Coração de Vidro - Trilogia escrita por Angie


Capítulo 5
Capítulo 4




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Todo mundo sofre

Você não está sozinho

R.E.M - Everybody Hurts

Cristal

Bem, talvez fosse uma boa ideia voltar a dançar, ao menos me distrairia. Peguei as sapatilhas com Mariane e fui em direção ao closet.

– Me espere por um momento. – pedi me fechando lá dentro.

Percorri o olhar diante das várias seções de roupas que haviam por ali e encontrei rapidamente o que eu queria. Alisei o tecido do vestido com as pontas dos dedos, com o que quase me parecia reverência.

O vestido era branco e de um tecido leve e translúcido. O decote era comportado e a saia constituída por várias camadas soltas que iam até os tornozelos. Ele era lindo. E havia sido um presente do meu pai para uma apresentação importante.

Vesti-me com ele e amarrei as sapatilhas.

– Não é a vestimenta correta para o balé clássico – falei saindo do closet e Mariane me olhou com um sorriso. – mas, faz o meu estilo.

– Ah, amiga! Você está linda!

Amiga? Bem… ela era bem animada.

Mariane me pegou pela mão e me puxou em direção a porta do quarto.

Descemos as escadas numa velocidade assustadora, pois ela ainda me puxava pela mão e recebemos olhares de Felipe e Esther ao chegar na sala. Eles pareciam estar conversando, mas interromperam-se quando nos viram. Eu não sabia como me sentir em relação a isso. Sei que tenho minhas desavenças com meus avós, mas não acho que possua o direito de sabotar o relacionamento de Felipe com eles. Espero apenas que eles não o magoem.

Com um sorrisinho no rosto, Esther me olhou de cima a baixo.

– Você está linda, querida. – ela disse.

– Obrigada. – falei friamente. – Vamos, Mariane.

Dessa vez fui a única a puxá-la em direção ao estúdio.

Como aconteceu no dia anterior quando Lucas e Alana me mostraram aquela sala, fui invadida por uma certa nostalgia. Não sabia porque Marcus e Esther resolveram mantê-la mesmo depois que minha mãe foi embora, mas cada cantinho ali me fazia lembrá-la. Pensando bem… eles pareciam ter mantido intacto cada lugar daquela casa que a pertencia. Como seu quarto, onde eu dormia agora.

– Planeta terra para Cristal! – Mariane falou. Olhei para ela que estava parada perto de um som portátil. – É a hora do show.

Sorrindo posicionei-me e esperei que ela apertasse o play. No momento em que a doce melodia preencheu o silêncio, deixei a música me levar.

Lucas

Quando saí de casa, Alana e Cássio já tinham se acalmado, no entanto, ela o tratava com frieza e ele a provocava. Embora não parecessem muito felizes, aceitaram a proposta de ir ao café e Cássio se ofereceu para nos levar, para o desgosto de Alana, claro.

Agora, de frente a porta da casa dos avós de Cristal, eu imaginava se era realmente uma boa ideia levá-la comigo e por fim decidi que seria. Tudo bem que talvez minha irmã pudesse mesmo insinuar algo que a deixasse sem graça, mas eu não acreditava que Cristal se deixaria afetar por coisas tão insignificantes quanto brincadeiras infantis.

Toquei a companhia e esperei que alguém abrisse a porta.

– Olá, Lucas. – disse Iolanda sorrindo e saiu de frente da porta, me convidando a entrar. – Veio falar com Cristal?

Parece tão óbvio?

Claro, eu nunca venho aqui sozinho, estou sempre com algum de meus irmãos ou irmãs, então acredito que esse seja um forte indício.

– Vim convidá-la para ir ao café da Marta com a gente. Ideia da Larissa. – acrescentei tardiamente e franzi a testa. Meu tom me pareceu um pouco defensivo demais para o meu gosto.

– Claro, aquela garota é muito doce. Cristal vai adorar.

– Bem, se ela aceitar…

– Oh, acredite, ela vai. Venha comigo.

Segui Iolanda até que comecei a ouvir o som de música. Quando chegamos ao estúdio, vi Esther parada a porta segurando a mão de Felipe. Ela carregava um sorriso trite nos lábios.

– Ela parece tanto com a mãe. – disse-me quando me aproximei.

Quando olhei para dentro do estúdio, quase esqueci de como se respirar.

Com uma graça quase impossível, Cristal dançava em meio a sala. Nas pontas de suas sapatilhas ela parecia uma doce fada. Cada movimento dado era de suavidade hipnótica e não consegui desviar o olhar por instante algum. Tudo parecia ser executado com tanta paixão que seria impossível alguém não se emocionar.

