— A equipe de exploração Nidoran acaba de encontrar… olhe só, é um Caterpie!

— Tenha cuidado, April, é um Caterpie de verdade!

— Posso tocar nele, mamãe?

— Melhor não, minha filha, ele pode te morder!

— Você é muito medrosa, mamãe! Papai me disse que Caterpie são inofensivos, os Weedle é que são perigosos!

Himiko respirou fundo. Não queria dar o braço a torcer, pois sabia que estava sendo superprotetora com a menina.

— Tá bom, filha, mas vá devagar!

Era difícil não se emocionar com o que ela via, mesmo tanto tempo depois. Fazia quinze anos desde que ela descobrira que a April que ela então conhecia era apenas uma mentira muito bem contada. E fazia pouco mais de nove anos que ela havia transformado essa mentira em uma verdade.

Lembrar-se disso ainda lhe arrancava uma lágrima de emoção. Sempre o faria, por mais que tentasse esconder de algumas pessoas.

— Cheguei, amore! Como está a nossa linda?

Himiko olhou para seu relógio, notando que havia perdido a noção do tempo que passara brincando com April. Esqueceu completamente de esquentar a comida para o almoço.

— Estamos bem, eu estava com saudades…

— Você não muda nunca mesmo…

— Papai! — April largou o pokémon inseto aonde ele estava, correndo para abraçar o recém-chegado. — Você demorou hoje!

— Parece que todos nós temos problemas em ver o tempo passar… — ele fez um cafuné na filha. — E você, trate de tomar um banho, não quero ninguém sujo na mesa!

— É, papai tem razão. — Himiko completou. — Pra falar a verdade, eu também preciso me limpar, olha só o estado em que você me deixou!

— Nem vem, mamãe! — April respondeu. — Foi você quem se jogou na grama!

Os três começaram a rir, entrando juntos em casa.

— É, melhor eu tomar um banho também. Deixei as panelas em cima do fogão, se importa em esquentar a comida pra mim?

— Ah, querida, você é incorrigível mesmo…

Ela não podia evitar de sorrir. Nunca podia ter imaginado que as coisas aconteceriam daquela forma, mas agradecia a cada dia por ter finalmente encontrado a felicidade.

Tinha muita sorte, pensou; podia se dedicar ao papel de mãe em tempo integral. Podia preencher cada uma das lacunas que havia aberto em sua adolescência, com lembranças muito melhores do que poderia ter imaginado. Podia, e isso ela agradecia a cada dia que se passava, se sentir plena e completa.

Tomou apenas uma ducha rápida, sabendo que precisava estar pronta logo. Restavam pouco mais de meia hora para almoçar e levar April para suas aulas. Não era longe, apenas duas quadras distante da casa deles, mas Himiko fazia questão de acompanhá-la, por mais que a filha odiasse a ideia.

Por fim, sentaram-se à mesa, conversando durante a refeição como de costume, animados. Pelo menos até o momento em que April tocou naquele assunto tão delicado para eles.

— Eu já decidi, vou querer ser uma treinadora!

O casal se entreolhou à mesa, sabendo que haviam discutido aquele assunto por várias vezes nas últimas semanas. Himiko, por vários motivos, era contra.

— April, você não acha que está muito nova pra falar nessas coisas? No meu tempo ninguém saía de casa com menos de treze anos!

— Os tempos são outros, meu amor! É muito mais seguro agora!

— O que você considera seguro, Brendan? Um sistema de geolocalização? Eu tinha um desses, e não me ajudou em nada!

— Talvez porque você tenha esquecido ele no centro pokémon, se eu me lembro bem…

— Você vai jogar isso na minha cara o resto da vida, não vai?

— Eu sei bem o que você passou, querida, mas posso te garantir que muita coisa mudou de lá para cá, e algumas delas foram justamente por sua causa. A Pokédex funciona com um Rotom, as rotas têm horário de funcionamento, os ginásios são monitorados por câmeras… pergunte ao Wally se quiser!

— Você já me explicou tudo isso, mas como acha que eu vou me sentir se acontecer alguma coisa com a nossa filha?

— Tá tudo bem, mamãe! — April interrompeu a conversa, lembrando a ambos de que ela estava ali. — Eu te amo muito, mas quero ter essa chance de viajar com um pokémon.

— Se isso te tranquiliza, Himiko — Brendan completou —, você vai poder ligar para ela todo dia se quiser.

— Tá bom, já vi que vocês dois vão insistir até eu ceder… Eu permito. Mas você vai levar o Kazu com você!

— Obrigada, mãe! — April levantou-se e deu a volta na mesa para abraçar Himiko. — Você é a melhor mãe do mundo!

— Se lembre que você ainda tem aula hoje! — Brendan alertou. — Trate de terminar esse prato ou você vai se atrasar!

Nem precisava falar duas vezes; com a animação que ela estava, quase se engasgou ao comer. Certamente estava empolgada, e faria questão de contar a novidade para seus colegas.

Mas Himiko, apesar de ter cedido, não estava concordando muito com a ideia. Brendan tratou de confortá-la.

— Eu sei que você está com medo, mas não podemos cometer com ela o mesmo erro que sua mãe cometeu com você…

— Não é isso que me preocupa… É que ela não tem nem dez anos ainda, é inocente demais para algumas coisas…

— E por isso mesmo vamos acompanhar cada passo dela. Como pai e mãe.

— E se algum pokémon…

— Eu estou quase me tornando o professor chefe de Hoenn. O avô dela ainda é o professor chefe de Hoenn. Pode ter certeza que vamos descobrir antes que qualquer coisa aconteça!

— Mas…

— Na boa, amor? Ela é mais madura do que você às vezes…

Himiko riu, um sorriso amarelo. No fundo, sabia que ele tinha razão. Estava se preocupando demais. Mas também, depois de tudo o que passara, como não se preocuparia.

— Estou pronta, mamãe! — April apareceu de novo na cozinha, depois de voar para seu quarto para escovar os dentes e pegar sua mochila. — Vamos?

— Já que você está tão decidida em viajar sozinha, o que acha de ir sozinha para a escola hoje? — Brendan sugeriu, para o desconforto de sua esposa.

— Posso, mamãe?

— Se não tem remédio… Vou ficar te observando daqui do portão, nada de correr, hein?

— Tudo bem, mamãe! — e deu um beijo na mão de Himiko. — Te espero na saída!

Brendan aproximou-se em seguida, abraçando-a enquanto observavam a filha se afastando.

— Ela está crescendo muito rápido, não acha?

— Para mim ela sempre vai ser um bebê…

— Sabe, ela me lembra muito de você quando era mais nova…

Himiko ficou ali, parada, digerindo aquelas palavras. Se via invadida por lembranças do passado, como sempre as tinha. Recordou-se de um dos últimos sonhos que teve, já no fim de sua jornada. Via a si mesma, ainda na sua infância em Johto, junto a sua mãe e um rapaz desconhecido. Ou será que via April, reunindo-se com Brendan e ela ao final de sua jornada?

Passado e futuro se misturando, talvez?

Por que não?

F I M