Que babaca! – rosnei.

— Você acha que...

— Não sei – coloquei o cabelo atrás da orelha pensativa. – Você acha?

— Depende do que você acha que eu acho – Mer brincou tensa para aliviar o humor Não funcionou.

— Você acha que ele me beijaria tendo namorada?

— Talvez a Barbie não seja uma namorada – palpitou. – Talvez uma amiga.

Lembrei-me da discussão dos dois. Tifanny não parecia uma amiga qualquer brigando daquele jeito. Onde eu tinha me enfiado? Devagar com a carruagem, minha mente disse com calma. Foi só um beijo, não um pedido de casamento.

— Estou com sono! – desviei o assunto e surpreendentemente estava mesmo, depois de contar tudo para Meredith me sentia menos ansiosa. – Quer dormir aqui?

Mer balançou a cabeça.

— Claro! – Ela olhou de um lado para outro, franzindo a testa. – Cadê o Thor?

Puxei o cabelo para cima prendendo-o num nó.

— Na vizinha.

— Por quê?

— Brent precisava mostrar o apartamento e você bem sabe como Thor reage perto de estranhos.

— Mas ainda faltam várias semanas para você desocupar o apartamento, por que ele precisava mostrar agora?

— Porque ele já tem alguns interessados no apartamento, Mer, e tá tudo bem sério – falei apesar dos meus olhos se encherem d'água. Era um paradoxo estranho porque eu sentia falta do Brasil, dos meus pais, mas ao mesmo tempo não queria voltar.

— E você quer ir?

— Quando eu vim para Nova York, sabia desde o inicio que teria que ir embora tão logo meus estudos acabassem. Sempre achei que viveria coisas incríveis aqui, mas nunca achei que fosse ficar tão apegada a você e que iria conhecer tanta gente bacana. Então, seja o que for que acontecer daqui para frente, quando eu voltar para casa estarei no lucro por ter arrumado amigos tão inesquecíveis e por ter tanta bagagem nova.

— Não acredito que estará indo embora em breve.

Funguei.

— Venha me visitar – sorri. Droga, não queria chorar, mas meu coração fica apertado só de pensar em perder momentos como estes. – Meus pais vão amar te conhecer pessoalmente, e tenho tanta coisa que quero mostrar para você.

— Como é mesmo o nome da cidade em que mora?

— Esqueceu outra vez?

— É um nome estranho, não pode me julgar.

Rolei os olhos.

— Dramática! Pelotas – pronunciei cada sílaba com ênfase exagerado. – Tem esse nome por causa das embarcações.

E bem assim, nós viramos a noite conversando. Não falamos mais no Mabuchi, mas sim sobre o futuro da nossa amizade, a minha ida para o Brasil, meus pais e meus lugares favoritos em Pelotas e tantas outras coisas aleatórias que às vezes nós duas nos perdíamos na nossa própria conversa.


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