Véu escrita por themuggleriddle


Capítulo 1
véu


Notas iniciais do capítulo

Porque hoje/ontem foi Samhain e eu não consigo comemorar, então aqui está uma coisinha.

Para Thams, que me deu o prompt e que é minha referência pra essas paradas.



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Tom nunca comemorara o Halloween direito.

Quando era pequeno, não havia criança alguma com a qual podia brincar em sua casa e era tímido demais para descer até a vila e brincar com os filhos dos moradores de lá. Quando foi para Eton, a maioria dos garotos tentava parecer mais maduro e evitava comemorar a data, além de que os professores e padres não pareciam gostar muito de tudo aquilo. Quando foi para a faculdade, estava ocupado demais para se lembrar de que era Halloween. Depois de Merope, o medo que tinha de magia e bruxas era demais para arriscar comemorar.

Não tinha idéia de como era a tradicional noite de Halloween com crianças fantasiadas batendo de porta em porta para pedir doces, decorações de bruxas e demônios e gatos pretos nas casas, abóboras esculpidas, etc. O que conhecia daquela noite era o que via em casa: seu pai continuava fazendo o que tinha que fazer e sua mãe, de vez em quando, tirava um tempo para ficar apreciando antigas fotos de familiares e amigos que já haviam falecido.

“Algumas pessoas acreditam que ficamos mais perto deles hoje,” ela lhe disse, quando perguntou a razão de ela sempre desenterrar aquelas fotos antigas naquela noite.

***

Naquele Halloween, Tom teve a visita da única bruxa que nunca mais queria ver. Sonhar com Merope era comum, mas cada sonhe parecia ser o primeiro: o medo nunca diminuía, nunca conseguiu aprender a controlar a respiração mais rapidamente depois de acordar, sempre demorava para perceber que havia acordado.

Como sempre, não queria voltar para a cama depois de um sonho daqueles. Não queria deitar debaixo das cobertas e ficar com medo de sentir as mãos de Merope em si ou de ouvir o sussurro dela ao fechar os olhos novamente.

Uma visita dela era o suficiente para acabar com a sua noite.

***

Estava nublado e uma neblina fina cobria a estrada de terra que saía de Little Hangleton e ia até Hornsea, a cidade vizinha. Se fosse em Londres, Riddle não arriscaria sair para caminhar durante a madrugada... Mas estava no interior de East Yorkshire e o pior que poderia acontecer era ser atacado por uma coruja ou se assustar com alguma raposa.

Ele se perguntava quantas vezes já havia feito aquele caminho no meio da noite, nos momentos de insônia ou quando tinha medo de voltar a dormir. Já conseguia se guiar pela estrada durante a noite mesmo quando não havia lua alguma para iluminar os arredores, além de já saber a que altura ficava a casa dos Gaunt: quando atravessava o pequeno riacho e via um antigo salgueiro que parecia chorar sobre a estrada, sabia que era hora de entrar por entre as árvores do bosque para evitar passar na frente da casa da família de Merope.

O bosque também havia se tornado familiar: o som dos grilos e das corujas o acalmavam e o cheiro do mato parecia limpar o seu peito da maioria dos sentimentos ruins. Era engraçado pensar que, quando garoto, raramente entrava ali e agora, com quase quarenta anos, se aventurava por entre as árvores e se fascinava com coisas simples como as flores, os olhos brilhantes das corujas que de vez em quando o observavam ou as estrelas que de vez em quando se faziam presente no céu escuro que via por entre as copas das árvores.

Naquela noite, no entanto, as corujas estavam silenciosas, assim como os grilos. E a escuridão do bosque não era completa: assim que se embrenhou no matagal, viu, por entre as árvores, uma luminosidade alaranjada que era acompanhada do som crepitante da lenha sendo queimada.

A curiosidade, como dizia sua avó, parecia ser algum tipo de maldição entre os Riddle. Seu avô, por outro lado, dizia que aquela curiosidade era uma benção.

***

Em uma situação normal, seu instinto seria correr de volta para casa e fingir que não havia visto nada. O que fez, no entanto, foi o completo oposto: permaneceu parado entre as árvores, observando o que se passava na clareira, paralisado, fascinado demais para dar ouvidos à parte lógica de sua mente.

Havia uma pequena fogueira acesa e o calor do fogo era bem vindo naquela noite fria. Havia também um caldeirão posicionado sobre as chamas e dali se erguia espirais de fumaça que exalavam um cheiro doce. Mas a fogueira e o caldeirão estavam longe de ser o que o fascinara mais.

Uma mulher estava ajoelhada de frente ao fogo, com o corpo esticado enquanto jogava o que pareciam ser ervas dentro do caldeirão e murmurava algo que ele não conseguia distinguir. Não era ninguém da vila, mas parecia estranhamente familiar e a primeira coisa que surgiu em sua mente foi uma vontade engraçada de desenhar ou pintar aquela cena, pois era uma bela visão: o fogo crepitando, a fumaça subindo do caldeirão e a mulher parecendo extremamente concentrada, usando um vestido azul longo e diferente, com os cabelos negros soltos e caindo feito uma cascata escura por suas costas; os olhos dela pareciam brilhar mais do que o normal enquanto refletiam a luz do fogo.

