Cinco chances para o amor escrita por Lisbeth


Capítulo 1
Capítulo Unico


Notas iniciais do capítulo

Eu resolvi fazer o desafio desse mês dos 10 anos do Nyah.
Ano escolhido: 1984
Espero que gostem.



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Meu coração batia descompassadamente e minhas mãos tremiam. Por mais que eu quisesse acreditar, e mesmo sabendo que era verdade, eu não podia ir contra os sintomas que estava sentindo. Ela estava de volta.

Ela havia ido para o espaço novamente, em mais uma missão, já estava longe fazia quase um mês. Eu estava muito feliz por ela. Uma mulher na lua em 1984? Principalmente ela? Depois do que aconteceu na primeira vez, achei que nunca mais aconteceria de novo. Mas como sempre ela deu a volta por cima. Savage Savitckaya estava de volta a terra.

Fechei meus olhos e suspirei. Porque ela própria não me ligou? Porque eu tive que saber pelo meu padrinho? Não consegui conter a dor no peito e uma lagrima escorreu. Sou uma tola. Como fui estragar o que eu tinha com ela? Porque eu não pude resistir a vontade que tive de lhe escrever aquelas cartas contando tudo o que eu sentia por ela?

Suspirei e decidi levantar da cama, não adiantava mais tentar dormir, seria completamente inútil. Andei pelos corredores do apartamento e a melancolia surgia toda vez que eu passava por uma foto dela.

Cinco anos... Cinco longos anos... Morando debaixo do mesmo teto, muitas noites dividindo a cama com ela, guardando e alimentando um amor que eu sabia que tinha muitas chances de não ser correspondido. Entretanto eu sabia que não podia ficar muito tempo longe dela. A distância entre nós só ocorria quando ela estava em missão ou em seu hobbie favorito, e mesmo assim só quando eu não podia acompanha-la.

A caminhada até a cozinha nunca foi tão longa. Peguei todas as coisas necessárias para fazer um chá, queria voltar a dormir. Era madrugada, e eu não queria nada forte.

Enquanto esperava a água ferver, não pude deixar de pensar no que tanto escrevi naquelas cartas e no quanto eu desejava ter visto cada reação de seu corpo as lendo. Savage transparecia muito suas emoções, e eu amava isso nela. Meu único problema de ler nela, sempre foi com relação aos seus relacionamentos, isso definitivamente era algo que ela não gostava de discutir comigo. Eu nunca entendi porque, mas eu respeitava sua decisão.

Savage...

Sei o quanto você deve estar empolgada aí em cima. Eu também estaria se fosse ao espaço, mas nós duas sabemos que a especialista aqui é você. Eu só vivo um sonho através de você.

Também sei que se pudesse passaríamos horas no telefone nos falando e você comentando cada segundo do que passou no seu dia.

Espero que dessa vez esses idiotas não tenham feito aquela gracinha, de dizer que você teria que cozinhar pra eles. Sério, se eu vê-los algum dia, eles serão homens mortos e você sabe muito bem que sempre cumpro o que prometo.

Essa primeira carta, é apenas um modo de você me ter aí com você. Pode rele-la várias e várias vezes, e sei muito bem que irá fazer, porque o que direi aqui são coisas que você não sabe sobre mim, sobre nós ou sobre qualquer coisa que veja que é importante lhe dizer.

Bom... Eu quero começar com algo bem fácil e talvez não seja importante, mas eu nunca contei isso a ninguém e espero sinceramente que isso não afete o que você sente por mim.

1 – Eu gosto de mulheres.

Eu sei que você deve estar atônita e quando finalmente cair em si, irá me xingar e querer quebrar tudo a sua volta. Não faça isso! Sei muito bem que eu devia ter confiado em você sobre isso. Afinal você é minha melhor amiga, filha do meu padrinho e nós moramos juntas. Mas... Eu não sei... Não me sentia a vontade falando nisso.

Pois é... Agora você deve está se perguntando sobre os inúmeros namoros que tive com os homens. Eu acho que nenhum deles foi para frente, justamente pelo fato de eu me sentir atraída por mulheres. Eu nunca ficava satisfeita com eles. E lhe contando isso é como sair do armário. Não quero mais esconder o meu verdadeiro eu. Espero que você entenda isso.

2 – Eu tinha medo de altura.

