Lord Of The Seas escrita por Mrs Jones


Capítulo 3
Eu Sou O Mar


Notas iniciais do capítulo

Oi meu povo! Demorei, mas cheguei! Esse é o que todas esperavam e eu também, porque amei escrever o Killian como Davy ^--^ Em Piratas do Caribe ele não tinha uma perna de pau, mas tipo uma pata de lagosta, só que daí mudei pra perna de pau sei lá porquê. Enfim... Não tenho muito o que falar. Beijos e té a próxima!



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A embarcação ainda estava a consideráveis metros da praia. Eles não podiam atracar, por isso se mantiveram a certa distância. Ruby estava se perguntando como é que chegaria ao navio quando um bote de madeira começou a deslizar em direção à praia, embalado pelas águas do mar, que voltara a se acalmar.

O barquinho parou antes de chegar à areia, de modo que ela teve que entrar na água para conseguir alcançá-lo. Subiu para o bote levando sua cestinha e observou o mesmo com curiosidade, notando a crosta de algas que se acumulava sobre a madeira. Havia mexilhões grudados a um canto, o que a deixou profundamente interessada. Cutucou um deles, tentando arrancá-lo de lá, mas o mexilhão parecia estar ali há anos, pois ficara duro como pedra.

O barco deslizou de volta para o navio e Ruby ficou nervosa pelo encontro que viria a seguir. Ela não sabia muito bem o que esperar de Davy Jones, mas sabia que, a essa altura, ele devia ser um sujeito amargurado. E bem, diziam que ele assassinava marujos desobedientes... o que era, no mínimo, preocupante, uma vez que ela teria de conviver com o mau gênio homem.

Quando se aproximou do navio, a garota observou o mesmo parecendo meio encantada. Tal como o barco, todo o navio era coberto por uma crosta que parecia uma mistura de algas, corais, rochas marinhas, cracas, mexilhões, entre outros. O Holandês Voador parecia um pedaço do mar. E, de fato, era.

O barco parou ao chegar a determinado ponto. Ruby olhou para cima, impressionada com o tamanho da embarcação. E então, como que puxado por cordas invisíveis, o barco começou a subir levemente, até parar perto da borda do navio. Ruby levou um susto com o que viu lá em cima. Por mais que tivesse se preparado para o que estava por vir, não pôde conter uma exclamação de surpresa quando os olhares curiosos dos marujos se voltaram para ela. Todos eles eram partes do mar. Havia um homem com cabeça de tubarão, outro com algas crescendo pelos braços, outro tinha escamas pelo corpo, um outro tinha barbatanas nas costas...

Dois pares de mãos se ergueram na direção dela, ajudando-a a descer para o convés do navio. E então, centenas de olhos a observaram, uns meio divertidos, outros curiosos, outros meio pasmos. Afinal, de onde é que surgira aquela criaturinha tão bonita, que usava um vestido, uma capa vermelha e carregava uma cestinha?

– É... – ela começou, meio sem saber o que dizer – Eu... e-eu vim falar com o capitão...

No mesmo momento, algo começou a socar o assoalho. Tum, tum, tum, tum. Parecia o baque de madeira batendo em madeira. Alguma coisa, ou melhor, alguém, atravessava o convés fazendo barulho. O tum tum vinha de uma perna de pau afinal de contas.

Well, well... mas o que é que temos aqui? – perguntou uma voz em sotaque carregado. Tum, tum, tum, tum. Eis que surge Davy Jones. O homem-polvo solta uma gargalhada – Uma garota? – sorri com escárnio – Eu esperava mais...

Os marujos riem forçadamente, para agradar ao homem. Ruby está paralisada demais para se importar com o ar de deboche de Davy. Ela não sabia o que estava pensando quando imaginara o homem-polvo. O Davy de sua imaginação era quase um príncipe, comparado ao Davy parado à sua frente.

Do you fear death? (Você teme a morte?) – pergunta o homem, aproximando-se e encarando-a com uma expressão de seriedade.

Aquela, Ruby imaginou, devia ser uma das perguntas das quais Esperança lhe falara. Lembrou-se de ser sincera.

– Não, não temo. – respondeu sem vacilar – Já vi a Morte.

– Hummmm. – ele pareceu satisfeito. Caminhou em volta da moça, fazendo barulho com a perna de pau – Invocaste meu nome três vezes, que tens a me oferecer?

Ela podia ficar feliz, muitas pessoas não sobreviviam para a segunda pergunta.

– Eu... quero fazer um acordo...

Olhos se arregalaram.

– Um acordo? – oh, ele estava realmente satisfeito. Devia gostar muito de acordos, principalmente aqueles que envolvessem mais almas para sua coleção – E que tipo de acordo seria este, milady?

– Meu pai morreu no oceano. O nome dele era Henry Lucas. Disseram-me que és poderoso o suficiente para trazê-lo de volta.

Davy pendeu a cabeça para o lado, seus olhos se estreitaram.

– Reconhece que isto terá um preço, não é, senhorita?

– Sim, a quebra de tua maldição. Estou disposta a pagar por isso.

O homem-polvo ficou muito sério, encarando a garota com aqueles olhos cor-de-mar. Subitamente, como se tivesse ouvido uma piada muito engraçada, desatou a gargalhar, deixando a garota irritada.

– Disposta a pagar o preço? Que piada!