A segunda coisa que lhe veio em mente foi que ele devia sair dali, pois aquilo parecia algo a ver com magia. A terceira, que magia nunca parecera tão fascinante.

***

"O senhor não devia ficar observando as pessoas em florestas."

A mulher logo o viu. Bom, claro que iria vê-lo sem demora, pois Tom bem tentara se esconder. A única coisa que o escondia era a concentração da mulher e, uma vez que está foi quebrada, ela o viu.

"Vamos lá, aproxime-se," ela pediu, acenando com uma mão.

Riddle o fez, não sabendo exatamente o por que. Devia sair dali, mas sua curiosidade o compelia a se aproximar para ver o que a desconhecida estava fazendo. Além disso, estava se sentindo estranhamente bem... Sua respiração estava calma e seu corpo, relaxado. Estava confortável.

Agora que estava mais perto e conseguia ver melhor o rosto da mulher, via que ela era muito bonita. Os olhos, apesar do reflexo das chamas, eram claros (talvez azuis ou verdes ou cinzas) e o rosto pálido contrastava com os cachos negros que caíam ao redor deste. A princípio ela parecia quase séria, mas tal expressão pareceu ruir por alguns segundos enquanto ela o observava, dando lugar ao que talvez fosse surpresa.

"Qual o seu nome?" ela perguntou, baixinho, ainda o encarando.

"Tom," ele respondeu, vendo os lábios dela se entreabrirem e a surpresa em seus olhos aumentar. "O que houve?"

"Conheci um Tom uma vez," ela falou, sorrindo fraco. "Um amigo. Ele seguiu para outra aventura e eu prometi encontrá-lo mais em frente... Acabei me perdendo no meio do caminho."

"Oh... Espero que consiga alcançá-lo," disse Riddle.

"Vou dar um jeito de fazer isso. Afinal, sempre dou um jeito, não é?" Ela riu fraco, antes de limpar a garganta. "Mas agora já fico mais tranqüila, descobri que ele está bem."

"Bom, isso é ótimo," o homem falou, sorrindo meio sem graça.

"Aliás, meu nome é Rowena," ela falou, antes de apontar para o espaço vazio ao seu lado. "Sabe que noite é essa, Tom?"

Riddle franziu um pouco o cenho, antes de ajoelhar-se ao lado da mulher, ouvindo as folhas secas estalarem sob os seus joelhos. Parte de si ainda se perguntava o que fazia ali.

"Noite das Bruxas, Halloween, Samhain... Tem tantos nomes que nem sei direito como chamar," ele falou, vendo-a sorrir largo.

"Você conhece Samhain," ela falou. "Comemora?"

"Ahm... Não exatamente." O homem encolheu os ombros. "Tudo tem muito a ver com... Magia. E eu... Ah, não, é só que não é um costume meu."

"Não gosta de magia?"

"Eu não..." Ele começou a falar, antes de erguer o rosto para olhá-la. "Se eu lhe falar que acredito em magia, vai me achar louco?"

"Não é você queimando ervas em um caldeirão no meio da noite," ela murmurou, sorrindo de lado e o fazendo rir também. "Mas então... Magia?"

"Não sei se posso chamar exatamente de magia, mas... Bruxas...? Vamos dizer que, se elas existem, não tive uma experiência muito boa com uma delas."

"O que exatamente é magia pra você?"

"Não sei... Fazer outra pessoa fazer algo que você queira? Poções mágicas? Transformar gente em animais?" Ele perguntou. "Mudar a mente dos outros..."

"Me dê a sua mão." Ela segurou a mão que ele lhe estendeu e sorriu. "Feche os olhos."

Tom a olhou por um longo momento, antes de respirar fundo e fazer o que ela pedira. Sentiu, pela primeira vez, seu coração acelerar com a expectativa, antes de sentir uma sensação leve de formigamento e calor em sua palma.

"Se eu lhe disser que isso é magia," murmurou Rowena. "Você vai me achar louca?"

"Não sei..." ele falou.

"Magia é como energia. Tudo tem energia, tudo tem magia," ela explicou. "Algumas pessoas a usam... Algumas usam para o bem, outras para o mal. Mas a magia pura é.. Neutra."

"Era isso que estava fazendo aqui?" Perguntou Riddle, abrindo os olhos. "Magia?"

"Mais ou menos isso." Ela sorriu.

"Comemorando o Samhain?"

"Sim."

"Oh..." Tom ajeitou-se melhor no chão, olhando para a própria mão entre os dedos dela e sorrindo fraco enquanto ainda sentia o calor confortável em sua pele. "Eu devia estar com medo de você."

"Por quê?"

"Porque você faz magia," ele falou. "Porque eu já vim para esse bosque no meio na noite porque não conseguia dormir por causa de uma bruxa..."