Sim. Eu tentei ao máximo não transparecer isso quando você me chamou a primeira vez para saltar de um avião. Eu queria isso... Eu não sei como não desmaiei, acho que a sua mão na minha fazia tudo ficar mais fácil, então criei a coragem que não tinha, e saltei.

A sensação foi de liberdade. E a partir dali percebi que eu podia fazer qualquer coisa se você estivesse comigo. E é assim até hoje.

O barulho da chaleira me trouxe de volta, levantei da cadeira e fui fazer meu chá. Eu sempre que ficava quieta, pensava em cada palavra que escrevi naquelas cartas. Eu sabia todo o conteúdo de cabeça e isso estava me atormentando.

Quando o chá ficou pronto, peguei minha caneca e fui sentar na varanda. A madrugada estava fria, mas eu não me importava com isso. Sabia que a qualquer momento, uma certa morena podia chegar e isso estava me deixando ansiosa.

Desculpa pelas bombas que soltei na primeira carta. Queria que você tivesse tempo para digeri-las. E sabia que você estando aí bem longe de mim, seria muito mais fácil do que se tivéssemos perto.

Escolhi usar isso, porque não tinha coragem suficiente para lhe dizer cara a cara. Eu sei... Sou covarde, mas você sabe muito bem disso. Lembra quando seu pai me pegou com um cigarro na mão? Eu lembro cada palavra do sermão que ele me deu até hoje.

“Uma mulher não devia fumar. Você sabe o gosto e o cheiro horrível que isso deixa impregnado na roupa? Você acha que assim arrumará um marido? Isso sem contar no aumento de chances de você adquirir câncer.”

Eu tentei não rir, mas olhar para sua cara, atrás dele, fazendo careta e zombando de mim por ter sido pega, não foi fácil. A surra de sinto que levei, me deixou com hematomas por mais de um mês e se bobiar até hoje eu tenho.

Mas valeu a pena te encobrir nisso. Sei que se fosse com você ele teria sido muito mais cruel, tanto nas palavras quanto na surra. Afinal ele é seu pai. E comigo, ele estava agindo como meus pais iriam querer que ele agisse.

Também lembro-me do sermão que ele lhe deu quando achou um teste de gravidez nas suas coisas. Que alias era meu e graças a Deus havia dado negativo. Foi um dos maiores sustos que eu já levei. Mas aprendi a lição.

O objetivo dessa segunda carta é te fazer ver, que não importa minha sexualidade, não importa nada. O que já passamos juntas, a nossa história... Isso sim é importante.

Um barulho de motor me fez piscar, antes mesmo de ver o farol entrando no meu campo de visão. Coloquei a caneca no chão e me levantei, fechei ainda mais o casaco que estava usando e suspirei. A fumaça branca que saiu da minha boca, mostrava que o tempo estava mesmo muito frio e se não fosse à ansiedade que eu estava sentindo, estaria já batendo os dentes, por estar aqui fora.

Reconheci logo o carro e isso me desanimou. Igor... Ela ligou pra ele. Porque não pediu que eu fosse busca-la? Porque tinha que ser logo ele?

Não preciso de milhões de palavras nessa carta. Ela será bem simples e bem categórica. Não quero enrolar, porque você precisará de muito tempo para digeri-la.

Eu te amo!

Não como amiga... Não como irmã... Mas sim como mulher!

Sou completamente e absurdamente apaixonada por você.

A porta do carro batendo e a risada rouca de Igor mais a risada escandalosa de Savage me fizeram olhar em direção ao carro. Savage usava um moletom cinza, estava de coque e seus óculos de grau, o que me dizia que ela estava cansada e querendo muito sua cama. Igor atravessou o carro e a encontrou, a abraçando forte. Fechei meus olhos com força quando o vi se inclinar para beija-la.

Uma pontada forte atravessou meu peito.

Eu não tenho certeza se você lerá essa carta. Eu espero que sim, porque eu a escrevi umas dez vezes antes de ficar contente com o conteúdo. Sei que ainda não digeriu o conteúdo da ultima, e talvez nunca vá, mas eu precisava me arriscar.

Foram longos 12 anos te amando em silencio, mas os últimos cinco anos foram praticamente uma tortura para meu psicológico. Ter a mulher que eu amo debaixo do mesmo teto comigo e muitas vezes na mesma cama, com nada mais que uma simples camisola. Até mesmo quando estávamos com várias calças, meias, blusas e edredons quando o frio estava insuportável.

