How do I look? escrita por Melinda Kenobi


Capítulo 2
Uma pequena retrospectiva...




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Depois de uma longa temporada de dias e noites trocados, café da manhã às quatro e meia da tarde e de todas as séries aceitáveis do Netflix serem esgotadas, eu finalmente estava indo embora. Mesmo não sabendo muito bem o que aquilo significava, classifiquei-a como uma grande notícia, e como toda grande notícia que se prese, ela precisava ser rapidamente espalhada – e anunciada aos meus pais.

— Você vai... o quê?!

Mamãe estava visivelmente chocada. Ainda mais chocada que da vez em que me viu usar um par de timberland, durante meu baile de formatura, e teve de tomar 5mg de Rivotril para conseguir se acalmar.

— Você não está falando sério... está?

Mas eu não disse nada. Estava ocupada demais na tarefa de enfiar cada blusa, calça, moletom e suéter, do antigo guarda-roupa de Eric, dentro de uma malinha que me servia desde os primórdios da minha pré-adolescência.

— Era só para você largar o maldito emprego!

— Se me lembro bem, você me deu uma escolha.

Eric que não achasse que eu iria lhe deixar alguma coisa. Não que a sua nova versão engravatada permitisse sentir falta de qualquer uma daquelas peças, mas, ainda que sim, eu não deixaria nada, nem uma mísera cuequinha para ele chamar de sua.

— Essas coisas não são do seu irmão?

Dei de ombros. O que mais eu levaria? O sótão de Will não tinha lá um grande espaço...

— Madeleine Ridgeway, olhe para mim.

Mamãe estava segurando aquele velho cordão, com as iniciais minhas e de Eric, enquanto me lançava seu velho olhar de “mãe-suprema-autoridade”. Parecia mais triste do que aborrecida, o que de alguma forma me fez sentir culpada, seja lá pelo que ela quisesse que eu sentisse.

— Você não precisa ir.

— Mas eu quero ir.

— Então será que ao menos eu posso saber para onde você vai?

E ai morava um grande problema. Eu poderia ser honesta e acabar caindo de vez em desgraça com os meus pais. Ou, partindo da premissa que não faria mal a ninguém – pelo menos eu achava que não –, poderia alterar alguns pequenos fatos que não me agradavam tanto assim, e em vez deles, dizer:

— Will me chamou para morar com ele.

Embora aquilo obviamente estivava longe de ser a verdade.

*****

Longe de mim ser uma mitomaníaca. De jeito nenhum. Eu era apenas o que se podia chamar de uma advogada, recém-formada e obviamente com bastante tempo livre. Talvez se minha mente – ou minha escrivaninha – estivesse ocupada com processos, prazos a ser cumpridos e clientes raivosos me cobrando respostas, as coisas pudessem ser diferentes. Mas, ao invés disso, naquela noite, eu estava no The Hooker, lugar em que por muitos nos dividi minhas angústias, num dia em que eu finalmente tinha motivos para me preocupar.

A verdade era que, a dois dias do meu aniversário de 25 anos, eu me deparei na vergonhosa situação de ainda morar com meus pais.

Dizendo assim nem parece grande coisa. Nem parece o crime que na verdade era. Quero dizer, como advogada recém-formada, eu deveria estar em algum escritório meia boca, me prostituindo de ofice girl para pagar um quartinho medonho na pior vizinhança de Trafford. Sem falar que eu também deveria sentir o maior orgulho disso. Tirar fotos de cada maldito cômodo da minha “mais nova” casa, aproveitar para dar uma grande festa e convidar todos os meus maravilhosos amigos – mas só os verdade, os que não precisavam pagar pelas bebidas.

Só que esse era Eric. Até nisso, meu irmão gêmeo estava à frente de mim.

Eric conseguiu um contrato ridículo no Baker & Baker e se tornou um desses caras engravatados. Tanto é, que deixou para trás (na casa de nossos pais) todas as suas antigas roupas, as roupas de adolescente rebelde, as roupas que ele não tinha mais orgulho – e que eu adorava usar.