Os marujos riram junto com o capitão, apenas para satisfazê-lo. Davy se aproximou de Ruby, seu rosto a centímetros do dela. Agora ela podia sentir o fedor de peixe que o capitão exalava.

– Tá brincando comigo? – ele perguntou, seu sotaque carregado pela informalidade da pergunta.

– Não, senhor...

– Um acordo selado é um acordo honrado! – os tentáculos em seu rosto se retorciam em todas as direções. Seus olhos brilhavam intensamente, encarando-a – Se selar este acordo comigo, jamais poderá quebrá-lo. Se não encontrar um meio de quebrar a maldição, envelhecerá e morrerá a bordo deste navio – gargalhou novamente, levando os outros a fazer o mesmo.

– Como eu disse antes, senhor, estou disposta a pagar o preço, custe o que custar. Quebrarei esta maldição!

Agora ele parecia impressionado, ouvindo-a falar com tanta confiança. Não sabia o que aquela garota causara nele, mas estava sentindo o estômago revirar como se milhões de borboletas praticassem vôo livre em sua barriga. Endireitou o corpo e enfiou seu cachimbo na boca, apenas para dar à cena um ar mais teatral.

Well, well, milady. – parou com os braços atrás das costas – Então está disposta a pagar pela vida de seu pai. Quebre minha maldição e lhe devolvo Henry Lucas. Temos um acordo?

– Sim, senhor!

Davy, então, ergueu uma das mãos. Era composta por dedos gordos, sendo que o indicador era um tentáculo. Como é de se imaginar, sua mão soltava uma substância gosmenta, como os tentáculos de um polvo. Ele envolveu uma das mãos de Ruby com o tentáculo, melecando a pele da garota. Ela viu um círculo negro se formar em sua palma. Fora marcada.

Davy gritou para o navio:

Está selado! Bem vinda ao Holandês Voador!

***

– Que estão olhando, ratos imundos? – ele rosnou para sua tripulação – Ao trabalho!

Os homens, que até então estiveram observando a garota curiosamente, correram a acatar as ordens de seu superior. Ruby mal teve tempo de absorver tudo o que estava acontecendo, apenas ficou observando a marca negra penetrar em sua pele e sumir.

– Vai ficar parada aí? – Davy olhava para ela, o cachimbo ainda na boca. Seu tom não era zangado, mas impaciente. – Vem!

Ela o seguiu, equilibrando-se para não cair, pois o navio balançava loucamente (uma vez que a âncora não tinha sido descida). Um grupo de homens desenrolava as velas do mastro, que pingavam água e tinham uns remendos aqui e ali. O convés estava inundado por litros e mais litros d’água, resultado de a embarcação ter erguido das profundezas. Caminhar por ali sem cair era quase um milagre, visto que o chão escorregadio e o balanço do barco não ajudavam em nada. Os marujos não se importavam com isso, pareciam até fazer parte do navio...

– Rápido! Não tenho a noite toda! – gritou Davy para Ruby, que ficara para trás.

Ela não sabia se ficava curiosa ou amedrontada, vendo os espécimes de homem-peixe que caminhavam de um lado para o outro. Tratou de apressar-se, pois o Capitão já marchava em direção a uma porta fechada, que ela imaginou ser sua cabine.

– Entre! – praticamente rosnou para ela, abrindo passagem. Ruby passou pela porta e viu-se numa sala espaçosa, escura e muito úmida. – Como é teu nome, garota?

– Ruby Lucas, senhor.

– Ruby... – ele repetiu, parecendo gostar da forma como o nome soava em sua voz rouca (e gostava). Caminhou pesadamente pela cabine, indo até um armário a um canto e apanhando uma garrafa do que parecia rum – Eu me lembro de teu pai, morreu lutando... Ofereci a ele um lugar em minha tripulação, mas ele recusou – Arrancou com um dos tentáculos a rolha que fechava a garrafa e tomou um grande gole da bebida – Quer?

– Não, obrigada... – Ruby ainda usava a capa e carregava a cestinha com seus pertences. Tremia, ainda em estado de choque pelo o que acontecera no solar. Seu rosto e cabeça doíam e havia marcas vermelhas em seu pescoço, onde Victor tentara sufocá-la. – Meu pai... realmente foi morto por piratas?

– Foi! – o Capitão se deixou cair numa cadeira bamba, que quase cedeu com seu peso (ele pesava quase cem quilos) – Uma briga feia. No final os piratas venceram e todos os outros estavam mortos. Teu pai foi um grande homem, posso afirmar. Sente-se! – empurrou com o pé um banquinho e Ruby se sentou timidamente (e molhou a bunda, porque o banquinho estava úmido). Davy, então, puxou outro banco para si, no qual apoiou a perna de pau. – Tu veio lá de cima?

O “lá de cima”a qual ele se referia era a casa construída na rocha. Ruby assentiu, muito trêmula.

– Vim.

Davy a olhou de cima a baixo (estava mesmo apreciando aquela presença feminina) e um sorriso divertido estampou seu rosto por breves instantes.

– Fugiu de casa? Por quê?

– Precisava encontrar o senhor.

– Hum... Qué isso no teu pescoço?

Ela levou uma das mãos ao pescoço. O choque fora tão grande que ainda podia sentir a pressão das mãos de Victor sufocando-a. Não disse nada e Davy se irritou um pouco.

– Sinceridade é apreciada nesta banheira velha, milady. – disse. Seu tom de voz era baixo e calmo, educado até. Bem diferente do tom que ele usara quando estavam no convés. – E não está sendo sincera comigo. Há algo mais...