Eu tinha que contar muitas vezes até dez, e sempre que você dormia, eu passava horas observando cada detalhe do seu rosto. Observava as imperfeições de seu nariz, que mesmo parecendo de batata, em você ficava magnifico, lhe dando uma beleza ainda mais rara. Ou as olheiras pelo fato de você quase não dormir. Ou suas sobrancelhas, que se eu não insistisse em você fazer, ficavam parecendo taturanas.

Mas também observava seus lábios, que às vezes pareciam tão carnudos e outrora tão finos. Eu sempre quis sentir a textura deles, e muitas vezes me peguei quase os beijando. Mas eu não podia e não queria dessa forma. Se um dia eu chegar a provar de seus lábios, quero que você saiba e queira isso tanto quanto eu.

— Yuliya — A voz fina de Savage ecoou nos meus ouvidos.

Ouvi duas buzinadas e quando olhei direito, ela estava ao meu lado acenando para Igor que estava dando partida para ir embora. Dei um pequeno aceno pra ele, antes de me virar para minha amiga.

Ela estava me encarando, fechei meus olhos. Eu não conseguia encara-la de volta. O medo e a vergonha tomaram conta de mim e me senti aquela garotinha insegura que era antes de conhecê-la.

Meu corpo tremeu quando sentiu o seu perto de mim. Suas mãos circularam meu pescoço, me trazendo para mais perto em um abraço apertado. Eu quis chorar... Mas eu não conseguia.

Inspirei o perfume dela, porém comecei a rir. Ela estava fedendo, ela se afastou e começou a rir também.

— Passo mais de um mês fora e quando eu chego você ri de mim por eu está fedendo?

— É que está muito ruim.

Me afastei dela rindo e pegando sua mala. Eu estava tremendo e nem sei com consegui falar, mas eu não seria a primeira a comentar sobre a carta. Eu já dei o meu passo, agora era a vez dela. Se ela iria fingir que não leu, o que não achou nada demais, eu não poderia fazer mais nada além de sentir muito.

— Não foge de mim ruivinha.

— Suba e tome um banho, irei lhe preparar algo decente para comer.

Ela sorriu pra mim, mas antes de entrar veio em minha direção e me abraçou forte novamente.

— Senti sua falta.

O ar ficou escasso e a abracei forte, deixando as lágrimas que estavam presas descerem finalmente.

— Também senti a sua. — Sorri — Agora... Banho.

Ela riu e se afastou, entrando dentro de casa. Levei sua mala direto para o porão, pela manhã ela com certeza iria querer lavar as roupas. Segui para a cozinha e fui procurar algo leve para ela comer. Sei que ela irá querer dormir, então não posso deixa-la comer qualquer coisa.

Fiz dois mistos quentes e chocolate quente, do jeito que ela gosta. Quando estava terminando ela desceu no seu habitual pijama de flanela rosa, com suas pantufas. Isso me fez sorrir. Ela sentou no balcão e eu estendi sua comida, ela sorriu pra mim e começou a comer.

Fiquei a observando comer, ela estava concentrada. Praticamente se deleitando com aquela refeição.

— Você quer mais?

— Não... Por enquanto está bom... Eu só quero minha cama.

— Eu imaginei isso.

Ela terminou e se levantou, lavando o prato e a caneca que usou. Quando virou suspirou e passou a mão pelos cabelos, que agora estavam soltos.

— O que foi, Savage?

Eu sabia que ela estava incomodada com algo, sabia o que era. Mas eu não podia deixar de questionar. Ela não sabia o que dizer, abriu a boca várias vezes, mas nada saiu. E aquilo já estava me deixando agoniada.

— Dorme comigo? Está muito frio...

Murchei completamente. Mas não ia pressiona-la quanto ao assunto, deixaria que ela levasse o tempo que quisesse para se abrir comigo. Afinal levei doze anos para lhe contar o meu maior segredo, podia esperar um tempo, para que ela se sentisse segura para falar disso.

O bom, é que pelo menos, ela não estava mudando algo habitual nosso. Isso era bom, né?

— Claro.

Ela sorriu e foi em direção ao seu quarto. Subi para o meu apenas para pegar meu edredom, que era meu xodó, sempre dormia com ele em noites como essa, congelante. Savage já estava deitada em seu canto, olhando para o teto. Me ajeitei ao seu lado e ela se virou pra mim.

— Porque não me contou antes?

Meu coração foi a mil.