Esse também era outro crime. E, segundo os meus pais, o motivo de eu não conseguir um trabalho decente...

...e um namorado.

Não que eu tenha sido questionada sobre algumas dessas coisas. Minha opinião sobre a minha vida pessoal parecia não ter nenhum valor. O que todos concordam – e por todos eu quero dizer unicamente minha família – é que eu sou um completo fracasso como garota. E agora também como filha.

A situação é: eu decepcionei meus pais. Pra valer. Aniquilei o sonho da filha advogada, muito bem casada, mãe de três filhos e com um marido no parlamento britânico. Eles simplesmente ficaram doentes ao saber que, na verdade, ao invés de procurar um emprego de verdade, com meu diploma de verdade, eu resolvi ensinar garotos de 8 anos a jogar futebol. O fato é que, para jogar futebol, eu não precisaria de um mestrado em Direito nem ter gasto a fortuna que gastei na UCL. Segundo eles, bastava eu simplesmente ter usado as minhas pernas e – rá! – mantido os $ 100.000 na conta deles.

O problema com meus pais é que eles não enxergam as coisas como eu. Por exemplo, que o emprego no colégio é super temporário. E, ainda que não seja um emprego dos sonhos, e o meu mestrado não ter sido muito útil nesses últimos tempos, vai ser com esse emprego desqualificado que eu pagarei as minhas despesas, que nem eram tantas, se eles parassem para pensar.

Foi Will quem me recomendou na escola. E, claro, mamãe estava com raiva dele também.

– Achei que ele fosse médico. – foi o que ela me disse – Não um agenciador de professorinhas de colégio.

Will, de fato, era médico. Trabalhava na enfermaria da Universidade de Manchester, e foi graças a isso que ficou sabendo do emprego na Julliard. A Julliard era uma escola primária, mantida pela UDM, e há mais ou menos duas semanas, Will recebeu o professor de educação física do pré-escolar no consultório. O homem estava com uma séria luxação no joelho esquerdo e comentou que deveria se afastar por pelo menos uns dois meses.

Então ele me veio com uma ideia que nem por um segundo tinha passado pela minha cabeça:

– Ellie, por que você não tenta?

E eu ingenuamente pensei: por que não? Eu era boa naquilo, não era? Fiz parte da seleção juvenil da Inglaterra, e teria provavelmente entrado para a regular, não fosse pela faculdade. Além do mais, estudei Julliard quando mais nova. Conhecia boa parte dos funcionários, conquistei algumas medalhas no infantil e ainda tinha o Dr. Will Davis para me recomendar.

O que podia dar errado?

Resposta certa:

Às vezes eu simplesmente esquecia que Will também era amigo de Eric. E que, como todo bom inglês, quando bebia, falava demais.

Depois de algumas cervejas, é claro que o ele contou a Eric sobre eu finalmente ter conseguido um emprego, sobre como tinha sido em ótima hora e como seria incrível me ter de voltar às origens. Claro que também comentou sobre o salário, que nem seria tão grande assim, mas que serviria para ao menos cobrir – adivinhe só – parte das minhas despesas.

Obviamente Eric achou tudo aquilo muito engraçado e nem esperou chegar em casa ou estar um pouco mais sóbrio para contar a mamãe. Ligou ali mesmo, do bar, como se tudo fosse uma verdadeira piada. E agora meus pais praticamente me excluíram da árvore genealógica dos Ridgeway, o que na verdade era um ótimo negócio para o meu adorável irmão.

Foi quando entendi que, dali em diante, dividir o mesmo espaço com meus pais seria uma tarefa impossível. Eles obviamente estavam cheios de inventar desculpas sobre meus trajes, minha falta de namorados e, agora, meu trabalho de professora infantil. Mamãe até jurou se livrar das antigas roupas de Eric, que agora eram minhas novas roupas, se eu não me esforçasse um pouco para progredir na vida. Sem falar que já não aguentava mais a eterna suspeita, que rondava a nossa vizinhança, em torno de eu ser ou não – tchanranranram – lésbica, e me deu o prazo de 10 dias para arrumar minhas “trouxas” e me mandar de casa, se eu não desse um fim àquela bobagem que eu chamava de “emprego”.