– Eu...

– Não diga nada! Descanse. – Davy se ergueu bruscamente, a perna de pau batendo com força no chão. Marchou porta afora, berrando – SMEEEEE!

O grito ecoou por toda a embarcação, como se fosse ampliado por potentes caixas de som (coisa que nem existia naquela época). Ruby tapou os ouvidos. O navio inteiro chacoalhou e ela caiu do assento, batendo as nádegas na queda. Ergueu-se bem a tempo, quando a porta reabriu e um homem gordo e atarracado entrou.

– Boa noite, milady! Vou preparar tua cama - disse, encaminhando-se para o canto mais escuro da cabine.

– Cama?- ela não esperava que fosse ter uma. Bem sabia que navios piratas não proporcionavam nenhum conforto. Muito menos um navio que assombrava os sete mares, colhendo milhões de almas.

– Yes, miss! Cap quer que a senhora fique confortável. Lá embaixo é molhado e cheira à bosta. – e com “lá embaixo” ele quis dizer o andar inferior, em que os marujos se apertavam na hora de dormir. Ficava bem perto da fossa do navio – e com fossa você sabe o que eu quero dizer –, o que significava que não era lugar adequado para uma dama.

Ela se demorou observando o homem. Teria uma aparência comum, não fossem os pequenos espinhos que se projetavam de sua pele. Ele era meio homem e meio baiacu. Falava pouco (não era prudente falar demais naquele navio, uma vez que o capitão apreciava pouca conversa e muito trabalho), mas era simpático. Ruby perguntou seu nome e ele disse que era William Smee. Todos, porém, o chamavam pelo sobrenome ou pelo carinhoso apelido de baiacu.

– Senhor Smee, para onde estamos indo?

Desde o berro do capitão, o navio não parara de balançar. Ruby entendeu que estavam navegando, e, tentando não cair, cambaleou até onde Smee arrumava sua cama.

– Um navio espanhol afundou ao norte. Com sorte conseguimos mais algumas cabeças.

– Cabeças? - ela arregalou os olhos, levando a palavra para o mau sentido (imaginou que Davy colecionasse cabeças mortas, sabe se lá por que).

– Marujos – riu ele – Cap oferece um lugar na tripulação aos que tão à beira da morte. Alguns aceitam. Preferem servir ao Senhor dos Oceanos a apodrecer nas profundezas.

E, bem, Smee era um desses.

A cama de Ruby não era bem uma cama, afinal. Tratava-se de um espaçoso compartimento na parte inferior de um armário grande perto da parede. A madeira, úmida e podre em alguns pontos, rachava quando Smee batia nela com os nódulos dos dedos. Ele disse que não havia perigo de o armário desmoronar com o peso de Ruby.

– Tá vendo como a madeira tá incrustada de cracas e mexilhões? Isso aí não sai mais.

De fato, cracas, algas e mexilhões - que pareciam estar por toda parte - cresceram e endureceram sobre a madeira, o que de certa forma a impedia de ceder. Aquilo só dava ao lugar um aspecto mais sinistro e úmido. Mas Ruby não se importava. A cama improvisada até pareceu bastante acolhedora depois que o Senhor Smee expulsou alguns mexilhões vivos de dentro do armário e enxugou a umidade com um pano seco.

Cap vai improvisar um travesseiro pra senhorita. Ele tá esperando os tecidos secarem ao vento. Não deve demorar muito.

– Oh não te preocupes, senhor Smee - sorriu ela, impressionada com a amabilidade do homem - Tenho aqui um cobertorzinho de lã, posso me virar com as coisas que trouxe de casa.

Mas, minutos depois, um marujo - que tinha cabeça de tubarão - veio trazendo o travesseirinho que o capitão fizera para ela. Não passava de um saco de guardar batatas com um bolo de camisas masculinas como enchimento. Estava ligeiramente úmido e cheirava a mofo. Por mais rústico que fosse, Ruby não se importou. Estava muitíssimo impressionada com o tratamento que recebia.

Aqueles homens eram mais gentis do que sua própria família.

– Com licença, senhorrita. Sou Jefferson, o cozinheirro. Que é que tu gostarria de comerrr?

Um cozinheiro francês num navio pirata? Ora, senhoras e senhores, não é coisa que se vê todos os dias. Embora tivesse algas crescendo no lugar dos pelos do peito, pequenas escamas pelos braços e guelras dos lados do pescoço, Ruby não deixou de achar o homem charmoso. Ele lhe preparou uma lagosta bem gorda, que disse ter encontrado enfurnada dentro de um dos canhões, e Smee lhe serviu um vinho envelhecido que a deixou ligeiramente tonta.

Minutos mais tarde, bem alimentada e sonolenta, Ruby se acomodou em sua cama no armário. Enrolou-se como uma bola em seu cobertor de lã e, tiritando de frio, desejou poder ter roupas mais quentes. Um segundo mais tarde, o capitão entrou trazendo um tecido grande e cheio de remendos.

– Está bem acomodada, miss Lucas?

– Sim, capitão.

– Trouxe um cobertor a mais. Não é grande coisa e cheira a mofo, mas vai impedir que passe frio. - e, para nossa surpresa e a de Ruby, o capitão se abaixa e cobre a moça. Há vestígios de gosma de polvo pelo tecido encardido, mas Ruby não se importa.

– Obrigada, capitão.

