Só digo que Flávia e Beto saíram correndo. Nós iríamos dali a pouco, por que ainda estávamos de pijamas. Sara estava tão feliz que só faltava sair glitter de seus olhos. Foi uma analogia estranha, mas é isso o que parecia. Trocamos de roupa rapidamente e seguimos para o hospital. Graças a Deus que não tinha transito e a recepcionista sorriu para nós quando chegamos lá.

– Bom dia para vocês, garotas. – Ela riu quando viu Sara concordar animadamente com a cabeça. – Aqui está. – Nos entregou os adesivos e quase corremos para o elevador.

Um médico que já nos conhecia sorriu e só apontou para o lado do corredor. Acho que mesmo nos conhecendo e sabendo que não é nossa primeira vez ali, eles adoram guiar as pessoas pelo hospital. Bom, vai entender. Entramos no quarto sem perder tempo e vimos Nicolas ali.

Com os olhos abertos.

No momento em que seus olhos caíram sobre nós, os cantos de seus lábios formaram um pequeno sorriso. Sara teria se jogado em cima dele se seu pai não tivesse a segurado.

– Me desculpa Nicolas. – Ela se desvencilhou dos braços de Beto e se sentou na cama. Eles tinham tirado boa parte dos tubos e agora ele só estava com os eletrodos no peito e o soro no braço direito. Ele olhou confuso para mim e eu sorri. – Me desculpa.

Ele estava sentado na cama e Sara apoiou a cabeça em seu colo. Ela deveria estar explodindo em felicidade. Mesmo não entendendo nada ele passou a mão nos cabelos dela com cuidado. Sua pele não estava mais tão pálida e ele tinha um brilho no olhar.

– Nós vamos deixar vocês aqui por enquanto – Beto disse e saiu com Flávia atrás dele.

Nicolas pousou os olhos em mim quando seus pais saíram e o sorriso que me dirigiu fez meu coração acelerar. Era somente a felicidade de vê-lo bem, certo? Sara fez um gesto para que eu me aproximasse mais e eu dei alguns passos relutantes na direção deles.

– Nicolas, a gente... – Eu olhei para ela e não acreditei no que ela ia falar. – A gente achou essa caixa...

– Cheia de brinquedos de quando éramos crianças e cara foi uma nostalgia tão grande. – Eu sorri e ele nos olhou meio confuso. Sara me dirigiu um olhar sem entender o que eu estava falando, mas apenas continuei. – Trate de ficar bem logo para dar uma olhada com a gente, ok? Além de que tem milhares de álbuns que lançaram que você perdeu.

Ele revirou os olhos e sorriu para mim. Beto entrou com um médico e nós tivemos que sair do quarto. Demos tchau para ele que simplesmente sorriu. Ele não tinha pronunciado uma palavra, mas eu acreditava que não fosse nada sério. Assim que fecharam a porta, Sara virou para mim.

– Por que você me cortou?

– Sara, ele acabou de sair de um coma. Ele deve estar confuso além de que não sabemos se ele esta com sequelas ou outras coisas. Imagina se você trás a tona um assunto como esse, traumático pra caramba, e ele piora. – Eu falei e ela arregalou os olhos.

– Nem pensei nisso. – Ela disse e bateu na própria testa.

– Só tome mais cuidado. – Eu peguei sua mão e a apertei levemente.

De repente o médico e Beto apareceram e todos nós seguimos para o consultório dele. Eu estava com um pouco de medo do que quer que ele fosse falar, eu não queria que Nicolas tivesse sofrido qualquer coisa. Mas, enfim, nós entramos na sala e eu quase fiquei cega de como era branco lá dentro.

– Então pais. – A voz do médico era grossa e ele em si não parecia ter mais do que trinta anos. – O que aconteceu foi que seu filho teve muita sorte. Após ter sido atropelado, ele bateu a cabeça no chão, mas não foi isso que levou seu filho ao estado de coma. – Beto e Flávia se olharam confuso e o médico suspirou. – Vocês não sabiam que seu filho tem diabetes e que a dieta que ele estava levando provavelmente não estava adequada?

– Diabetes...? Nós temos histórico de pessoas assim na família, mas nunca achamos que...

– Ela pode ter se desenvolvido enquanto ele estava na França – eu revirei os olhos quando me olharam. – Incrível, ele desenvolve uma doença e vocês nem ficam sabendo.

O médico, que não tinha nada a ver com a história, apenas nos dirigiu um olhar cansado e os pais de Sara baixaram a cabeça.

– Excesso de insulina e vários outros fatores extremos podem levar um diabético ao coma. Seu filho estava em coma, pois seu corpo estava tentando recompor os níveis de açúcar no sangue, mas vamos tratar do que é mais importante. – Ele dirigiu um pequeno sorriso para Flávia. – Seu filho acordou sem nenhuma sequela, mas ele ainda está bem confuso e vai demorar algum tempo para recuperar todas as memórias que teve recentemente, mas não é nada definitivo. O que mais pode acontecer é ele perder a atenção frequentemente e esquecer algumas coisas, mas não vai ser nada que atrapalhará a vida cotidiana dele. – Ele escreveu alguma coisa em seu laptop. – Vamos mantê-lo em observação aqui durante esta semana e faremos alguns exames, mas seu filho parece ser um garoto forte. Vai se recuperar rapidamente.