A medida que a música se tornava mais dramática, os passos passavam a ser mais rápidos e rigorosos, no entanto, pareciam de alguma forma transmitir ainda mais sentimento que antes. Parecia-me a interpretação de uma tragédia talvez. No início algo doce, porém com um triste fim.

Quando a música cessou, Cristal abriu um sorriso olhando para Mariane, ao som de nossas palmas.

– Isso foi incrível! – Mariane disse devolvendo seu sorriso.

E foi então que Cristal olhou para mim, com um sorriso cálido, no entanto surpreso, e droga, se for possível se apaixonar por alguém de maneira tão repentina, acho que me apaixonei por essa garota, pois no instante seguinte, me vi reformulando a frase de Mariane:

Você é incrível.

Cristal

Fiquei surpresa ao notar que Lucas me assistia e um pouco confusa com o olhar em seu rosto. Sempre gentil, no entanto… diferente. Pude reconhecer em suas palavras a admiração que vira tantas vezes vindo de outras pessoas, mas havia algo mais. Algo que não consegui decifrar. Como sempre.

Esther estava ao seu lado, mas logo saiu levando Felipe consigo. Parecia triste e por algum motivo aquilo me incomodou.

– Querida, poderia vir comigo? – perguntou Iolanda se dirigindo a filha.

– Claro. – ela disse e acenou para mim. – Tchau, Cristal. Adorei a dança, espero ver isso mais frequentemente.

Então mais que rapidamente foi em direção a porta, parando apenas para sussurrar algo para Lucas que sorriu e em seguida saindo de vista.

Eu e Lucas estávamos sozinhos e ele parecia me analisar o que me deixou um pouco nervosa. O silêncio entre nós estava me deixando um pouco desconfortável, por isso decidi quebrá-lo eu mesma.

– Obrigada. – agradeci ao que ele dissera anteriormente. – Não tinha te notado, mas fico feliz que tenha vindo.

– Cheguei a pouco, felizmente a tempo de te ver dançar. Você é realmente muito boa nisso.

Sorri.

– Mas o que te trouxe aqui?

Ele franziu a testa.

– Na verdade fui praticamente intimado a te fazer um convite.

Caminhei até ele, pois tinha me dado conta de que estava parada no meio da sala até aquele momento e me encostei no batente da porta.

– Eu realmente quero me trocar, então que tal subirmos e você me fala um pouco mais sobre esse convite?

– Para mim, está tudo bem. – ele disse, mas por um segundo me pareceu um pouco tenso.

Fiz meu caminho até a sala e subi as escadas com Lucas atrás de mim. Ninguém parecia estar em lugar algum, o que me pareceu um pouco estranho, mas considerando-se o tamanho dessa casa e a quantidade de pessoas que vivem aqui, realmente não era grande coisa. Abri a porta do meu quarto e convidei Lucas a entrar. Aquilo não era um grande negócio, eu já tive amigos em meu quarto antes, a única diferença é que nem um deles havia sido convidado apenas um dia depois de eu conhecê-los. Eu apenas não me sinto a vontade nessa casa ainda. É tudo muito diferente do que eu estava acostumada, no entanto, esse quarto me oferece conforto. Cada elemento presente me faz lembrar minha mãe e senti-la um pouco mais perto. É bom ter essa ilusão as vezes.

– Eu já volto. – falei e entrei em meu closet, fechando-me lá dentro e acendi a luz.

Tirei as sapatilhas e o vestido e o substituí por uma saia jeans branca e uma camiseta azul escura. Calcei sandálias confortáveis e saí do closet.

Lucas observava um porta-retratos que eu havia deixado encima da cômoda com um leve sorriso. Ele havia tirado o estojo do violão de suas costas e posto ao lado da minha cama.

– Posso entender o porquê de Esther ter dito que vocês se parecem. Não foi apenas pela dança.

Ele virou o porta-retratos para mim observando-me com atenção. Na foto estavam minha mãe e meu pai. Ele a abraçava por trás e ambos se olhavam nos olhos sorrindo um para o outro. Aquela era a minha foto favorita deles. Parecia ter sido tirada a tanto tempo…

Mamãe tinha cabelos vermelhos e olhos verdes como eu, mas sempre me achei mais parecida com meu pai. Não pela aparência – papai tinha cabelos e olhos castanhos. – mas, pela personalidade. E foi isso que eu disse a Lucas.