– Não há de quê. Me chame se precisar - e ele sai porta afora, mancando com a pesada perna de pau.

Lá fora, uma ventania chacoalhava as velas negras do Holandês. O balanço do navio deixava Ruby enjoada, mas cansada como estava, ela logo pegou no sono.

Sonhou que Victor a violentava. Ela tentava gritar, mas a voz não saía, estava muda. Um par de mãos lhe agarrou o pescoço. Logo as mãos se transformaram em tentáculos e Davy surgiu à sua frente, gargalhando. “Ninguém acreditará em você”, dizia “Está presa a mim pelos próximos duzentos anos”. Os tentáculos lhe esmagavam o pescoço, obstruindo sua garganta. Ela lutava tentando se soltar, roxa pela falta de ar. “Quer ver teu pai?”, Davy gargalhava “Diga a ele que eu mandei lembranças”. E os tentáculos quebravam seu pescoço.

Ela acordou com o susto, seus pulmões tentando desesperadamente puxar mais ar. Parado acima dela, Davy Jones, iluminado pela luz do amanhecer, carregava uma expressão preocupada.

– Por mil canhões! Tudo bem, garota? - perguntou, em seu carregado sotaque britânico.

– S-sim… - instintivamente, ela levou as mãos ao pescoço. A marca das mãos de Victor ainda não sumira. Lágrimas lhe molhavam o rosto sem que ela percebesse.

– Não chore, foi só um pesadelo.

Quando Ruby se levantou, encontrou o café da manhã disposto sobre a mesa de jantar do capitão. Havia peixe assado e tartarugas no espeto. O cozinheiro se desculpou. Não estavam acostumados a ter gente viva na tripulação. Não havia frutas, ou pão, ou leite, ou qualquer outra coisa a que as pessoas normais estavam acostumadas. Ruby comeu sem reclamar, muito calada.

– Quem fez isso em teu pescoço? - perguntou o capitão, jogado numa das cadeiras. Fumava seu cachimbo, soltando baforadas para o alto.

– Meu padrasto…

– Foi por isso que fugiu de casa?

– Sim…

As lágrimas vieram quando ela se lembrou da noite anterior. A expressão que Peter fizera ao descobrir que ela tinha um “noivo”; o sorrisinho debochado de Karolyn e suas irmãs; o quase estupro no jardim dos Hutch; a violência de Victor, que por pouco não a matara; Karolyn e o atiçador… os olhos de Victor revirando enquanto ele engasgava com o próprio sangue… a Morte…

Uma lágrima pingou na mesa. Davy teve pena. E o mais engraçado é que ele nem tinha sentimentos.

– Que aconteceu lá? - indagou, a fumaça do cachimbo formando nuvens abstratas no ar - Tentaram te matar?

– Sim…

– Conte-me!

E com a visão nublada pelo choro, Ruby contou sobre o quase estupro no jardim. Resumiu para a parte em que fora confrontada por Victor na sala e o vira morrer pelas mãos de Karolyn. Ao término da narrativa, chorava tanto que seu corpo inteiro tremia.

Davy não tinha um coração, mas naquele momento quis abraçá-la.

***

Caro leitor, antes de continuar a narrativa, convém primeiro falar brevemente de Davy Jones. A começar por sua aparência (que era de assustar até os mais corajosos caçadores de vampiros e deixaria Freddy Krueger no chinelo).

Em seus quase cem quilos, Davy era alto e largo, tão pesado que a perna de pau mal o suportava (ela vivia saindo do lugar e, quando isso acontecia, ele praguejava todos os palavrões que conhecia). Possuía uma vasta barriga, que era molenga e gelatinosa e balançava quando ele andava. Seus braços eram fortes, capazes de suportar muito peso (e, é claro, ele tinha força suficiente para esmagar as cabecinhas dos marujos que o contrariavam). Um dos braços, você já sabe, terminava numa mão composta por dedos gordos, sendo que o indicador era um tentáculo comprido. O outro braço era uma garra, semelhante a de uma lagosta. Uma perna era normal, terminava num pé calçado numa bota (se o pé era humano ou não, ninguém sabia dizer). Seu rosto era o que lhe rendera o título de homem-polvo. Para começar, sua cara era viscosa, molenga e áspera como pele de elefante. Tinha uma coloração esverdeada. Ele não tinha um nariz, mas a carne era elevada no lugar onde deviam ficar suas narinas. Dois compridos tentáculos se projetavam da frente de seu rosto, como se fossem um longo bigode. Sua boca era meio murcha, já que não tinha dentes. Outras dezenas de tentáculos menores formavam sua barba. Ele tinha uma ventosa de cada lado do rosto (era por elas que respirava). Não era possível ver sua cabeça, uma vez que ficava escondida por um chapeu tricórnio. Mas se você o olhasse de costas, veria a parte de trás de seu cocuruto, que era mole e nojento (parecia a cabeça de um polvo) e escapava do chapeu.

Os olhos azuis eram, de longe, as únicas partes bonitas que Davy ainda possuía em seu corpo.

Em sua primeira manhã no navio, Ruby recebeu uma tonelada de informações que diziam respeito ao Senhor Jones. O Senhor Smee (que afinal não era tão calado), despejou sobre ela uma centena de regras e, de quebra, ainda traçou o perfil de seu “amado” capitão, para que ela já ficasse sabendo o que esperar do homem. Convém dizer o mesmo a vocês (afinal, agora também fazem parte da tripulação do Holandês Voador). Anote as seguintes regras em sua lista do que não fazer a bordo do Holandês:

Pra começar, não fique encarando o capitão, ele não gosta. Não olhe pra ele, a não ser que ele mande. Ruby acha essa regra particularmente difícil de cumprir, porque, convenhamos, Davy chama muita atenção.

