Claudia, a feia escrita por Lucie


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Uma menina feia.



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É noite de chuva quando é parida. Dão a ela o nome Claudia. Significa "coxa", "manca". Sua mãe é comum, inamável--- Sabe que sua feiura servirá de nada.

A feiura faz tudo mais difícil.

A consequências de ser muito bela faz tudo mais difícil. A mãe de Claudia foi para a escola, e ela foi porque lhe permitiram. Não era tão inamável para deixar de comparecer, mas era bela demais para recusar-se a ir.

A primeira coisa que Claudia fala foi "favor" - com dois anos, dois olhos muito separados e dois pés muito tortos -, e seu pai avidamente reage: "Não".

Não lhe foi permitida a escola. O pai de Claudia a amava demais para isso. Claudia sempre dizia "por favor". Seu pai sempre dizia "não".

Não, Claudia. Você não pode ter roupas bonitas. Vão apenas realçar sua feiura.

Não, Claudia. Você não pode ir à escola. Vão caçoar de você.

Não, Claudia. Não, Claudia. Não, Claudia.

Não.

"Por favor" ela diz. Seu pai segura seu rosto e pode ver tudo que há para se ver. Sua pele sarnenta, a testa muito grande, os olhos esbugalhados e os dentes... Os dentes. Não há uma só coisa em toda a sua feiura que está certo, separado ou junto.

"Não" ele responde.

Claudia entende. E Claudia absorve. Claudia anda muito bem com as próprias pernas, apesar do que diz seu nome.

Uma lista de coisas que se aprende quando você não é o que eles querem que você seja:

1. Se tiver fome, vá à padaria. O padeiro pode ter pena de você e lhe dar um pão adormecido.

2. As bruxas são suas amigas, as bruxas vão lhe defender. As bruxas entendem sua feiura. As bruxas vão segurar sua mão ao atravessar a rua porque os carros se recusam a parar para animais na estrada. As bruxas lhe entregarão uma bolsa e dirão "pegue isso, ajudar-te-á".

3. Belas mulheres vão olhar para você uma vez. Você vai chocá-las, pois sabem que nenhum deus permitiria uma criatura como você andar com moças belas como elas. Olharão. Ficarão chocadas. E então lhe desprezarão, porque não é digna de sua atenção.

4. Belos homens vão olhar para você, e olhar e olhar e olhar e olhar. Você vai chocá-los, pois sabem que nenhum deus permitiria uma criatura como você enfeiar a vista deles. Serão cruéis com você; foi assim que lhes foi ensinado a tratar coisas feias. Então verão graça em você, irá diverti-los; uma piada. E então lhe desprezarão, porque não merece sequer ser considerada como pessoa. Ignorarão você, nem vão notar que está lá, e falarão seus mais sujos segredos, sem notar que pode ouvi-los.

Claudia entende. E Claudia absorve. Claudia anda muito bem com as próprias pernas, apesar do que diz seu nome.

***

"Cuidado, rapazes" ela acompanha um grupo de garotos barulhentos enquanto esvazia seus bolsos. Passam pelas ruelas mal iluminadas, e uma companhia feia certamente afastaria ladrões. Pobre Claudia, muito feia para o casamento, mas muito gentil, nosso patinho feio.

***

"Feiosa!" chama Marcos, o filho do pedreiro. "Venha cá. Conte-nos uma história"

"As mesas não vão se limpar sozinhas" ela responde, mesmo se sentando à mesa com eles. Marcos sempre deixa a bolsa em cima da mesa. Quanto mais bêbado fica, menos atenção presta ao seu peso. "Que tipo de história quer ouvir?"

"Uma das boas." ele responde com um sorriso. "Faça-nos rir."

"Pois bem," diz Claudia. Ela inclina-se para frente e pega a bolsa, fazendo as moedas de outo tilintar para todos à mesa, "Este é o meu dote."

E é o suficiente para fazê-los gargalhar. Jogam a cabeça para trás, fecham bem os olhos, abaixam a cabeça enquanto esmurram a mesa. Uma boa risada. Um dote para Claudia! Um dote, muito boa. Claudia pega a bolsa e deixa uma vazia em seu lugar. Uma bruxa deu a ela, há muito tempo. Não importa o quão longe você a deixar, ela sempre acha um caminho de volta.