Aquele foi provavelmente o domingo mais feliz que tivemos em um bom tempo.

Quando saímos do hospital, fomos para a casa de Sara e todos nós estávamos com um bom humor. Ninguém tocou no assunto do sequestro para não arruinar o clima e eu acho que aquilo foi o melhor. Nicolas ter acordado foi uma ótima notícia para todos e logo Flávia ligou para minha mãe.

– Rexy? – Escutei Sara me chamar na sala, estávamos ligando o Xbox.

– Oi. – Eu estava na cozinha e logo fui encontrá-la.

– O que minha mãe está fazendo lá? – Ela perguntou para mim e eu comecei a ajudá-la a configurar o negócio que por algum motivo tinha desconectado.

– Flávia está ligando para minha mãe. – Eu disse dando de ombros e ela me encarou. – O que foi?

– Nada... Só que você não colocou o “Dona” na frente. – Ela sorriu e eu parei um pouco.

Eu tinha feito isso durante o dia inteiro, não tinha? De repente eu não queria mais colocar o “Dona” na frente do nome de Flávia, mas sinceramente... Quem liga para isso? Enfim, nós jogamos durante o resto do dia e eu fui para a minha casa já que Sara disse que ficaria bem lá.

Meus pais me pegaram e não demoramos a chegar ao prédio. O jantar foi tranquilo e tinha uma atmosfera feliz na cozinha. Nada realmente preocupante aconteceu e eu fui para o meu quarto cedo logo ligando o laptop para falar com Érica.

Ao invés de mandar uma mensagem primeiro eu simplesmente liguei esquecendo completamente da diferença de fusos horários, mas quando ela atendeu estava muito mais do que acordada.

– Caramba Roxanne, nunca te vi me ligar tão tarde. – Ela abriu um sorriso gigantesco e duas meninas apareceram atrás dela. – Estamos fazendo uma festinha aqui.

– Ah desculpe por interromper.

O cabelo escuro estava preso em um coque alto e eu podia ver o gatinho que já tinha crescido um bocado pendurado em seu ombro. As meninas atrás dela vestiam pijamas e dava para ver que Érica também usava um. Ela me olhou e sorriu mais ainda ao ver apenas a corrente no meu pescoço, eu estava deixando o pingente para dentro da blusa.

– Ai meu Deus! Você está usando! Não achei que fosse mesmo usar!

– É claro que eu usaria Érica. – Eu revirei os olhos e sorri um pouco. – Bom, acho que eu falo com você amanhã, tenho muito para contar.

Seus olhos brilharam e ela falou alguma coisa para as amigas dela, se levantou e mesmo sob meus protestos ela foi para o banheiro e exigiu para que eu começasse a falar. Eu suspirei e contei tudo para ela da forma mais rápida e resumida possível. Era até engraçado ver a expressão boquiaberta dela.

Não contei absolutamente tudo claro, como eu disse apenas uma versão resumida não deixando de lado o fato do sequestro de Nicolas. Ela ficou sem palavras por um tempo até que disse que eu estava passando por uma merda muito grande e que foi bom ela ter me mandado o colar agora.

– O que o colar tem a ver com isso?

– Sua pedra, Roxanne! – Ela revirou os olhos e com um pequeno sorriso continuou. – Andar com este pingente te dará mais coragem além de que o diamante é bom para estabilizar seus chacras. Sei que não acredita nisso – falou antes que eu pudesse soltar um comentário irônico sobre isso. – Mas vai funcionar independente da sua crença. Eu sei que para mim funcionou.

Érica era ligada nessas coisas de significado de pedras, flores e signos. Admito que não acredito muito nessas coisas, mas desde quando tínhamos onze anos ela me garante de que sua vida mudou quando começou a usar o colar de rose zircon.

– Bom... – Peguei o pingente na minha mão. – Espero que você esteja certa. Agora que Nicolas acordou, muitas coisas vão ficar complicadas. Sara quase fala o que descobrimos para ele... Eu tenho medo do que toda essa informação pode fazer com a mente dele, Érica.

Ficamos em silêncio por um tempo e uma voz a chamou.

– Pode ir, eu vou ficar bem. – Sorri e ela suspirou.

– Tudo bem... Qualquer coisa me manda uma mensagem. Vou querer falar contigo no dia do seu aniversário, viu? Fica de olho nesse Skype. – Piscou e mandou um beijo para a câmera. – Boa noite, chérie.

– Boa noite, Érica.

Com um pouco de sono eu desliguei a chamada e percebi que minha mochila com o material escolar estava na casa de Sara. Suspirei pensando que eu teria que acordar mais cedo para passar lá e buscar.

Por algum motivo eu estava me sentindo grudenta e fui tomar um banho rápido. Não lavei o cabelo por causa do horário, mas eu sabia que eu tinha que também lavá-lo de manhã cedo.

Tenho que fazer tudo amanhã, pensei enquanto me secava. Coloquei um pijama leve e gritei um “boa noite” para meus pais antes de entrar no quarto e fechar a porta.

Coloquei a cabeça no travesseiro sentindo logo meus olhos pesarem, mas antes de adormecer por completo eu me peguei sorrindo e pensando que tudo ficaria bem.