Outra coisa, não vá interromper o capitão quando ele estiver tocando órgão (sim, ele tem um maravilhoso órgão de igreja em sua cabine). Interromper o momento criativo de um músico - Davy no caso - é o mesmo que pedir a um açougueiro pra decapitar um porco (considerando que, no Holandês Voador, Davy faria o papel de açougueiro e você faria o papel de porco). Se não acredita no que eu digo, pergunte ao Senhor Smee e ele vai lhe contar a história de como teve a cabeça separada do corpo e passou uma semana andando cegamente pelo navio e trombando em tudo que encontrava pelo caminho (Davy mantivera a cabeça de Smee pendurada à porta de sua cabine, como enfeite).

Mais uma coisa: nem pense em desafiar o capitão para um duelo. Lembre-se, Davy Jones é um exímio combatente e o derrotaria em questão de segundos. Mas uma derrota vergonhosa, meus caros, seria lucro perto do estrago que Davy poderia lhe fazer (Uma vez ele até decepara o braço de um marujo atrevido que o desafiara).

Nada de paparicar o capitão, ele odeia puxa-sacos. Nem pense em dizer que está cansado, o capitão vai lhe dar trabalho em dobro. Nada de conversa fiada, o capitão aprecia muito trabalho e pouca fala. Nunca, repito, nunca mencione o nome Milah a bordo do navio (é esse o nome da bruxa que amaldiçoou o capitão e toda sua tripulação). Não tente esconder segredos, o capitão sempre os descobre. Não se queixe de seu sofrimento, a menos que queira ser jogado na fossa (porque aí só vai sofrer ainda mais, no meio dos detritos).

É claro, estas não são todas as regras existentes no navio, mas no decorrer da narrativa você pode ir acrescentando outras à sua lista, conforme for descobrindo mais coisas acerca da personalidade explosiva de Jones.

– Oh, senhor Smee! - suspirou Ruby, preocupada - Terei de me lembrar de tudo isso? Quantas regras há neste navio!

– Não se preocupa, senhora, logo tu acostuma! - respondeu Smee, dando a Ruby um leve sorriso.

Era sua primeira manhã a bordo do Holandês Voador e Ruby ainda estava achando tudo muito esquisito e assustador. Duas horas atrás, ela chorara na frente do capitão. Ele nada fez para confortá-la - seria surpreendente se ele fizesse -, apenas disse que entendia o quanto ela ainda estava traumatizada com o que acontecera na noite anterior. Depois mandou que ela fosse para o convés, pois Smee explicaria como tudo funcionava no navio. Desde então, Ruby ficou passeando pela embarcação, enquanto ouvia atentamente o que Smee tinha a lhe dizer.

De longe, Davy a observava - não tão disfarçadamente quanto gostaria.

Ruby achava que estava ficando louca, mas tinha quase cem por cento de certeza de que estava sendo seguida pelos olhos azul-mar do capitão. Bem, convém lhe dizer, caro leitor: Davy estava interessado na moça.

– Por que ele tanto me olha? - perguntou a moça em questão, enrubescendo ao encontrar os olhos do capitão (Davy piscou e desviou o olhar).

– Quem? - indagou Smee, meio distraído.

– O capitão…

Smee virou o pescoço curto para olhar. Ah! De fato, lá estava Davy, caminhando próximo ao leme e dando ordens a quem estava por perto. Por mais que ele tentasse disfarçar, seu interesse pela moça a bordo era bastante visível. Smee riu e, com toda sua sabedoria, disse sábias palavras (que só um sabedor muito sábio poderia dizer):

– Não vamos esquecer que a senhora é uma mulher e o capitão ainda é um homem e homens gostam de olhar mulheres bonitas.

Se é que Davy poderia ser chamado de homem…

– Ele não parece tão ruim quanto dizem - falou Ruby, depois de certo tempo (ela e o capitão trocavam olhares) - Achei que ele fosse do tipo cruel, que não se importa com os outros…

Eu sou do tipo cruel que não se importa com os outros - Davy surgiu por trás dela, assustando-a. Ruby ficou confusa, porque uns segundos antes o capitão estivera ao leme e ela não o ouvira se aproximar. Ele soltou uma baforada de fumaça para o alto – Cuidado com o que fala nesse navio, milady. As paredes têm ouvidos...

E ele mancou de volta para o leme. Ruby lançou um olhar indagador a Smee, perguntando-se como o capitão fora capaz de ouvi-la àquela distância, com tanto barulho abafando as conversas.

– Esqueci de mencionar, senhorita, mas aqui as paredes literalmente têm ouvidos. – explicou o homem, puxando-a em direção à escada que descia para o andar inferior – O capitão ouve tudo o que se passa nesse navio, nem tente esconder nada dele.

Lembre-se de acrescentar esta informação à sua lista.

– Não vás dizer que ele também lê mentes! – exclamou Ruby, impressionadíssima.

– Gostaria de poder! – respondeu Davy, sua voz rouca se sobressaindo à barulheira do navio.