Pode parecer loucura, talvez até seja... Mas por favor, não me exclua da sua vida. Eu posso viver sem você me amar como mulher, mas não posso viver se você deixar de me amar como amiga.

Eu quero que nossa amizade continue, independente do que você decidir sobre o que sinto por você. Eu poderia ser egoísta e lhe pedir apenas um beijo, mas eu não quero migalhas. Eu te quero por inteira, e se não posso ter, quero apenas sua amizade.

Se não quiser nada comigo, não me dê migalhas, não me olhe com pena. Eu não vou suportar se você fizer isso. Seja apenas a Savage que eu sempre amei, seja apenas o que você é quando está comigo.

— Yuliya...?

O toque de seus dedos ásperos no meu rosto me fez piscar e suspirar.

— Eu contei tudo na carta, expliquei cada motivo. O que você não entendeu? — Perguntei após fechar meus olhos.

— Que carta?

Ela sentou na cama agitada e eu a encarei. Como? Franzi meu cenho.

— O que eu não te contei?

Questionei cruzando meus braços.

— Que carta Yuliya?

— Me responde primeiro, afinal essa foi sua segunda pergunta.

— Papai me contou que você tem uma proposta muito boa e não quer aceitar porque não é aqui.

Um segundo balde de água fria caiu sobre mim. Me levantei desengonçada, não conseguia acreditar que ela não leu minhas cartas.

— Você leu o livro que levou?

— Você está estranha, o que houve?

— Só me responda isso, Savage.

— Eu peguei para ler, mas nem li.

Eu ri em descrença.

— E não tinha nada dentro dele?

— Merda! — Ela se levantou e saiu pela porta.

Eu não conseguia acreditar nisso. Fui em direção ao meu armário e peguei uma mochila, comecei a colocar algumas mudas de roupas. Eu precisava ir pra longe, quem sabe não aceitar a tal proposta que me fizeram, e que não aceitei porque iria ficar longe dela.

— O que está fazendo?

Olhei pra ela arqueando a sobrancelha, lhe mostrando o obvio e vi minhas cartas em sua mão. Parei imediatamente de fazer o que estava fazendo, largando tudo no chão e fui até ela, puxando as cartas. Ela não merecia ler.

— Ei. — Tentou tomar de mim — Porque está fazendo isso?

— Você não merece ler o que tem escrito nela.

— Yuliya, Igor só me entregou hoje, antes de ir embora, ele disse que caiu do livro antes dele me deixar na base.

Parei de tentar tomar as cartas de sua mão. Encarei seu rosto e ela me encarava de volta, até que desviou o olhar para nossas mãos que seguram as cartas. Soltei e sentei na cama, colocando minhas mãos em meu rosto.

— Era pra você ter lido isso lá em cima, bem longe de mim. — Murmurei.

— O que tem aqui que eu precisava estar bem longe pra saber? O que você fez?

Retirei as mãos do meu rosto incrédula, não acredito que ela ache que eu aprontei.

— Quer saber… Leia. — Levantei da cama e passei por ela — Eu vou dormir em outro lugar.

Não esperei sua resposta, e ela também não veio atrás de mim. Eu precisa sair daqui, eu não tenho coragem pra encara-la enquanto ela lê o que tem escrito lá, por isso fiz assim. Havia começado a nevar, mas eu não estava me importando com isso.

Peguei meu carro e saí sem rumo certo. Sei que ela lerá uma carta após a outra, ela quer saber porque agi assim, e agora eu percebo que talvez tudo tenha sido em vão. Cada palavra, cada sentimento exposto naquelas cartas.

As lagrimas caiam sem parar, minha vista já estava embaçada e meus soluços ecoavam pelo carro. A neve estava ficando mais densa, poluindo a minha visão. Meu celular tocou… Aquela música que só tocava quando ela ligava, apertei no volante para atender, ainda não tinha dado tempo dela ter lido tudo, então sei que é só preocupação por eu estar numa tempestade de neve.

— Estou voltando. — Falei enquanto manobrava o carro para voltar pra casa.

— Eu também te amo, Yuliya.

Meu corpo travou e logo em seguida senti um impacto forte, meu corpo foi projetado para frente enquanto sentia os meu corpo sendo esmagado no volante do carro.

— Yuliya…?

A voz estava distante e ainda ouvi alguns gritos antes de me perder na escuridão.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?
Comentem mesmo que for pra dizer que não gostou kkkkkkkkk