Já perdeu a conta de quantas vezes havia dado a Marcos aquela bolsa, que sempre voltava a Claudia confuso, perguntando pela sua própria.

"Parece que eu peguei essa bolsa de alguém" ele riu, nervoso "eu vou apenas deixá-la aqui e tudo bem, né?"

"Tem que vigiar esses dedos, Marcos" Ela disse, recebendo a bolsa de volta "Pode acabar se enrascando por causa deles."

"Só não conte a ninguém".

"Será nosso segredo" ela diz enquanto enche uma caneca para o rapaz, "esta é por conta da casa."

***

Uma bela moça pode entrar em qualquer lugar e todos os olhares vão para ela. Seu cabelo é longo, seus olhos são brilhantes, a boca é vermelha e mulher é daquelas que diz "Eu quero" e todos lá clamam "Sim" de joelhos.

Todo mundo gosta de agradar uma mulher bonita. 

Em sua primeira visita ao castelo, Claudia tem um capuz sobre a cabeça. "Não faça-os olhar você por muito tempo" Faiza lhe disse, com as mãos nos quadris. Faiza ama Claudia. Faiza ama Claudia e Faiza sempre diz não.

Claudia está lá para uma entrega, algumas galinhas para uma festa. O garoto que costumava fazer o trabalho havia quebrado a perna, então Claudia faz esse favor. Claudia tem sua bolsa vazia no bolso e um doce do confeiteiro na boca.

"Olhe só. Mas não é um pequeno acidente?" O cozinheiro real lhe diz, fazendo uma careta "O que foi? Seus pais não conseguiam ter filhos? Pediram ajuda de uma bruxa?"

Serão cruéis com você

Claudia sorri com a piada, sua boca vazia. Há alguns dias, havia arrancando dois dentes para esse exato evento. "Onde devo deixá-los?"

"Ali nos fundos, com o resto", ele responde, "mas deixe um comigo. Um cozinheiro também tem que comer, né?" Ele ri, balançando toda a barriga que Deus lhe deu.

Então verão graça em você, irá diverti-los; uma piada.

Quando Claudia se afasta para obedecer, o cozinheiro agarra seu braço.

"Mas qual é o seu nome, monstrinha?"

Monstrinha é novo.

"Claudia", ela responde, o ar da respiração assoviando na fenda entre seus dentes enquanto ela observa os olhos do cozinheiro se tornarem mais tenros. Bom.

"Claudia, a Feia", Ele caçoa para si. "Gosto de você, menina. Venha com a próxima entrega."

"Sim, senhor", Claudia diz e sorri.

***

O cozinheiro real põe ervas laxantes na comida dos nobres que desgosta, uma vez ele comentou sem pensar. Uma folha para decorar o filé e o pobre passa a noite com cólicas. O ajudante rouba a prataria e vende nas feiras. O garoto de mensagem tem se deitado com a dama de companhia da rainha, e ela contou a ele que a rainha tem deitado com o irmão do rei.

Todos têm suas sujeiras.

Claudia dá sua bolsa mágica para o mensageiro sem que ele perceba. Coloca junto com a bolsa grande com os recados. Ele volta, noites depois, nervoso.

"Eu achei essa bolsa", ele começa. "Não é minha, estava misturado aqui dentro. Dentro dela tinha um... Um plano! Um tipo de plano secreto. Mas não fui eu! Mas se me virem com ela..."

"Shh", Claudia pega a bolsa. "Será o nosso segredo."

***

"Será o nosso segredo", ela promete ao cozinheiro enquanto recebe a bolsa cheia de beladona. Não foi o que eu pedi ele se justificou, eu pensei que fosse salsa. Eu pensei que fosse-

"Será o nosso segredo", ela promete ao serviçal enquanto recebe a bolsa cheia com os diamantes da rainha. Seus favoritos. Ela já havia declarado guerra por menos. Eu não sei de onde isso veio ele se justificou, devo ter pego por acidente.

"Será o nosso segredo", ela promete à dama de companhia da rainha enquanto recebe a bolsa com um frasco cheio de líquido. O bastante para--- Meu bom Deus! O bastante para acabar uma gravidez! Ela chora. Devo ter pego do banheiro dela por acidente, pensando que era meu. Se ela souber...