Bem, ao menos seus pensamentos poderiam correr livres, pensou Ruby, descendo com Smee pela escada estreita e bamba que dava lá embaixo. Haveria uma infinidade de gastas redes de dormir por ali, se os marujos fossem pessoas normais. Já que não eram, encolhiam-se num canto qualquer para repousar. Tudo por ali era muito úmido e gelado e Ruby tremia dentro de seu fino vestido. Goteiras produziam música ao pingar em diferentes ritmos. Ruby por pouco não escorregou no lodo que se formara no assoalho. Uma estrela do mar estava pregada no teto e havia um marujo adormecido grudado à parede. Smee disse a ela que, depois de algumas décadas, os marujos acabavam por tornar-se parte do navio, daí apenas caíam num sono profundo e passavam a fazer parte da decoração.

Um forte cheiro de detritos veio às narinas da moça quando ela inspirou o ar lá de baixo. A fossa, o menor nível do navio, em que por vezes eram atiradas as necessidades dos marujos, ficava dois andares abaixo, logo depois do porão. Se dali o odor já era insuportável, imaginem na própria fossa. Ruby ficou assustadíssima quando Smee contou que marujos desobedientes eram jogados lá em baixo pelo capitão.

– Eu mesmo já estive lá algumas vezes, boiando no meio do cocô. Cap tem muito senso de humor quando se trata de punir os outros.

– Eu imaginei que não fizessem necessidades, sabe? – comentou ela, ainda muitíssimo confusa com tantas regras e detalhes – Posso fazer lhe uma pergunta indiscreta, senhor Smee?

O homem assentiu, cutucando um dos espinhos do rosto, como se de repente estivesse profundamente interessado no mesmo.

– O senhor e os outros homens desta tripulação... estão vivos ou mortos?

– Nem uma coisa nem outra. Somos mortos-vivos. Ou vivos-mortos. Quem se importa? A única coisa que importa é que adiamos a morte... Mas somos como pessoas normais, sim senhor. Comemos, dormimos, cagamos...

Ruby riu do jeito despreocupado de Smee de falar. Ninguém falaria a uma dama daquele jeito, mas claro, num navio pirata ninguém se preocupava com polidez.

A cozinha ficava naquele andar e não passava de um cubículo apertado e com paredes cobertas de cracas. O cozinheiro Jefferson preparava para ela uma fritada de camarão. Ele contou a Ruby que não usava as panelas há décadas e que ela não estranhasse se a comida saísse com gosto de algas mofadas. Os outros não se incomodavam em engolir comida crua, por isso, tudo o que Jefferson tinha de fazer era capturar qualquer coisa comestível e depositar na mesa à hora do almoço.

– Cap qué caranguejos vivos pra hoje – disse Smee ao cozinheiro – Krill pro resto da tripulação.

– Comem krills? – Ruby arregalou os olhos. Por que é que ela ainda se surpreendia?

– Kriss non son grrrande coisa, mas matam a fome e é o que imporrrta – falou Jefferson, flambando os camarões de Ruby – Sorrte nossa que eu criarrr kriss frrrescos em minha aquárria. Vem comigo, senhorrita Rrruby!

Desceram os três para o andar inferior, que era o porão. Não havia muitas janelas lá embaixo, de forma que a iluminação consistia unicamente em rústicos candelabros. Ao invés de ratos e baratas, Ruby se assustou com a população de siris que corriam de um lado para o outro. O cheiro da fossa tornou-se ainda mais insuportável e a moça precisou tapar o nariz. Penduricalhos se acumulavam pelo teto e numerosos barris se encontravam empilhados por todo o espaço.

– O que fazem quando o rum acaba, já que não podem atracar? – indagou Ruby, vendo Smee verificar a quantidade de barris cheios.

– Saqueamos dos navios que afundam. – respondeu Smee – É a maior diversão do Cap.

A moça se aproximou para olhar o aquário de Jefferson, que era um quadrado grande e vasto, no qual krills nadavam de um lado para o outro. As paredes lodosas do vidro nem pareciam incomodar os bichinhos, que, nadando alegremente, não faziam ideia do perigo que corriam. Com a ajuda de Smee, Jefferson levou o aquário para cima, de forma que os marujos pudessem catar os krills vivos diretamente de seu cativeiro. Ele ainda tinha que capturar os caranguejos, então pediu licença a Ruby e Smee, que voltaram para o convés.

– Miss Lucas! – chamou o capitão, mancando em direção à cabine e Ruby o seguiu.

Pararam no meio do caminho, porém, quando dois marujos começaram a se atracar e gritar desaforos um para o outro. Rolando no chão do convés, os dois homens – um com cabeça de tubarão e outro com uma estrela-do-mar no lugar do olho esquerdo – se agrediam, ignorando o berreiro dos outros marujos, que tentavam separá-los.

– BASTAAAAAA! – berrou Davy e o grito ecoou por todo o navio, quase deixando a pobre Ruby surda. Mancou até os briguentos, gritando para que os outros se afastassem – Saiam do caminho, ratazanas de fossa! Scarlet, seu verme gosmento! Baderneiro! – agarrou o rapaz da cabeça de tubarão pelo pescoço, usando a mão em garra.

– P-p-perdão, capitão! – engasgou-se Scarlet, sufocado pela garra o apertando – F-foi ele q-quem começou.

– Não quero saber!

– M-mas, capitão, ele ofendeu minha Anastasia...

– Uma meretriz, é o que ela é – falou o outro briguento, limpando a gosma espessa que lhe escapara pelo nariz.

