A Mediadora escrita por Peter


Capítulo 2
U M - A família.




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"Maria Anne! Maria Anne!" Aquele homem acenava com algo brilhante nas mãos. Eu sabia que não conhecia aquela voz, mas a distância entre nós dois não me permitia ver seu rosto. "Maria Anne!" Ele repetia meu nome com urgência, apressei o passo, mas o sol estava muito forte, eu precisava chegar mais perto para ver seu rosto. "Maria Anne, acorde!" Meus passos estavam pesados, eu estava praticamente me arrastando... Espere aí... Acorde?!
– Maria Anne! Pelo amor de Deus, menina, levante-se daí - Minha mãe abria enormes cortinas que cobriam a janela do meu quarto. O sol forte já iluminava o quarto mesmo com as cortinas fechadas, quando as abriam então era quase insuportável. Levantei com certa dificuldade da cama. Eu estava sonolenta e as aulas ainda não haviam começado, mas, aparentemente, minha mãe não tinha entendido essa parte.
– Você só pode estar de brincadeira, Verônica! São nove e meia da manhã! Me deixe dormir. - O mostrador do radio relógio ficava quase imperceptível devido à tamanha luz solar.
– Deixe disso, filha. O dia está lindo e, desde que chegamos há oito dias você nem se interessou em passear pelas redondezas. Procure algo para fazer, arranje amigos, visite alguma livraria, mas não fique em casa! - Ela já estava arrumando minha cama, portanto, resisti à preguiça e pus-me a realizar os "rituais matutinos".

Depois de estar com os cabelos devidamente penteados e bem vestida, desci para a cozinha. O cheiro de café passado estava delicioso, eu quase podia ver aquelas pessoas colhendo os grãos nos grandes cafezais brasileiros de que minha mãe tanto fala. Uma de suas poucas manias é beber café brasileiro. É claro que hoje em dia é tudo mecanizado, mas um cenário onde pessoas colhem direto dos arbustos cafeeiros é bem mais rústico e atraente. Gabrielle, a cozinheira da casa onde estávamos hospedados, torcia o nariz para as manias de minha mãe, mas ela tinha razão. Gabrielle era uma cozinheira de mão cheia, não havia receita que ela não preparava deliciosamente, "mãos de anjo" como dissera meu pai.

Sentei-me à mesa e devorei tudo o que pude. Um pedaço de baguette quentinho com manteiga, croissant, geleias diversas, e algumas frutas. Procuro não desperdiçar nada, como tudo e ainda repito com orgulho, minha mãe adorava me ver comer bem, e, embora não parecesse, tenho o metabolismo rápido. Em outras palavras eu não sou nada gordinha.