Nosso segredo. Claudia promete. Claudia sorri. Eles agradecem e lhe entregam a bolsa. E lhe entregam a bolsa. E lhe entregam a bolsa. De novo. E de novo.

***

Claudia come bem. Sua mãe vendeu os diamantes. "Um presente do castelo", ela diz. Ela sorri. O telhado foi concertado. Suas roupas foram remendadas. Eles compraram uma vaca.

"Está orgulhoso de mim, pai?", Claudia pergunta. Claudia sorri.

E seu pai lhe responde sim.

***

"Então, você é Claudia, a Feia", diz a rainha, encarando a moça.

Claudia assente. Claudia sorri. Claudia anda muito bem com as próprias pernas, apesar do que diz seu nome.

O rei ri, em alto e bom som. Não é um homem belo, mas mal conseguem perceber por trás do brilho de sua coroa. O rei esconde a feiura atrás de coroas de ouro e capas pesadas, Claudia sabe bem.

"Não consigo achar um só testemunho contra você", diz o rei. "Eles dizem: se quer algo feito, peça para Claudia, a feia."

"Se eu puder servi-lo, Majestade", Claudia diz, curvando-se perante o casal. "Seria uma honra"

"Não", responde a rainha. A rainha é bela, e não olha para ela.

"Apenas para a limpeza", determina o rei, sorrindo para ela. "Deixe a menina feia fazer o serviço feio."

Claudia sorri.

"Como desejar, vossa Majestade", ela diz.

***

Belas mulheres são notadas, você nunca para de notá-las. Elas te prendem, e querem que você as agrade. Você quer também.

Belas mulheres também são notadas, você nunca para de notá-las. Elas te prendem, e você quer que o agrade. Não é tão difícil agradar você, elas só precisam dar o que você acha que quer.

***

"Claudia, a Feia", o rei dia. O rei ri. "O que é gosto em você é que você nunca chama a atenção. Eu mal percebo que você está aqui!"

Claudia sabe que ele está mentindo. Mas ela aprendeu bem a fingir que fosse isso mesmo. Ela não passa desapercebida, mas simplesmente desinteressante. O suficiente para não marcar a memória.

"Decerto, Majestade", ela diz.

Ele corre os dedos pelas cobertas. "O que é isso?", pergunta ele, tirando a bolsa de Claudia dentre as camadas.

Ela mantém os olhos no chão, esfregando.

Uma dose antes de se deitar, diz o papel. A gravidez acabará em sangue.

"A gravidez acabará", o rei lê a mensagem e voz alta. "A gravidez acabará... A gravidez acaba---"

Claudia olha para cima. Ela espera.

Os olhos do rei encontram os dela. "Não conte a ninguém", diz ele, e Claudia sorri.

"Majestade, será nosso segredo", ela promete.

***

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***

No dia da morte da rainha, e da morte do irmão do rei, Claudia permanece no castelo. Ela limpa, e espera. Ela tem o cuidado de estar no quarto do rei quando ele retorna, de olhos inchados. Bêbado.

"Claudia, a Feia" ele ri enquanto ela o acomoda na cama. "Ela era muito bonita. Ela mentiu. Sua beleza mentiu, ela--- Você nunca mentiria."

Claudia sorri. Ela toma uma liberdade que ela nunca fez antes, e afasta uma mecha do cabelo da face dele. "Nunca, Majestade", ela promete.

"Sua cara feia esconde um coração bonito", ele diz, e Claudia ri.

"Por favor, não conte a ninguém, Majestade", ela brinca.

"Não Claudia, não. Será o nosso segredo."

***

No casamento, Claudia não tenta ser bela. Ela se veste com simplicidade. Eles adoram-na por isso. Claudia, a Feia, e seu belo coração.

O cozinheiro chora, o ajudante chora, o mensageiro chora, a dama de companhia chora. Claudia, a feia, tem sido tão gentil com eles. Claudia, a feia, guarda seus segredos.

Eles ficam no altar, Claudia e seu rei. Ele olha para ela e sorri, tão apaixonado, tão confiante, tão certo. Uma mulher como Claudia nunca poderia trai-lo. Uma mulher como Claudia é certamente grata. A gratidão é lealdade. Gratidão guarda seus segredos.

Claudia sorri.


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