(Não que eu acredite que você esteja pensando isso, mas só para caso estar – não, eu não sou lésbica).

Mas mesmo assim, mesmo com todo o caos que se formou na minha vida, foi só fim de semana, quando marcamos no The Hooker, o nosso velho ritual de Sábado, que Will me pediu desculpas. Disse que não tinha ideia que Eric fosse fazer aquilo, que as intenções dele eram as melhores, e eu, claro, falei para ele não se preocupar. Will era o meu melhor amigo desde... Bem, desde sempre. Não dava para simplesmente ficar com raiva, não quando estava me pagando uma cerveja.

— Se tiver alguma coisa que eu possa fazer...

Na verdade, Will não queria se meter em coisíssima nenhuma daquela história e estava só esperando que eu mudasse de assunto. Mas parando para pensar um pouco, eu percebi que havia, sim, uma pequena coisa que talvez ele pudesse fazer por mim.

— Na verdade Will...

— Sem essa.

— Mas você disse que...

— Você sabe muito bem o que eu disse.

— Quer me deixar falar?

— Não, Ellie, não quero deixar você falar.

— O que eu posso dizer de tão grave?

— Não sei. E isso é o que me assusta.

Ele tirou um maço de cigarros da calça, o que era ridículo, se você parasse para pensar que Will era médico.

— Qual é. – insisti – Foi você mesmo quem se ofereceu para ajudar...

— Porque é o que se faz, não é? Eu ofereço, você recusa, e então posso dormir com a consciência tranquila.

— E eu normalmente teria recusado. – ele não acreditou nem um pouco em mim. – Juro.

Will me estudou, os braços cruzados, do jeito que sempre fazia quando estava de mau humor.

— Fala.

Certo, aquele gesto me fez perder um pouco a coragem. Quem sabe se eu puxasse uma conversa diferente, ou trabalhasse um pouco naquele mau humor primeiro... Mas estava começando a surgir umas garotas lindas, e eu teria de ser rápida, se não quisesse perde-lo de vista antes de conseguir dizer o que queria.

— Já? – comentei, enquanto ele trocava olhares com uma loira que estava no bar. – Acho que ela tá afim de vo...

— Fala logo.

— Tudo bem. – e, de repente, meu pensamento foi verbalizado sem qualquer esforço – Você tem um quarto vago?

Ele esqueceu a loira, mas não me disse uma palavra.

— Um sótão, talvez...?

— Sem essa, Ellie.

— O que você acha de 50 libras?

— Nem estou ouvindo.

— Só enquanto eu não consigo um emprego de verdade. Um emprego que pague um aluguel no centro...

— Nós dois sabemos que isso não vai acontecer.

— Será que tenho que repetir para todo mundo que, Deus, eu tenho um diploma?

Will me olhou por uns instantes, como se estivesse escolhendo as palavras certas.

— Ellie, eu tenho uma vida.

— Assim você me ofende.

— Não, sério. Já está mais do que na hora de você começar a dar um jeito na sua.

— E não é o que eu estou tentando fazer?

— Não, não é.

Ele fez sinal de que ia fumar e me deixou ali sozinha. Mas eu não podia ficar sozinha, porque: (1) não se fica sozinha no The Hooker, (2) eu precisava de um lar – ou um quarto – para chamar de meu e (3) Will Davis não iria sair no lucro quando ele praticamente fez de mim uma Maria sem-teto.

Eu me levantei, mesmo sabendo que aquilo provavelmente significava que não conseguiríamos outra mesa, ou que seria fumante passiva pelas próximas horas. Mas tudo bem por mim, que não tinha muita coisa a perder e estava totalmente disposta a ser um pé no saco de Will – ao menos, o suficiente para conseguir uma casa.

Quando entrei no fumódromo e o encontrei trocando telefones com a mesma loira de minutos antes, ele fez um sinal milimétrico, que possivelmente significava um --- CAI FORA DAQUI --- ou --- VOCÊ ESTÁ DESTRUINDO MINHAS CHANCES DE SEXO --- ou ambas essas coisas.