Papai não estava em casa, portanto nem passei pelo seu escritório para dar-lhe um beijo antes de sair de casa. Pus uma boina vermelha para não perder o costume e segui porta à fora. As ruas estavam agitadas e parecia que as pessoas dessa cidade acordavam cedo. Bicicletas, motocicletas e carros transitavam para lá e para cá, despreocupados. Mesmo que atarefados, os franceses pareciam despreocupados e calmos, e não agitados como os americanos. Naturalmente eu havia levado meus headphones comigo, então pus logo uma música tocar no meu celular e segui a caminhada. Percorri o caminho à esquerda de minha casa. Era uma avenida grande e larga, como aquelas de cidade grande, porém era feita de paralelepípedos. No canteiro central que seguia junto com a mesma rua, encontravam-se idosos sentados em bancos de madeira conversando tranquilamente. Por mais que eu odiasse ter de mudar novamente, a França não parecia um lugar tão ruim. Era tranquilo e bonito. Como aquelas imagens que normalmente vê-se em blogs e redes sociais "cult" na internet. Tirei algumas fotos da arquitetura local e da paisagem e segui com minha caminhada. Por mais que eu saiba que não é o certo, peguei a carteira de cigarros que havia em meu bolço e tirei um para tragar. Meus pais não aceitavam este meu comportamento, mas, entramos em um acordo: Posso fumar desde que não falte as aulas e vá bem na escola. É algo tolo, eu sei, e pais não deveriam negociar a saúde dos filhos, ainda mais com eles próprios, mas há outros motivos envolvidos nisso que não vale a pena recorda-los aqui e agora. Traguei meu cigarro lentamente e sorri. O dia estava agradável. Não era quente e abafado como minha mãe descrevia o Brasil. A luz do sol era intensa e brilhante mas, ainda assim, era fresco, leve. Ao longe pude ver que algumas nuvens chegariam no meio da tarde, então chuva era prevista para... de acordo com meus cálculos e estudos com a vovó, choveria em torno das quinze horas. Continuei a caminhada observando as pessoas e a paisagem. Não era difícil reconhecer turistas. Normalmente usavam trajes diferentes, agiam de modo diferente. E também, a cada cinco passos *FLASH* uma foto. Muitos casais, poucas famílias e alguns estudantes da universidade local bebendo café e vidrados em seus livros e notebooks. Como eu disse antes, típico mas tranquilo. Meu cigarro terminou e entrei em uma livraria chamada "Charme Littéraire" que, em tradução livre, significa: Encanto Literário.
Abri a porta enquanto tirava os headphones e um sino tocou. A livraria era pequena mas cheia de prateleiras altas de madeira. A lateral de uma delas ficava virada para a entrada. Pude ver nela cravada uma sigla estranha. Parecia que havia sido feita por uma faca ou algum objeto cortante, e claramente não fazia parte da decoração da prateleira, fiquei encarando as letras N'oD'E quando uma voz me surgiu detrás do balcão.
– Désolé, vous avez besoin d'aide? - Um garoto de aparentemente dezenove anos surgiu de uma passagem com cortinas de miçangas na frente. Levei um susto e corei. O garoto era simplesmente lindo. Vestia um macacão jeans em cima do que parecia ser uma camisa de mangas compridas verde oliva. Seus cabelos eram louro médio e encaracolados, e possuía olhos verdes como a própria camiseta. Não sei por quantos minutos fiquei boquiaberta e sem reação enquanto ele me observava, até que fez uma careta esquisita e lembrei de falar a unica coisa que sabia em francês:
– Je suis désolé, je ne parle pas français. - Enrolei um pouco apenas para dizer que não falava francês.
– Ah, sim! - Disse ele sorrindo - inglês então?
Acenei com a cabeça em afirmativa. Haviam apenas duas línguas que eu realmente dominava. Inglês e Português. Tive algumas aulas de espanhol, francês e italiano, mas pouco sei de cada uma.
– Este livro que estava encarando. Você o conhece?
– Desculpe-me, o que? Não entendi sua pergunta.
– Este livro - disse ele apontando para o último livro da prateleira em que haviam as iniciais - você o conhece?
Encarei subitamente a coluna do livro e pude ler o título que, para a minha surpresa, estava em inglês.
– A menina que não sabia ler? Sim, sim, conheço - Disse eu corando. Na verdade eu nunca havia ouvido falar naquele livro, mas achei melhor não perguntar sobre as iniciais e parecer entrometida demais. - A proposito, qual é o preço dele? - Perguntei já o tirando da prateleira velha.
– São sete euros. - Ele disse sorrindo.
Peguei o dinheiro na minha bolsa e entreguei para ele apreçada. Agradeci e me virei para sair quando ele me chamou.
– Espere, me diga o seu nome, por favor? Você é nova por aqui, não é? - Virei-me para encara-lo desconfiada.
– É Maria Anne, cheguei há alguns dias. Nos vemos por aí. - Disse enquanto saia apressada. O fato de ele pedir meu nome me deixou corada, preferi sair logo da loja depois de ouvir um "até breve" em francês, que na voz dele "À bientôt" parecia com "Eu te amo".

