Pulsos Atados escrita por Anayra Pucket


Capítulo 14
Capítulo 13 - Devaneio - Mariana




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SÁBADO

Acordei debruçada sobre meu cobertor xadrez preto e roxo, ainda mais grogue que o normal, com a sonolência me matando.
Assim que me levantei da cama, meus olhos automaticamente correram para meu despertador. Eram 09h30 da manhã. Até que eu tinha dormido bem, considerando as minhas outras noites de insônia. Levantei ignorando a tontura que balançava meus sentidos, e lentamente fui até o banheiro. Encarei meu reflexo pálido no espelho sujo, lavei o rosto e comecei a escovar os dentes. Era sábado, ôôh vida boa sem escola nem nada para interferir no descanso, com exceção do...
Gelei encarando mais uma vez o espelho sem realmente estar prestando a atenção naquilo. O jantar do Richard, meu Deus eu tinha esquecido completamente! Será que eu tinha dormido e mamãe tivesse me carregado até ali ou... Repentinamente uma dor começou a latejar em minha cabeça, me impedindo de pensar mais.
Esfreguei minhas têmporas fazendo uma careta e girei a maçaneta do banheiro.
– Mãe?
Gritei alto com a voz falha pelo meu recente "despertar do coma". Como eu não podia me lembrar como eu tinha ido parar em minha própria cama?
O silêncio permaneceu até eu ouvir um solavanco vindo do quarto de Thammy.
Guiei meus passos até lá e parei na soleira da porta, contemplando Thammy totalmente encolhida em sua cama, escondendo o rosto com o cobertor rosa que eu costumava odiar porque atacava minha rinite constantemente.
– Thammy?
Ela não tirou a coberta da frente para que eu pudesse vê-la melhor, mas respondeu com a voz falha e baixa.
– O que você quer?
Meu coração tomou um ritmo acelerado e preocupado. Eu nunca tinha a visto assim.
– Já sei... Terminou com um dos seus namorados? Jake, Gus ou Tay?
Soei sarcástica, mas também interessada. Eu sabia que ela ia me cortar e dizer palavras estúpidas como sempre fazia.
– N-não... - Ela gaguejou se encolhendo ainda mais.
Me arrependi na mesma hora de ter achado que tudo era só mais um teatrinho dela. Era sério e alguma coisa tinha acontecido.
– O que aconteceu, Thammy? Você tá bem?
Desgrudei-me da soleira da porta e comecei a andar para perto da cama, e ela se encolheu com meu avanço ainda mais. O que estava acontecendo?
Ela não respondeu, e rapidamente me sentei na cama, ainda não podendo a ver seu rosto.
– Pode me contar, vou tentar compreender.
Teve uma vez que ela fez um escândalo porque a unha perfeita dela tinha quebrado. Eu ainda me perguntava o tempo inteiro como ela podia ser minha irmã.
Ela abaixou um pouco a coberta e pude ver apenas seus olhos cheios de lágrimas e inchados. Repentinamente ficou bem claro que ela chorou a noite inteira.
– Você tá de zombação comigo? - A voz dela era baixa e aparentava medo.
Medo de mim? Mas por quê? Minhas inúmeras dúvidas se aglomeravam uma por cima da outra em meu inconsciente.
– Por que eu zombaria de você? - Automaticamente encostei minha mão em seu rosto ainda metade coberto, afagando uma das lágrimas que transbordavam de seus olhos. - Eu não consigo me lembrar de ontem à noite, por algum motivo. A última coisa que me lembro é estar no seu quarto te procurando e...
Grunhi um gemido alto esfregando minha têmpora tentando amenizar a dor.
– Ontem à noite você estava vestida de um jeito totalmente diferente. Você estava com aquele vestido lindo que eu sempre invejei da tia Tessey, toda maquiada e roqueira. Pensei que você tinha enlouquecido, e... - Ela hesitou por um instante, e eu apertei sua mão esquerda como um gesto pra ela continuar. - E então você pediu meu carro emprestado, na maior arrogância, e eu não podia deixar de ser a que despreza e então comecei a discutir com você.
Eu não conseguia processar as palavras que ela dizia, meu cérebro parecia ter perdido todos os neurônios. Ouvir aquela história toda... simplesmente não se encaixava comigo. Aquela Mariana a quem ela se referia não podia ser eu.
