Pin Up escrita por Cannibal


Capítulo 15
Um velho hábito


Notas iniciais do capítulo

oi...



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Ellen o odiava. A maneira livre com que simplesmente aparecia aos finais de semana em casa, sempre sorrindo e tirando a expressão dolorida do rosto de Rivaille com estórias que Erwin possivelmente não contava, a última delas Ellen ouviu com atenção. Havia sido um bom dia no campo e o comandante havia deixado que passassem da conta na bebida, uma noite boa e sem mortes, os homens trocaram confissões de infância, amores deixados para trás; mas segundo Jean, Erwin não contou quase nada. “Ele nunca falava nada sobre quem o estava esperando”, disse ele.

Ellen sempre observava de longe, sentada na sala enquanto ouvia os dois conversando na cozinha já lhe bastava quando o assunto era Erwin, não gostava de ficar perto quando sabia que não poderia controlar as emoções de Rivaille; mas quando Jean aparecia com uma panela de sopa ou algum bolo Ellen o vigiava de perto, era um mau hábito ouvir atrás das portas, não sabia desde quanto havia pegado a mania de se esconder e se fechar no banheiro para ouvir os sussurros vindos do quarto de Rivaille.

Ele ainda chamava por Erwin em seus sonhos, gemia por ele e acordava assustado, suando. O luto ainda o fazia mal, o deixava noites sem dormir e varias vezes Ellen o pegou sentado na sala em sua poltrona vermelha olhando para a janela que dava para o pequeno jardim nos fundos da casa, ele apenas ficava lá, com os olhos frios encarando o horizonte como se ainda esperasse por Erwin. Antes era apenas ele e uma xícara de chá, depois o bule foi substituído por uma dose de whisky e em uma manhã Ellen tropeçou em uma garrafa vazia. Foi a primeira vez que o viu sem as máscaras, tocou de leve as olheiras, os lábios secos e o cabelo, parecia mais magro e cansado, inquieto mesmo dormindo encolhido no sofá. Sentiu pena. Nunca imaginou que a falta de Erwin pudesse causar tanta dor a ele, era completamente diferente dos dias em que Erwin estava na guerra, não havia aquela luz no fim do túnel. Era só mais um buraco escuro, mais um lugar onde Rivaille passou a viver.Onde deixou a sombra que o perseguia retornar.

Jean não via isso, eram sorrisos falsos quando ele lhe perguntava como as coisas estavam, como se sentia, se comia e dormia direito. “Eu estou bem”, dizia Rivaille se servindo de mais chá. E quando Jean ia embora, Ellen voltava a sua rotina de criar novas músicas para Rivaille, enquanto ele apenas ficava lá, em sua poltrona vermelha olhando o dia passar. Quando ele criava coragem de se arrumar para mais uma noite de trabalho ele não era ele, assim que vestia seus justos vestidos e arruma a peruca Rivaille entrava no personagem que usaria, uma máscara com cheiro doce que bebia martini demais para alguém do seu tamanho. Mais um dia amanhecia e Ellen o carregava quase bêbado para a sua cama, se acostumou a deixar aspirinas e um copo de água no criado mudo, a tirar os saltos e puxar as meias. Tirar os grampos da peruca e descer o zíper do vestido. De soltar o corset e cobri-lo.

A velha rotina de Rivaille havia voltado.

O tão temido medo que ele sentia esta ali, em sua expressão cansada e dolorida. E ele nem havia notado seu declínio, não notava os lábios secos e a rápida perda de peso, Rivaille sequer arrumava a cama. Ellen pensou em esconder todas as garrafas de qualquer coisa que julgasse ter um alto teor de álcool, queria tomar a frente de Jean, mostrar a Rivaille que ela era quem se importava com ele, ela cuidava dele. O colocava para dormir e o forçava a comer. E o que ganhava em troca? Nada. Nem bom dia. As coisas nem sempre foram assim, Rivaille costumava ser gentil com ela, dar dicas sobre maquiagem e de como poderia pentear o cabelo. Mas depois de Erwin tudo mudou. Rivaille era só uma casca vazia que bebia até trançar as pernas para esquecer a dor que rasgava seu coração.