Segui meu caminho por este mesmo bairro até encontrar uma praça aberta. Era quase dois quarteirões e em uma placa lia-se "Rosembarg carré" que significava Praça Rosembarg. Sentei-me em um banco próximo a um amontoado de árvores e pus meus headphones novamente. Estava admirando meu livro novo quando notei um encarte, parecido com uma revista, no chão. Aparentemente era um deses folhetos para turistas, mas nele continha um pequeno texto sobre uma antiga família local. Curiosa que sou, pus-me a tentar ler e treinar meu francês, todavia minhas aulas começavam em alguns dias e eu teria que saber o básico dessa nova língua. Depois de bons dez minutos consegui entender o conteúdo do texto:

"A família Rosembarg.
A cidade também tem histórias trágicas para contar, como a famosa chacina da família Rosembarg. Antes de tudo, conheça a família:
A família Rosembarg veio para a França em meados de 1528, vindos da Inglaterra com grande poder aquisitivo, instalou-se na cidade e a colonizou junto com outras três famílias Francesas, que são os B'olier, Saunièrre e Lyinóier. Das quatro famílias, a mais gananciosa era a Rosembarg. O patriarca da família, John Rosembarg vivia em constantes conflitos com os patriarcas das outras famílias. Um conflito histórico importante foi na cerimônia de aniversário de 20 anos da cidade, entre John Rosembarg, que era joalheiro e vice-presidente da organização sindical dos moradores da cidade, que antes era um pequeno vilarejo, e Jacques B'olier, o prefeito da cidade e presidente da organização sindical. A discussão fora tão feia que os filhos primogênitos dos mesmos quase mataram um ao outro a tiros. O diferencial é que o filho dos Rosembarg, Frederich Rosembarg era carismático e amigável, totalmente diferente do pai, assim como Jean B'olier, que era ganancioso e frio, e queria tomar o lugar do pai na administração da cidade. Por muitos anos as famílias entraram em conflitos, mas uma tragédia aconteceu. Na véspera do dia dos mortos francês, após uma grande festa de celebração do 78º aniversário de John Rosembarg, Friederich enlouqueceu. Munido de uma adaga de prata que havia comprado em uma viagem ás Índias, Fredrich assassinou sua família inteira a sangue frio. Quando a festa chegara em seu ápice, ele cortou o pescoço do próprio pai na frente de todos, após ter matado as próprias irmãs e mãe. Enquanto, enquanto todos assistiam perplexos àquela cena maquiavélica, ele bebeu o sangue do pai direto de uma taça de cristal, para então jogar-se do segundo andar para o salão de festas e morrer ali mesmo. Desde então, a casa dos Rosembarg fora amaldiçoada, e nenhuma família conseguiu vive por mais de 3 meses no local sem sofrer com assombrações e aparições estranhas. Hoje, a casa foi transformada em um museu, que oferece um tour por todos os cômodos da casa e até o local da morte dos Rosembarg pai e filho. A visita custa 2 euros por pessoa e o museu está aberto das 9h da manhã até as 18h40 da noite, sem fechar ao meio dia. Incluído no tour está a...."

Larguei o encarte do meu lado e tirei os headphones. De repente o vento começou a ficar forte e a chuva que eu previra para as quinze horas acabava de chegar. Levantei e comecei a caminhada de volta para casa, aquela história me intrigara e estava curiosa para saber a verdade mais a fundo. Estava decidida a visitar o museu que, para a minha sorte, ficava perto daquela praça. Contornei-a e segui a diante. Aos poucos pude ver ao longe a grande casa do Rosembarg, que agora funcionava como museu. Vi pessoas entrando no local e sabia que era lá. Quando estava chegando perto da entrada deixei meu livro cair no chão. Abaixei com pressa para recupera-lo antes que alguém pisasse em cima dele ou que começasse a chover. O tempo dera uma grande reviravolta e eu já começava a pensar em ligar para minha mãe me buscar de carro ali mesmo depois do tour, mesmo que morasse por perto. Eu não havia levado guarda-chuva e não queria molhar minhas roupas. Foi quando um brilho estranho chamou a minha atenção. Pelo canto do olho esquerdo eu percebi algo prateado na viela ao lado do museu. Olhei para cima e a antiga casa parecia ter andares infinitos. A viela era escura e longa, mas não escura o suficiente para que não pudesse ver nada. Aquele brilho chamou a minha atenção. Segui viela a dentro decidida a descobrir o que era aquele objeto.


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