– Thammy, por favor, me explica melhor. Olha, eu não consigo me lembrar dessa nossa discussão, nem ao menos sei como eu fui parar na minha cama... Isso aqui tá parecendo um labirinto, pô eu to completamente perdida. Não tenho nem ideia do que você tá falando...
– Apenas escute, Mariana. Deixa eu terminar de contar depois a gente pensa no que você pode ter cheirado para ficar daquele jeito.
Não pude deixar escapar uma gargalhada.
– Eu não uso drogas e você sabe muito bem disso.
Ela também soltou uma risada irônica, mas forçada.
– Então você tem uma explicação melhor pra sua mudança de personalidade passageira de ontem? Se é que pode se definir assim?!
Aquilo me calou, e ela aproveitou o silêncio para dar continuidade.
– Nós discutimos feio, muito pior do que qualquer outra briga que já tivemos. Daí eu... - Ela soluçou sem conseguir se conter. - eu te chamei de ridícula quatro olhos e você perdeu a cabeça. Avançou pra cima de mim, me pegou pelos cabelos e com uma força que eu nunca imaginei vinda de você, pegou no meu pescoço e...
Thammy começou a chorar mais, e não pude evitar de chorar também. Mesmo sabendo que eu não tinha culpa nenhuma, não suportava ver minha irmã daquele jeito.
Mesmo depois de tudo o que eu pensava sobre ela, e de tudo que ela já tinha feito pra mim, eu a amava incondicionalmente. De alma e corpo. Eu via a "Mariana" que ela contava como um monstro, que eu estava determinada a extinguir, mas eu me esquecia a todo instante que aquela que havia a deixado nesse estado era eu. E ao mesmo tempo não era.
– E me forçou contra a parede me enforcando sem dó. Eu via a cor dos seus olhos no meio do sufoco, estavam vermelhos fluorescentes, bem vivos. - Ao se chocar com o meu nítido olhar de zombação, ela acrescentou: - Não sei se foi alucinação minha por causa do desespero ou sei lá.
A voz dela falhava a cada sílaba.
– Como assim a cor dos meus olhos? Você fala da minha íris?
O olhar perdido dela quase me fez rir. Ela realmente era muito burra, era quase inacreditável dizer que éramos irmãs.
– O que é íris? Desculpa mas você sabe que eu não entendo nada de corpo humano, nem nada que inclua conhecimento básico.
Sorri, buscando uma explicação metódica, mas simples.
– Sabe a bolinha preta que fica no meio do olho?
Ela assentiu depois de alguns segundos, como se ainda estivesse com dúvida.
– Então, ao redor dela tem outra bola maior ainda certo?
Thammy começou a rir descontroladamente com malícia. Acompanhei sua crise de risos quando eu percebi o que havia acabado de dizer, feliz por estarmos rindo juntas talvez pela primeira vez em anos.
– Sim, - Ela disse em meio às risadas - era essa bola maior que eu estava querendo dizer, era aí que estava o vermelho todo estranho.
Fiquei séria e a encarei com súbita maré de escrúpulo, sem ter certeza do que afirmar em seguida.
– Bom, sim essa é a iris dos olhos, mas como...?
Não tinha justificativa. O que podia deixar alguém com os olhos vermelhos? O flash de uma câmera, ou uma lente, ou maconha.
"Pelo o amor de Deus maconha não deixa a íris vermelha" - Me repreendi mentalmente.
Thammy podia ter imaginado isso, nada dizia o contrário, afinal ela estava em pânico e do jeito que ela era atônica simplesmente ela podia ter pirado de medo.
– Eu também não sei como, Mariana. Só sei que depois de você finalmente me largar pegou a chave de cima da minha cômoda e... - Ela apontou o dedo indicador em direção a porta. - bem ali, você parou uma última vez pra me lançar um olhar sinistro e um sorriso demoníaco. É sério eu ainda me lembro desse momento com detalhes... você com certeza não sentia arrependimento, nem misericórdia. Aquele era sem dúvidas o olhar de uma...
Ela hesitou em terminar a frase.
– Assassina... - Eu terminei por ela, com um gosto amargo nos lábios.


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