– Tolos sarnentos! – rosnou o capitão, agarrando o pescoço do outro com o dedo de tentáculo. Bateu as cabeças dos dois marujos uma contra a outra, produzindo um som oco – Vermes com escorbuto! Baderneiros, vou ensiná-los a se comportar! ACORDEM MEU BICHINHO DE ESTIMAÇÃO!

– Não! Não, pelo amor de Deus, pelo amor de Deus, eu lhe imploro!

– P-prometo me comportar, senhor! Por favor!

– BASTA! CHEGA DE LAMÚRIAS! ACORDEM O KRAKEN!

Os marujos se entreolharam e correram a acatar a ordem. Fazendo força, giraram uma roda dentada que ficava próxima de um dos mastros. Houve uma vibração no mar e Ruby desequilibrou quando o Holandês Voador pendeu para o lado. Ela se ergueu bem a tempo de ver enormes tentáculos subindo pela lateral do navio. Os dois marujos imploravam veementemente, mas o capitão não se mostrou misericordioso.

– Do you fear death? – perguntou, rosnando.

Antes que os pobres coitados pudessem responder, o capitão estava erguendo Scarlet do chão e o balançando sobre a beirada do navio, atiçando o Kraken. Os tentáculos subiram, lançando jatos de água para todos os lados. Ruby quase caiu para trás de susto, vendo aquelas coisa gigantesca lançar sombra sobre o navio. A moça não viu a cabeça da criatura, mas quando sua bocarra se abriu, ela pôde ver o tubo que era a garganta e fileiras de dentes pontudos e afiados descendo por ela. A criatura rugiu. O odor que vinha de sua boca era o equivalente a cem mil cadáveres apodrecidos quarando no sol. Ruby achou que fosse desmaiar, mas apenas caiu sentada num caixote.

– Jantar, meu bichinho! – gritou Davy, lançando Scarlet e o outro rapaz para dentro da imensa boca. Os rapazes berraram em pavor ao serem engolidos. O Kraken fechou a boca e submergiu com força o suficiente para mandar o navio para o lado e criar ondas de uns cinco metros.

– O coitado vai ter digestão, Cap – comentou Smee, divertindo-se.

Nem bem falou isso e o Kraken tornou a emergir, trazendo consigo uma torrente de água que despencou sobre o navio. A criatura abriu a boca e cuspiu (leia-se vomitou) os dois intrusos para fora. Choveu gosma verde e fedida e os dois marujos caíram em posições estranhas no convés no navio. O capitão gargalhou tão alto que sua risada ecoou pela embarcação e o Kraken soltou um guincho em resposta, como se dissesse que não merecia comida de tão má qualidade.

– Eu lhe compensarei depois, meu bichinho! – disse o capitão, acariciando um tentáculo tão comprido que poderia dar duas voltas no navio e ainda seria extenso. O Kraken soltou uma série de guinchos e grunhidos em resposta (o que na língua Krakenlês queria dizer: “Eu vou esperar, papai, até que me recompense com uns navios espanhóis”). Voltou então a submergir, pronto para entrar num sono profundo.

Os dois marujos briguentos ainda estavam caídos no meio do convés, tão trêmulos que mal conseguiam falar. Estavam cobertos de gosma e com a aparência de quem se aventurara pelo labirinto estomacal de um monstro – o que de fato acontecera. O capitão olhou pra eles com escárnio, soltando sua costumeira gargalhada de deboche, o que levou os outros a rirem junto.

– Joguem esses ratos imundos na fossa! – ordenou, antes de marchar em direção à cabine – Miss Lucas!

Ruby se levantou do caixote e o seguiu, encharcada e tão trêmula que não sabia se era de susto ou de frio. Jefferson, que acabava de pôr a mesa, pediu licença e se retirou. Os camarões de Ruby estavam num prato, numa das cabeceiras da mesa. Na outra cabeceira havia um balde, isso mesmo, um balde. E neste balde, caranguejos vivos se contorciam, tentando fugir. Um deles escapara e caminhava pela mesa. Veio para o lado de Ruby, que se recusou a se sentar, amedrontada. Aí então, o capitão a agarrou pelo braço e a empurrou para a cadeira, capturando o fujão em seguida.

– Tu se acostuma – disse ele, sentando-se pesadamente do outro lado da mesa. Jogou o caranguejo de volta no balde e abriu uma garrafa de vinho com a boca, cuspindo a rolha para longe. Encheu duas canecas bolorentas até a borda e empurrou uma delas para Ruby, fazendo a mesma deslizar pela mesa até chegar ao outro lado – Hum! Vinho envelhecido... vinte anos... – estalou a língua, fazendo cara de satisfação. Encarou Ruby, que catava os pedaços de camarão com os dedos, já que não havia talheres – Fale, menina! Não fique assim tão calada!

– Não tenho muito o que falar...

– Hum – tomou outro gole, estalando a língua – Se quiser vomitar, a janela é logo ali – fez um gesto com a cabeça, indicando a escotilha circular mais próxima.

– Eu estou bem...

– Hum, não parece. Mas tu acostuma. Sou capitão desse navio há... – fez as contas mentalmente – há uns quatrocentos anos... e já me acostumei. No início é estressante, assustador, desafiador e aterrorizante. Mas tu acostuma.

Ruby nada conseguia dizer. Achava que nunca se acostumaria à personalidade de Jones. Uma hora ele estava berrando, pendurando marujos pela borda do navio e alimentando seu bichinho de estimação. Dez segundos depois, estava sentado em sua cabine, papeando gentilmente com a garota que quebraria sua maldição. Ruby pensava seriamente em perguntar ao capitão se ele era bipolar.