– Ele deve ter sido um bom homem então. – comentou pondo a foto em seu lugar.

– Foi sim. – sentei na beirada da cama e decidi perguntar-lhe sobre algo que estava me deixando curiosa já havia algum tempo. – Você toca?

Se o estojo de violão fosse uma indicação…

Ele assentiu.

– Na verdade isso tem um pouco haver com o convite que eu vim te fazer.

Ergui uma sobrancelha incentivando-o a continuar.

– Sou toda ouvidos…

Ele sorriu, mas não chegou a seus olhos. Com um gesto convidei-o a sentar ao meu lado e ele o fez.

– Larissa, a meia-irmã da minha ex-noiva, trabalha em um café aqui perto, mas ela está de folga hoje e nos convidou a ir lá. Alana contou a ela sobre você e ela quer te conhecer. É um lugar legal, você iria gostar.

– Ex-noiva? – indaguei, pois tinha parado de escutá-lo logo após o momento em que pronunciou tais palavras. Lucas parecia ser tão jovem para já ter sido noivo de alguém. – Não acha que é um pouco jovem demais para ter dado um passo tão grande?

Lucas ficou em silêncio por um momento e o olhar torturado em seu rosto me fez querer retirar minhas palavras assim que as proferi, no entanto ele respondeu:

– O nome dela era Amanda e eu a amava mais do que tudo. Tinha certeza que queria passar o resto dos dias da minha vida do lado dela, então a pedi em casamento. Seria perda de tempo esperar mais. – ele levou a mão ao pescoço e puxou uma corrente de prata que estava oculta sob a camisa. Havia uma delicada aliança dourada transpassada por ela. – Infelizmente descobrimos a doença logo depois. – soltou a corrente. – E ela terminou comigo.

Aquilo me chocou.

– Eu sinto muito. – falei sinceramente. Minha voz foi quase um sussurro.

Lucas comprimiu os lábios.

– Infelizmente ela não resistiu, a leucemia a matou. Já faz um ano.

Meu suspiro foi audível. Pus minha mão sobre a dele num gesto que tentava lhe oferecer força e ele virou a dele, encaixando nossas palmas. Meu coração se sentia apertado e meus olhos queimavam com lágrimas, fazendo-me piscar repetidamente para contê-las. Tudo aquilo parecia tão errado. Pessoas como Lucas não deviam passar por algo como isso… exceto que todos nós somos humanos. Ter um coração que pulsa já nos torna sujeitos a dor, é como um efeito colateral da própria vida.

Sentimentos.

Mas é isso que nos torna humanos. Nos traz de volta ao ponto de partida.

Pensei na primeira vez que o vi. Eu estava tão cega com a minha própria raiva que a única coisa que me preocupei de checar foi o seu exterior. Lucas me parecia sorrir tão facilmente, apenas mais um garoto comum com o que chamou minha atenção pelo seu sorriso. Alguém que nunca seria capaz de compreender a dor que sinto. Mas agora eu entendo… Lucas também sofre por algo. Ele também tem seus próprios demônios. Dizem que os olhos são a janela da alma e se isso for mesmo verdade, pelo olhar sofrido que ele tentava esconder, eu diria que a dele estava ferida e que seria um longo tempo até que ela se curasse. Como a minha.

– Me desculpe. – falei por impulso e ele me olhou confuso.

– Pelo quê?

– Me sinto novamente uma idiota. Te julguei mal quando nos conhecemos ontem e sinto muito por isso.

– Você já me pediu desculpas.

– Sim, mas… me parece diferente agora. Não é apenas por educação, mas porque acho que compreendo você. Entendo porquê foi tão compreensivo comigo, ao mesmo tempo em que me tratou com tanta naturalidade. Você sabe sobre meus pais, sobre o Gabriel, mas não me olha com pena como muitos outros fizeram, por entender por experiência própria que ninguém quer piedade. Eu agradeço por isso. – falei mais baixo. – E te admiro por tentar seguir em frente quando eu não pude.

– Você está errada. – dessa vez fui eu quem lhe olhei confusa. – Eu não queria seguir em frente. Ao menos não até pouco tempo atrás. – apertou minha mão. – E então, aceita ir ao Café? Alana e um amigo meu também irão, vai ser divertido.

Assenti, vagamente surpresa devido a repentina mudança de assunto.

– Claro. – abri um sorriso que eu esperava que parecesse tão verdadeiro quanto eu gostaria e me levantei. – Eu adoraria.


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