Se meus olhos pensaram em abrir em algum momento, que isto então não passasse de um vil pensamento, pois agora, mais do que nunca eu esmagava-os para continuarem fechados.

A voz que torneou meus ouvidos fez meus músculos enrijecerem e relaxarem. Um espasmo momentâneo cortou minha espinha e deu uma brusca agulhada no meu cérebro. Parecia que eu estava me afogando novamente, mas não era um emaranhado de algas que me cercavam, mas sim uma onda de pensamentos que fizeram a maré subir rápido de mais e eu era novamente traída pela minha cabeça. Feito uma tola.

Era a voz dele que não me deixava em paz novamente. Era a droga do sussurro tenso e melodioso dele que murmurava meu nome como se essa atitude o inocentasse de qualquer traição que minhas esperanças sofreram. Não, porque só aquele timbre traiçoeiro me fazia provar do doce e do amargo em questão de segundos, trazendo a minha própria e infiel realidade, as dores tomadas de uma infância mágica e tão passageira que foi e levou com ela toda a minha vontade de ser o que eu já fui, mas que até então eu não consegui ser novamente. Plena. Sim, uma Sakura não só plena, mas também completa e satisfeita por se sentir alguém que realizasse os feitos mais prazerosos da vida, sem temer, sem recuar e sem deixar de pensar que o momento mais feliz de todos pode sim existir e que não custa nada lutar contra uma maré que sempre tenta nos dar uma rasteira e nos provar que o néctar desta vida não vale nada.

E, por mais que as circunstâncias me enrolaram em um novelo de lã, eu consegui me manter dentro do meu próprio casulo e permanecer inerte e descordada nos braços do Shaoran. Se antes meus pés ainda fingiam me sustentarem, agora eles desfaleceram por completo. Neste segundo pude sentir os braços dele se envolverem mais em torno do meu corpo, procurando me sustentar. E não fazia isto para provar da situação, mas sim para ter tempo o suficiente para entender o que se passara, pois meus pensamentos gritavam, ou melhor, berravam insanamente milhares de frases juntas e eu precisava traduzi-las antes de tomar qualquer atitude.

Foi assim que eu fiquei por uns bons segundos, apenas sentindo as reações do corpo dele.
De início, senti seus braços tensos e descompassados com o tom de sua voz, mas logo ele murmurou algo novamente, talvez um “não” bem fraquinho, ao mesmo tempo em que eu senti meu corpo se afastando do seu peito e encontrando a grama fria. Pude sentir minha cabeça sendo ajeitada sobre sua perna e suas mãos grossas acariciando meu rosto. Novamente um grunhido, que me pareceu um ‘’socorro”, mas sem garantias de resposta.
Acho que senti meus pelos me traírem e arrepiarem, mas creio que isto tenha sido insignificante perante ao nervosismo que Shaoran. Sim, ele parecia extremamente tenso. Bem, eu estava desacordada para ele, então ele deveria mesmo estar tenso por ter talvez matado uma garota.

Mas e daí? Ele não gostava de mim mesmo...

Mas, o que ele fazia ali, naquele momento que era só meu e da Tomo?

A minha vontade era de abrir os olhos e descer um carreirão de perguntas e mais perguntas. Eu tinha sede por saber. Eu precisava saber.

Minha teimosia de permanecer desacordada não iria durar muito mais tempo se dependesse da minha insana curiosidade, mas foi então que meus pensamentos ficaram em silêncio novamente pois a voz dele voltara a falar. E tinha raiva de ouvir aquela voz que servia como uma droga para inflar os meus pulmões, mas ao mesmo tempo em que eu tinha um ódio brotando dentro de mim, sua antítese me completava.

- Sakura, por favor, não vou deixar que você não ouça o que eu tenho para lhe dizer. – ele poderia sair correndo e procurar socorro, talvez porque esta fosse a coisa mais óbvia de se fazer. Mas não, a cabeça de garoto não o permitiu isto e a vontade de provar a sua coragem na certa gritou mais alto. E então ele impulsionou meu tórax com força e um golfo de água brotou pela minha garganta. Nem eu sabia que ainda estava afogada, e esta sensação me deixou um pouco aflita.

- Vamos lá Sakura, eu sei que você é forte o suficiente para superar um afogamento. Logo você que é a garota mais incrível que eu já conheci. Sei que você é forte para superar isto, vamos... – e novamente ele apertou meu peito e eu senti aquele líquido sair dos meus pulmões que agora se inundavam inteiramente de ar.

Ele parou de pressionar meu corpo. Pronto, era esta a brecha perfeita para eu abrir meus olhos e encará-lo com toda a realidade que nos cercava. Era a hora de colocar em jogo tudo o que se passara para somente assim poder compreender algo que até então estava confusamente confuso na minha cabeça, que se tornara pequena diante a tantos acontecimentos.

A pausa foi duradora de mais e quando eu senti minhas pálpebras firmes o suficiente para se abrirem, o ar fugiu dos meus pulmões ao sentir uma respiração ofegante muito próxima de mim. O ritmo, o calor e a tensão dos braços de Shaoran estavam nitidamente traduzidos no breve instante que fez com que talvez uma tentativa desesperadora de socorro unisse os lábios dele com os meus. E eu gelei, sem reação.