– Quatrocentos anos, sim senhor – continuou ele, estalando a língua a cada gole de vinho – Quatrocentos anos... Hum... Quando é meu aniversário?... SMEE!

Smee escancarou a porta um segundo depois, esbaforido.

– Sim, Cap?

– Quando é meu aniversário?

O gordinho contou nos dedos, fazendo o capitão revirar os olhos pela demora.

– Na próxima lua cheia, senhor. Que é... vinte e seis de janeiro!

– Pode ir, Baiacu!

Smee saiu fechando a porta. Davy remexeu no balde, procurando por um caranguejo de seu agrado. Apanhou o maior e mais gordo.

– Vinte e seis de janeiro... Meu quadringentésimo vigésimo quinto aniversário – colocou o caranguejo sobre a mesa, segurando-o com o dedo de tentáculo. Com a mão de garra socou o bicho com força, fazendo a mesa tremer e o caranguejo rachar no meio. Ruby refreou a vontade de vomitar ao ver as entradas do crustáceo – Quando é seu aniversário?

– C-como?

– Quando é seu aniversário? – os olhos azul-mar focaram no rosto dela.

– Vinte de agosto...

E esse é o momento em que você e eu fazemos expressões confusas e nos perguntamos que raios está acontecendo. Porque, convenhamos, Davy Jones não é de perguntar aniversários...

– E você tem o quê, uns vinte anos?

– Dezenove.

– Hum... – o capitão pegou uma metade do caranguejo e enfiou na boca. Ruby arregalou os olhos, enojada, vendo o homem mastigar e engolir a coisa que ainda mexia as perninhas. Como é que Davy conseguia mastigar, afinal? Ele não era provido de dentes... – Hum... crocante... – ele engoliu a outra metade, fazendo croc croc conforme mastigava e estourava as entranhas do bicho na boca. Encarou, Ruby, que parara com um pedaço de camarão no ar – Coma, garota! Hummmm... divino! Qué um desses? – apontou para o balde, que tremia com a fuzarca que os caranguejos faziam lá dentro.

– N-não, obrigada!

– Achei que não fosse querer – e ele enfiou outro na boca.

Terminada a refeição – Davy mandara para dentro nada menos do que dezesseis caranguejos grandes (Ruby contara) e quase um litro de vinho -, o capitão soltou um arroto, ergueu-se e foi pegar a garota pelo braço. A arrastou até um dos cantos escuros da cabine, na qual havia uma estante de livros.

– Use esses aí pra estudar. Mas não vai achar nada sobre maldições aí. Eu já procurei... – ele deu as costas a ela e foi se sentar no órgão, que era composto por três fileiras de teclas e longos tubos que expeliam fumaça. Com os tentáculos do rosto, começou a tocar a música que Ruby ouvira na noite anterior, quando o navio surgira para ela. Davy tocava com fúria, conforme nuvens de fumaça espessa saiam dos tubos e desfaziam no ar. Aquela música, Ruby notou, expressava toda a fúria, dor e tristeza que habitavam no homem.

Quando Davy acabou, puxou a garota para se sentar ao seu lado. Ruby ficou tão abismada que o encarava com um olhar de indagação.

– Toque, garota! As damas de hoje não aprendem piano?

O que ela sabia tocar não podia se chamar de música, mas claro, não adiantou dizer isso a Davy, que insistiu. Obviamente, ela não era estúpida de contrariar o homem, por isso se arriscou a tocar as notas de uma canção que já ouvira Brigite tocar. Era uma música suave, que constantemente a lembrava da dor que guardava na alma. Música esta que tantas vezes a fizera chorar escondida no jardim, de onde podia ouvir Brigite tocar e ser elogiada pela família. Não demorou para que os olhos a traíssem e liberassem pequenas gotas, que pingaram sobre as teclas.

Davy sentiu pena e nem era provido de sentimentos.

Nada disseram um ao outro quando Ruby terminou. Ela achava que não tinha ido tão mal assim, apesar de ter errado umas notas. Davy a encarava, seus olhos brilhando. Ele se obrigou a se levantar e ir para fora, onde assumiu seu lugar ao leme.

Lá fora, Ruby encontrou Smee e os outros espiando o capitão pelo canto dos olhos. Subitamente, tudo ficou muito tranqüilo e silêncio. Havia algo mais de diferente... O mar esta calmo, ela notou.

– O mar ficou sereno, Senhor Smee – comentou, apoiando-se na beirada e olhando para baixo.

Eu sou o mar! – disse Davy, o olhar no horizonte e a mão no leme.

E então Ruby entendeu que as emoções de Davy controlavam a agitação das ondas...


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Notas finais do capítulo

http://i300.photobucket.com/albums/nn19/mrsjones20/Fanfics%20julho_zpsxmr6pv7r.jpg
Não sei se esse link vai funcionar, mas é o calendário de fics desse mês e a Lord está prevista pra ser postada de novo no dia 20. Eu sei, eu sei, demoro demais a postar, mas os capítulos são grandes e eu tenho outras fics pra atualizar então... Pra quem acompanha as outras fics, as datas de postagem não são fixas, é só pra vocês terem uma ideia mais ou menos de quando saem os capítulos. Enfim... Beijinhos e não esqueçam de comentar.