Um velho hábito.

Inúmeras vezes o viu chorar embaixo do chuveiro, chamando por alguém que não podia responder. Ellen queria puxar Rivaille da lama escura da qual ele se deixava afogar, mostrar que podia ser a sua luz no fim do túnel, criar aquele laço que sempre quis ter com ele, deixá-lo protegido dos horrores do mundo em seus braços. E mesmo que não significasse nada para ele, já seria o bastante para Ellen, saber que em algum momento ela foi importante para ele, ela o manteve acima da superfície grossa daquela lama. Ela queria afastar as noites insones, as crises nervosas de vômito, tinha medo de perdê-lo. Tinha medo do que ele escondia sobre a casca fina que usava para tentar parecer bem.

Mais uma vez Jean vinha com alguma comida, e mais uma vez Rivaille mentia estar bem. E mesmo com os olhos brilhando com as coisas aleatórias que Jean lhe dizia, Rivaille parecia distante, imerso na própria dor.

Ellen apertou a caneta na mão, mordeu os lábios ao ver Rivaille se despedindo de Jean na porta, o peito pesou ao ver a expressão alegre e puramente falsa sumir quando a porta se fechou. Mais um dia, pensou quando Rivaille passou por ela na sala, seguindo devagar até o quarto onde passaria mais um longo e deprimente dia. Queria ter voz para fazer algo por ele, dizer algo que pelo menos o fizesse pensar no quão mal ele estava ficando. Não havia mais aquela força de seguir em frente, Rivaille havia desistido dos sonhos que havia compartilhado com Erwin, desistido de ao menos tentar. Ellen fechou os olhos com força quando ouviu um música baixa vinda do corredor. Ela sabia que disco era aquele, o mesmo de sempre, o mesmo que Erwin havia lhe comprado por algumas notas em uma loja qualquer. Olhou na direção do corredor quando um som mais grave ecoou com a música, largou os papeis sobre a mesa e caminhou em direção ao quarto, Rivaille não estava lá.

Devagar Ellen foi até o quarto onde Rivaille mantinha seus vestidos e acessórios, mas agora o impecável camarim improvisado estava bagunçado, com maquiagens e espelhos quebrados; e aquele vestido azul turquesa as tiras. Ellen queria parar, mas não conseguia se mexer diante da cena. Era quase... Deplorável vê-lo assim, ao ponto de não aguentar mais ver as coisas que lhe lembrava a vida com Erwin, das coisas que construíram juntos.

–Eu te odeio... – ouviu Rivaille chorar, deixando o peso enfraquecer os joelhos enquanto caia no chão. – Pode salvar incontáveis vidas, mas a sua não. Que tipo de pessoa era você?

–A que te salvou. – disse ela, entrando no quarto pela primeira vez sem permissão – Ele... – pense Ellen! Pela primeira vez ele precisa de você e você trava, pense! – Ele salvou você Rivaille, ele te ajudou quando precisou.

–Mas agora que eu realmente quero, ele não está aqui. – respondeu, puxando a tesoura do manequim destruído a sua frente. – Eu sinto tanta a falta dele, que doí.

–Eu sei. – Ellen teve cuidado com os cacos de vidro ao se ajoelhar ao seu lado, passando os braços por Rivaille, envolvendo-o em um abraço – Eu sei.

Sentiu as lágrimas molharem sua camisa enquanto o corpo de Rivaille tremia aos soluços em seus braços, apertou mais forte, deixando-o quase em seu colo enquanto o ninava para se acalmar. Nunca o tinha visto chorar daquela maneira, desesperado com a dor em seu peito. Ellen se perguntou quando aquilo ia parar.

Mas isso foi há cinco meses.


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Notas finais do capítulo

Bom, aconteceu umas tretas aqui em casa e ficarei um tempo - indeterminado - sem meu note. Mas eu vou terminar a fic no papel e quando eu voltar já posto todos os capítulos, não se preocupem com isso. É apenas uma pausa forçada /chora



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