"Prometo não machucá-lo se não me machucar também," disse Rowena, apertando de leve a sua mão e sorrindo para ele. "Está uma noite bonita... Fresca, as estrelas aparecem de vez em quando, a lua está combinando com a data." Ela apontou para a sua amarelada, que formava a metade exata de toda a sua circunferência.

"Achei que bruxas gostassem de luas cheias..."

"Todas as suas tem as suas propriedades," a mulher explicou. "Mas a lua minguante... Metade dela está escondida, enquanto a outra metade está se mostrando para nós. O mundo é assim: nós vemos boa parte dele, mas sempre há algo escondido. Além de que... A parte escura já está entrando na metade sombria do ano."

"Na noite de Samhain os dois mundos se encontram," murmurou Tom, quase sem perceber. "Quero dizer, foi isso que li..."

"Sim. O mundo dos vivos e o mundo dos mortos, o mundo sem magia e o mundo fantástico... As coisas se sobrepõem nessa noite, o véu que divide tudo fica mais fino e nos permite ver através dele e, às vezes, até alcançar o outro lado," ela murmurou, apertando a mão dele novamente.

"É um conceito bonito..."

"É uma noite bonita," disse Rowena, antes de sorrir de lado. "O que acha de uma companhia pra ela?"

***

Tom nunca soube dizer exatamente se aquilo tudo fora apenas um sonho ou se realmente acontecera. O mais interessante era que, se fosse um sonho, havia sido um bom sonho, algo que o fizera acordar bem na manhã seguinte, tranquilo e ainda encantado com o que havia acontecido.

A mulher de cabelos negros - a bruxa, Rowena -, havia lhe contado sobre a lua e as estrelas, havia lhe explicado o que estava fazendo e lhe ensinado a prestar atenção nas estrelas. Haviam conversado enquanto ela queimava mais ervas, antes de ela dançar... E ali Tom queria, de novo, ter algo com o que desenhar, pois era uma imagem digna de ser eternizada em algo mais confiável que a sua mente. Rowena o chamou para se juntar a ela e ele foi, por mais que não soubesse o que diabos estava fazendo.

A mulher só demonstrou preocupação em ir embora quando o sol estava começando a surgir, a luminosidade amarelada deste se embrenhando por entre as copas das árvores e iluminando o que o fogo, agora apagado, havia iluminado antes. E Tom estranhou ao perceber que iria sentir falta daquilo, daquela mulher que ele mal conhecia, mas com quem se sentia incrivelmente confortável.

"Quem sabe eu volte no próximo Samhain," disse Rowena, antes de pegar a mão do homem e colocar algo ali. "Para lhe ajudar nos sonhos ruins."

Ela sumiu depois disso. Não simplesmente desapareceu no ar... Na verdade, Tom não sabia explicar o que aconteceu. Ele a viu se afastar, carregando o seu caldeirão e com as folhas secas estalando sob os seus pés descalços, até o momento em que Rowena pareceu simplesmente... Sumir, como se tivesse andando para longe demais e sumido de seu campo de visão, mesmo sabendo que ela não devia ter dado mais de dez passos.

O que sobrara, no final, fora uma lembrança que se assemelhava à neblina fria e leve que cobria os campos de East Yorkshire quando voltou para casa e uma pedra-de-bruxa que Rowena colocara em sua mão.


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Notas finais do capítulo

1- Samhain: no hemisfério norte, ocorre do anoitecer do dia 31 de Outubro até o anoitecer do dia 1˚ de Novembro, enquanto aqui no hemisfério sul vai do anoitecer do dia 31 de Abril até o anoitecer do dia 1˚ de Maio; é a chegada do outono, a época da última colheita e o início da ~metade sombria~ do ano. Acredita-se que, nesse dia, o nosso mundo e o "mundo de lá" (dos mortos, dos seres fantásticos, das bruxas, etc) estão mais conectados, por isso nesse dia são honrados os antepassados, etc. É considerado o Ano Novo celta, se não me engano, e a tradição de usar fantasias feias no Halloween vem do pessoal que usava máscaras assustadoras pra espantar os espíritos que poderiam estar andando por aí nesse dia/noite;

2- Pedra-de-bruxa: uma pedra que naturalmente tem um furo no meio; dizem que ajuda a espantar pesadelos e você consegue ver o ~outro mundo~ através do buraco nela, também serve de proteção;

3- http://8tracks.com/captainbrax/a-thin-veil se alguém quiser

4- Rola algumas referências bobas à outra fic minha ("a águia e a raposa") ao longo da história porque eu não sei me controlar


A imagem que eu tenho dessa fic é uma coisa bem... Over the Garden Wall (minissérie do cartoon network que passou ano passado na época do Halloween), porque OTGW passa bem o que eu associo com o Halloween/Samhain: cores apagadas (quase um sépia), animais característicos, músicas meio melancólicas, noites meio sombrias, etc.

Don't judge the ship, they're my babies.

Espero que tenham gostado, reviews são sempre bem vindos ♥



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