Mas eu ignorei. Da mesma forma que também ignorei a loira, que agora me avaliava de cima a baixo, como se eu fosse uma espécie de parasitose alta e completamente desprezível. Será que ela pensou que talvez eu estivesse afim dela, e por isso arranjou um jeito de deixar claro que eu não fazia seu tipo? De todo jeito, não dava pra saber. Havia gente estúpida demais espalhada por Manchester.

— Sabe, Will, eu não queria estragar sua noite. – eu disse, me sentando numa cadeira próxima da dele – Não queria mesmo. Tudo que eu pedi foi um favor, coisas que amigos, amigos de verdade, fazem por princípios. E foi você mesmo quem me meteu nessa história, para começar. Se não fosse aquela sua ideia maluca de me recomendar na Julliard, eu provavelmente ainda teria o amor dos meus pais e um quarto pra dormir. Você está sendo mesquinho, arrogante, presunçoso, só porque trabalha de jaleco branco e pendura um maldito estectoscópio no pescoço...

— O certo é estetoscópio

— Que se dane!

E então eu desviei minha atenção para loira. A loira que, só então, notei que era bonita o bastante para ultrapassar a barreira “cama de Will” e ir direto ao “ser apresentada aos amigos de Will”..

– Por acaso ele já te disse como as coisas funcionam? – perguntei, e ela pareceu um pouco sem jeito.

– Não?! – e olhando de soslaio para Will, comecei a destilar todo meu veneno.

– Esse cara, que a primeira vista você pensou ser alguém interessante, é na verdade um grande idiota. No momento em que você mais precisar, no momento x da sua vida, ele vai ser o primeiro a te largar numa daquelas filas de desabrigados, com uma mão na frente e outra atrás, rezando para que uma alma divina te leve para casa e te poupe de todos os problemas que ele mesmo criou...

— 60 libras. – disse Will Davis, me puxando para um canto afastado – Mas se você me fizer perder essa transa, Ellie, juro como vou subir o aluguel pra 70.

*****

Mas como verdade nem sempre era a mais atraente...

— Isso mesmo que você ouviu. — confirmei, abrindo o maior sorriso que mamãe já tinha visto em anos. – Will me chamou. E estou indo pra lá.

Para a minha surpresa, ela não parecia nem um pouco espantada. Na verdade, eu podia jurar ter visto algum vestígio de alegria em seus olhos. Talvez mamãe só estivesse aliviada em saber que eu não me mudaria para um refúgio de lésbicas e que, em vez disso, viveria em um bairro bacana, com alguém que ela conhecia e gostava. Quem sabe – não custava nada sonhar – ela estivesse vendo meu novo emprego com novos olhos. Pagava o suficiente para cobrir um quarto na casa de Will (na verdade era o sótão, mas ela não precisava saber disso) não pagava?

Mas então, por que de repente mamãe estava agindo como se estivesse...

Espere um pouco. Não era isso que eu queria que acontecesse.

Não era nem um pouco parecido com isso.

Desce aqui, Paul. Você não vai acreditar. Você não vai acreditar no que vou te contar sobre a sua filha.

Não. Quero dizer, ela só pode estar de brincadeira. Nem em mil anos eu teria inventado uma mentirinha dessas, se soubesse que mamãe seria capaz de me interpretar tão mal.

Deus do céu, você não vai acreditar...!

Por acaso ela era cega? Quero dizer, olhe só pra mim. Ela realmente achava que alguém, em mil anos, seria capaz de me convidar, com essas intenções, para morar na mesma casa que...

É a Madeleine, querido. Nossas prestes foram ouvidas!

Mãe, se você tem algum amor por mim, pela minha vida, não vai dizer o que eu estou pensando. Não fala mais nada, pela santa misericórdia divina.

Ela vai se casar. E adivinhe só quem é o noivo...

Cala a boca, mãe. Cala...essa...maldita...

... Will Davis!

Foi quando descobri que estava morta.

...Ou pelo menos bem perto disso.


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