Não demorou muito para Tristan entender os planos de Ross. Afinal estava quase sempre próximo do irmão, mesmo que invisível para este. O rancor inicial tinha se transformado em admiração pelo irmão caçula, tão mais maduro que ele próprio.

Tinha sido infantil em culpar o irmão por sua incapacidade de conquistar a própria felicidade. Se seu pai era um fracassado, ele também não tinha se saído melhor. Pela primeira vez em muitos anos, pensou no pai com carinho. Sentiu neste momento um aperto muito grande no peito. Respirou fundo e sentiu que deixara para trás os sentimentos ruins que o prendiam ao seu passado em Harveyville.  

Quando escutou Ross combinando com o CEO da K-Milk a contratação da SPN Advertising e a reunião com um tal Sr. Walker, não percebeu as verdadeiras intenções do irmão. Achou divertido, porém normal. Não sabia que ele nunca tinha intervido antes nos assuntos de qualquer das muitas empresas da família. O irmão não falava sozinho e ele não podia ler pensamentos. Ainda era um mero observador.

Mais tarde, à noite, acompanhou quando Ross fez uma pesquisa na internet sobre Kim Walker, o muitas vezes premiado publicitário da mesma SPN. Vinham notícias de premiação, clipes de campanhas famosas, contratações de celebridades para as campanhas, entrevistas, mas poucas fotos, todas tiradas a distância, uma única de perto porém com o rosto meio coberto pelo braço levantado que erguia o prêmio.

Em seguida, a busca de notícias sobre as investigações de sua morte - isso sempre soava estranho - e sobre o paradeiro do assassino. Pouquíssimas notícias novas, quase tudo da época que o corpo foi localizado.

Depois, mais pesquisa sobre Kim Walker e, o que chamou a atenção de Tristan, algumas tentativas de relacionar as duas buscas. Será que Jason suspeita que esse ... Kim Walker ... possa ser ... o assassino?

Uma batida na porta, quebra a linha de pensamentos de Tristan. Kai.   

Preferia se manter afastado de Kai. Sentia que ela podia perceber sua presença num raio de vinte metros mais ou menos, mas essa percepção era bloqueada quando havia um obstáculo entre eles. Se ele se mantivesse fora do, por assim dizer, campo visual dela, ela não podia pressenti-lo, mesmo que estivesse próximo.

Deixou-se levar para a dimensão enevoada antes que ela entrasse.

Aquilo ficou rodando seus pensamentos. Kim Walker era mesmo aquela coisa alien cheia de dentes? Precisava saber. A sensação de urgência, que parecia perdida, voltava agora com força.

San Jose era perto e longe. Como chegar lá? Nunca fora a San Jose, não conhecia as ruas, levaria dias andando. Se pudesse dirigir, pegar um ônibus ... Bem, certamente não podia dirigir, mas talvez pudesse pegar um ônibus.

Retornou ao amanhecer, e, como sempre, próximo ao túmulo. Porém, desta vez, passou pela Casa Grande e seguiu para o portão. Atravessou. Seguiu a estrada até encontrar uma parada de ônibus. Uma única pessoa aguardava. Não sabia nem qual era a direção que levava a San Jose. Não importava. Descobriria. Se não hoje, amanhã. Descobriria. Era um fantasma andarilho. Caminharia até o fim do mundo se fosse preciso.

Acabou não sendo tão difícil assim. Da propriedade para a rodoviária de San Jose e de lá para o centro de San Jose. Chegara em menos de três horas. E, pouco depois do meio dia, estava em frente da SPN. Bem a tempo de ver um rapaz moreno e alto chegar apressado, aparentemente desconfortável em seu terno e gravata.

Seguiu o rapaz, ansioso, mas com cautela.

Ao contrário do estagiário Sam, em seu primeiro dia de trabalho, sabia o tipo de ameaça que o prédio podia esconder.